Maria Emília Pacheco
12/09/2023 16:47
Nos meses de julho e agosto ocorreram iniciativas do governo que favorecem o fortalecimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e seus sujeitos de direito.
A partir de agora os grupos formais e informais de mulheres da agricultura familiar estão incluídos como prioritários junto com os povos indígenas, comunidades tradicionais e assentamentos rurais para aquisição, diretamente, de no mínimo de 30% dos alimentos produzidos para atender à demanda das escolas. E ainda, quando comprados de família rural individual, será feito em nome da mulher em, no mínimo 50%. É o que diz a Lei nº 14.660 de agosto deste ano, que alterou positivamente o art. 14 da Lei 11.947 de 2009 do PNAE.
Foi em agosto também que o governo, durante a Marcha das Margaridas, editou o Decreto (Nº 11.642), criando o Programa Quintais Produtivos para Mulheres Rurais, com o objetivo de contribuir para promover sua autonomia econômica. Embora seja um passo importante, não chega a atender a integralidade da proposta contida na pauta da Marcha das Margaridas. A reivindicação era de “um milhão de quintais produtivos”. Além disso, dentre tantas outras propostas, no eixo autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda, as mulheres inovaram com a ideia de um programa de fomento “casa, terreiro e quintal” com Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) agroecológica e feminista, que considere a casa como espaço de produção e, para tanto, incluíram a necessidade de recursos destinados à aquisição de bens domésticos que reduzam a sobrecarga do trabalho das mulheres. Mas essa proposta ainda está por ser concretizada.
As conquistas, mesmo que parciais, são expressão das lutas e mobilizações das mulheres. Uma vez colocadas em execução, essas medidas, que envolvem diferentes Ministérios podem se entrelaçar. Ou seja, apoiar as ações de manejo da produção e de coleta das mulheres nos quintais produtivos, por exemplo, pode significar novas e maiores possibilidades de oferta de alimentos pelas mulheres para a alimentação escolar.
E foi também em julho, que o Fundo Nacional de. Desenvolvimento da Educação (FNDE) lançou uma importante Nota Técnica sobre Identificação e prevenção de Conflito de Interesse na execução do PNAE” (Nº 3228950).
Por que é importante? De fato, como alerta o texto, existem cada vez mais evidências de que os setores da indústria de bebidas e produtos alimentícios ultraprocessados, buscam atrasar, enfraquecer, distorcer ou impedir o desenvolvimento de políticas de alimentação e nutrição que possam contribuir para a formação de hábitos alimentares saudáveis e sistemas alimentares sustentáveis.
Os ultraprocessados são formulações de origem e uso industrial nos quais se usam corantes, aromatizantes e outros aditivos, como por exemplo: bebidas adoçadas com açúcar ou adoçantes artificiais, refrescos em pó, embutidos, produtos congelados, produtos desidratados como sopas em pó, macarrão instantâneo e outros, que chegam em muitas escolas no país. Com baixo custo de produção e muito tempo nas prateleiras do comércio, esses produtos prejudiciais à saúde têm impacto no aumento das doenças crônicas não transmissíveis como a obesidade, pressão alta, diabetes, e estão em conflito com os objetivos do PNAE, com as diretrizes do Marco de Referência da Educação Alimentar e Nutricional e do Guia Alimentar da População Brasileira.
As recomendações para os vários atores do PNAE – gestores (as), diretores (as), professores (as), nutricionistas, merendeiras, conselheiros (as), é que o ambiente escolar seja protegido e não sejam realizadas ações como concursos e gincanas, oferta de material, formação de professores, patrocínio e campeonatos esportivos, peças de teatro ou show, peças de publicidade ou doações, em parceria com fabricantes de produtos ultraprocessados.
É preciso que o processo de aquisição de alimentos para o PNAE seja isento de conflitos de interesse para assegurar o alcance dos objetivos do Programa. Acompanha a Nota Técnica uma importante ferramenta com várias questões sobre Prevenção e Gestão de Conflitos de Interesse que deve ser amplamente conhecida, divulgada e aplicada, por exemplo, pelos Conselhos de Alimentação Escolar (CAES).
Está em curso também um debate no grupo consultivo do PNAE sobre a adoção de medida que substitua a exigência do Cadastro da Agricultura Familiar (CAF) para favorecer o acesso dos povos e comunidades tradicionais ao PNAE. Esta definição já está se concretizando no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Ter modelos de chamada pública e contrato específicos para esse público é uma proposta que tem origem na Mesa Permanente de Diálogo Catrapovos Brasil, instituída pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Púbico Federal (6CCR) em 2021. Visa fomentar a adoção da alimentação tradicional em escolas indígenas, quilombolas e de comunidades ribeirinhas, extrativistas, caiçaras, entre outras, em todo o país. Um desafio, que uma vez concretizado, representará importante conquista para os sujeitos de direitos.
*Assessora do GNA/FASE