31/05/2008 16:38
Jean Pierre Leroy
Assessor da Fase
O que é ser brasileiro? Cada um tem sua resposta, pois a consciência de pertencimento a um país se forja ao longo da história de cada vida. Eu arriscaria uma resposta que, ainda que parcial, me parece fazer sentido seja para brasileiros natos ou de adoção, nestes tempos de individualismo exacerbado e encolhimento das noções de cidadania e interesse público.
Nossa identidade brasileira não é só fruto do acaso. Mesmo que inscrita desde o registro de nascimento, cada um a confirma ao sabor da sua trajetória pessoal e social. Mas também os outros confirmam minha identidade. Eles me reconhecem como brasileiro, e esse reconhecimento reforça minha sensação de pertencimento. Realizo-me como brasileiro ao me sentir fruto de uma história e semente do futuro. Este chão, em algum lugar, tem a minha marca. Criei raízes e aguardo a árvore frondosa crescer para os que virão depois.
Não se trata apenas de identidade individual. Até hoje, numerosos países conhecem conflitos internos entre a nação e identidades regionais e étnicas. Alemães, italianos, japoneses, pomeranos, poloneses. Nordestinos, amazônidas, pantaneiros, caiçaras; seringueiros, quilombolas, povos indígenas; tribos do hip-hop, do axé, do rock e do pagode; torcidas dos clubes de coração… No Brasil, a diversidade se entrelaça numa suntuosa sinfonia
O que poderia dificultar a povos como os Macuxi de Raposa Serra do Sol, ou os Xavante da terra Marãwatsede, ou ainda os Cinta Larga, o auto-reconhecimento como brasileiros? O efetivo não reconhecimento da sua igualdade conosco e da sua cidadania, o tratamento à moda dos senhores de escravo que ainda recebem e o abandono.
Mesmo com todas as mazelas que afetam os órgãos públicos, oriundas de uma concepção de Estado colonial, patrimonialista e clientelista, abnegados funcionários e militares sempre buscaram preservar o sentido republicano da igualdade e da cidadania nos rincões da nação. Lembro que, em 1973, tive uma conversa informal com o lendário brigadeiro Camarão, que então comandava o I Comando Aéreo Regional, no seu gabinete em Belém. Ele explicou, ao aprendiz de amazônida que eu era, que as fronteiras brasileiras estavam guardadas, e muito bem guardadas, pelos índios e os missionários. Desde então, a Amazônia brasileira tornou-se mais complexa, mas o trinômio FAB/índios/missionários – e com ele vale mencionar o binômio ribeirinhos/Marinha – nos lembra que a concepção estratégica de manutenção da soberania sobre a Amazônia brasileira pode andar de mãos dadas com o reconhecimento dos povos indígenas e outras populações tradicionais da região.
De todos os cenários possíveis a partir do atual conflito em Roraima, o pior de todos será se grupos econômicos e políticos tomarem de assalto os recursos naturais, a terra e os recursos públicos nas fronteiras em proveito próprio. Isto criará um apelo para a constituição de aglomerações humanas nas quais imperaria a precariedade e a miséria.
Jean Pierre Leroy foi relator nacional para o direito humano ao meio ambiente entre 2002-2004.
Foto: Aldeia Kikretum, no sul do Pará. (Antonio Cruz/ABr).