01/12/2020 12:31
Rosilene Miliotti¹
No âmbito do projeto Amazônia Agroecológica², o programa da FASE no Mato Grosso realizou estudo visando a publicação de um diagnóstico sobre a cultura alimentar em três comunidades de Cáceres e da Baixada Cuiabana: Comunidade Quilombola Ribeirão da Mutuca, Comunidade Tradicional de São Manoel do Parí e Assentamento Corixinha. O mesmo diagnóstico está previsto para ser realizado em comunidades do Pará, no segundo semestre de 2021, pelos educadores e educadoras do programa da FASE na Amazônia.
Cidinha Moura, coordenadora da FASE no Mato Grosso, explica que o objetivo é identificar os alimentos produzidos e consumidos pelas famílias, seu significado cultural, verificar as mudanças ou perdas de práticas na produção de alimentos (receitas, sementes, ou práticas tradicionais de cultivos) e seu impacto na segurança alimentar e nutricional. “Com essa ação, também queremos analisar as condições de acesso das comunidades, e, sobretudo das mulheres e juventudes, às políticas para a agricultura familiar e segurança alimentar e nutricional”.
A cultura alimentar é uma das dimensões da segurança alimentar e nutricional. A perda da biodiversidade, da memória alimentar e da diversidade do alimento, tem grandes impactos na situação de segurança alimentar das comunidades.
Maria Emilia Pacheco, assessora da FASE, lembra que o Guia Alimentar da População Brasileira, lançado em 2014, recomenda a necessidade da base da alimentação ser composta dos alimentos in natura ou minimamente processados, e afirma que os ultraprocessados tendem a afetar negativamente a cultura, a vida social e o ambiente. “A agricultura familiar, agroextrativista e agroecológica é um caminho que reafirma o princípio da diversificação alimentar para romper com a monotonia das dietas e enfrentar o adoecimento da população. Conhecer, apoiar e divulgar as experiências das comunidades que realizam o manejo sustentável dos bens da natureza, que resgatam as sementes e plantas nativas, valorizando as diferentes tradições culinárias é importante, pois corremos o risco de perder a memória alimentar do país. Assegurar o direito humano à alimentação também implica em garantir o direito ao gosto”.
Para Miguelina Silva, da comunidade tradicional de São Manoel do Parí, diz que não vão deixar de fazer as comidas e bebidas que a comunidade tem o costume de produzir. “Para nós, comunidade tradicional, nós temos uma vivência e uma cultura com a alimentação que nós mesmos produzimos e essa cultura a gente nunca deixou de viver ela. Porém, eu percebo que a cultura alimentar vêm mudando um pouco, principalmente com o maior acesso à produtos industrializados.
“Aqui nós vivemos e produzimos variadas culturas. Uma delas é o furrundu, um doce feito com mamão verde e o melado da cana-de-açúcar, uma sobremesa tradicional que é feita para todos os festejos, reuniões e para vendermos porque recebemos muitas encomendas. Além de tradição, é uma forma de gerar renda. Todos aqui na comunidade produzem esse doce, eu aprendi a fazer o furrundu com minha irmã, que foi quem me criou”, conta Miguelina.
Alimentos ancestrais
A comunidade Quilombola Ribeirão da Mutuca, um dos maiores territórios quilombolas de Mato Grosso, conta com 120 famílias e é reconhecida pela produção de banana e pelas práticas agroecológicas de manejo dos roçados coletivos preparados em muxiruns (mutirão) e da preservação da biodiversidade, possuindo uma das mais antigas variedades de milho crioulo do estado e o resgate da cultura ancestral africana dos povos quilombolas da região. Anualmente, a comunidade realiza a festa da banana quilombola para celebrar a colheita e os modos de vida da comunidade. O evento entrou para o calendário do município e atrai pessoas de outras regiões. Atualmente, a Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca (ACORQUIRIM) está revitalizando uma infraestrutura onde serão processados alimentos a partir da banana e o funcionamento de uma casa de mel.
Já a comunidade de São Manoel do Parí, faz parte de um complexo de comunidades tradicionais da baixada cuiabana, e é referência na preservação da cultura e práticas tradicionais dos povos nativos dessa região. As 19 famílias que lá vivem, manejam diversos alimentos em seus roçados coletivos. Porém, a comunidade têm no cultivo da cana-de-açúcar o principal arranjo produtivo, de onde produzem, por exemplo, o famoso furrundum. Atualmente a comunidade executa um projeto com o apoio do DGM Brasil e iniciou a construção de uma Unidade de Beneficiamento.
No Assentamento Corixinha, os educadores e educadoras da FASE realizaram a pesquisa com o grupo Amigas da Fronteira, que integram a Associação Regional das Produtoras Extrativistas do Pantanal (ARPEP). Nove mulheres compõem o grupo que vive há mais de 15 anos na região de fronteira entre Brasil e Bolívia. As Amigas da Fronteira tem como foco a coleta e beneficiamento do Pequi. Atualmente, a ARPEP se prepara para receber equipamentos que irão processar e ampliar o aproveitamento do fruto.
[1] Jornalista da FASE.
[2]