09/05/2017 10:43

Rosilene Miliotti¹

Durante dois dias, representantes de comunidades do norte do Espírito Santo e ativistas da Campanha Nem um Poço a Mais² se reuniram na comunidade Campo Grande, em São Mateus, para falar sobre os impactos da exploração de petróleo na vida da população e alertar para a realização da 4ª Rodada de Acumulações Marginais da Agência Nacional de Petróleo (ANP). O grupo visitou a praia do Sossego, onde a água foi contaminada pela lama de rejeitos do rompimento da barragem da Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, o mangue em frente ao Terminal Norte Capixaba (TNC) destruído por um vazamento em 2009 e uma propriedade que possui o conhecido “cavalinho”². Além disso, foram recolhidos depoimentos e impressões dos moradores sobre os problemas socioambientais com os quais sofrem há décadas.

Participantes do encontro. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

De acordo com o coordenador do programa da FASE no ES, Marcelo Calazans, o encontro na comunidade Campo Grande foi rico em diversos aspectos. “Essa foi a primeira vez que a Campanha acessou essa área. O objetivo aqui é alertá-los e mobilizá-los para a rodada da ANP, no próximo dia 11. Precisamos ficar atentos porque estão leiloando poços marginais, ou seja, os que já não produzem a mesma quantidade [de petróleo]”, explica Marcelo.

Aldeci, presidente da Apescama. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

O presidente da Associação de Pescadores, Catadores de Caranguejo, Aquicultores, Moradores e Assemelhados de Campo Grande (Apescama), Aldeci de Sena, diz que depois que o petróleo começou a ser explorado na região, a água ficou com cor e o sabor de ferrugem, e que algumas pessoas compram água mineral, mas a maioria não tem condições para isso. “O tráfego de caminhões, a poluição sonora e visual dos ‘cavalinhos’ e a presença de muitos homens [que vieram de fora] dentro das comunidades são outros problemas que enfrentamos”, reclama. Ele chama atenção ainda para o fato de que nem todos os vazamentos chegam ao conhecimento da sociedade. “’Pequenos’ vazamentos são comuns. Contaminam a água e o solo e destroem os manguezais, o mar e a vida das pessoas que vivem próximas a essas regiões. Em 2009, em apenas um mês, foram três vazamentos”, lembra. A comunidade ainda se queixa dos órgãos ambientais, que multam o pequeno agricultor, o pescador, mas não fiscalizam as empresas como deveria.

“Quando as empresas encontram petróleo, a partir das pesquisas sísmicas, o petróleo é da União e os proprietários de terra onde ele é encontrado se tornam superficiários. São obrigados a assinar um termo de servidão de uso do solo pelas petroleiras. E a única ‘compensação’ que conseguem são os royalties, que, na região, ficam entre R$ 100 a R$ 200 por família, ao ano, mas já houve o caso de uma família quilombola receber R$ 2 de royalties”, relembra Daniela Meirelles, educadora do programa da FASE no ES.

Marcelo conta que mesmo depois que os poços entram em “esgotamento”, a área fica improdutiva para a agricultura e a pesca. Os resíduos e a lama tóxica se tornam piscinas de material poluente e impossibilitam as atividades econômicas tradicionais dos moradores, provocando ainda doenças. Aldeci diz que houve um aumento significativo do número de pessoas com hipertensão na comunidade. Ele acredita que isso tenha a ver com os impactos da exploração ambiental e da vida da população.

“Cavalinho” em funcionamento na região de Linhares. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

Campos maduros 

No Espírito Santo serão ofertados dois campos, ambos na região de São Mateus: Mariricu e Garça Branca. A Campanha³, da qual a FASE⁴ é parte junto a dezenas de associações, cooperativas e organizações de pescadores, catadores, agricultores familiares, quilombolas e outras comunidades afetadas pela exploração de petróleo e gás, está organizando um ato, em frente à ANP, no Rio de Janeiro, para aprofundar a reflexão sobre a real viabilidade social, econômica e ambiental da expansão da atividade, principalmente em terra.

Em janeiro de 2017, a produção total mensal de petróleo nos campos terrestres do estado alcançou 57.304,72 m3 enquanto a produção no mar chegou a 1.935.802,04 m3. Apenas 2,87% da exploração se dá em terra, mas os estragos são muitos e, na maioria das vezes, irreversíveis. “Os impactos gerados pela exploração de campos marginais transborda os limites de respeito ao meio ambiente e consequentemente aos direitos humanos”, comenta Daniela. Para ela, a exploração destes poços em terra, sobretudo, os que se encontram em baixa produção, necessita de um alto investimento para trazer o petróleo até a superfície. “Se o petróleo for muito denso, injeta-se vapor de água aquecido sob pressão, por meio de um segundo poço escavado. Esta é uma intervenção violenta no solo de centenas de comunidades”, alerta.

Mangue destruído em 2009 após vazamento. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

Marcelo questiona também a compensação para as famílias. “Será que estão sendo considerados os novos impactos que surgirão com as sísmicas, perfurações, desenvolvimento, produção e construção de novos gasodutos e oleodutos? Essa exploração é necessária sendo ela pequena, porém causadora de graves impactos ambientais e sociais? Vale a pena? Nós afirmamos que os usos absurdos do petróleo não justificam o sacrifício de vidas humanas”, conclui.

As empresas que estão inscritas para a 4ª Rodada são: Dimensional Engenharia Ltda,Geomecânica S.A. Tecnologia de Solos Rochas e Materiais, Imetame Energia Ltda, Muncks e Reboques Brasil Ltda, New Óleo e Gás Ltda, Oil and Gás Investiments Group Exploração e Produção Ltda, Petroborn Óleo e Gás S.A, Petrol Serviços de Sondagem Ltda., Tecnoil Comércio e Representações Ltda e Ubuntu Engenharia e Serviços Ltda.

[1] Jornalista da FASE.

[2] Bomba de vareta de sucção instalada em um poço de petróleo dentro de grandes e pequenas propriedades.

[3] A “Campanha Nem um Poço a Mais!” propõe uma crítica ao capitalismo petroleiro. Saiba mais no site

[4] O conteúdo deste artigo é de nossa responsabilidade exclusiva, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da UE.