19/02/2007 11:21

Nos dias 13 a 15 de fevereiro de 2007, na cidade de São Paulo realizou-se o seminário “Por um Desenvolvimento Sustentável com Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional”, promovido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, Rede de Educação Cidadã, Action Aid e Programa Mercosul Social e Solidário e com a participação de diversos fóruns, redes e movimentos sociais.

O seminário teve por objetivo aprofundar o diálogo sobre o tema da soberania e segurança alimentar  para um posicionamento, elegendo diretrizes e prioridades  no processo de preparação da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A Conferência configura-se  em um espaço privilegiado para interferir na  formulação e implementação da política  e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, instituído a partir da aprovação da Lei Orgânica (Losan).

O atual modelo de desenvolvimento não garante soberania e segurança alimentar e nutricional e tem perpetuado a dominação das elites brasileiras e das grandes corporações do sistema agroalimentar. É necessário questionar também o modelo patriarcal que reproduz relações de desigualdade de gênero e dominação, relegando à mulher uma posição secundária na sociedade.

 O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ao valorizar os grandes projetos de infra-estrutura, reforça essa concepção de modelo concentrador de riquezas e gerador de desigualdades sociais e da degradação ambiental. O crescimento econômico não garante a superação das desigualdades e nem um desenvolvimento que contribua para recuperar direitos que vêm sendo historicamente violados, especialmente o direito humano à alimentação saudável e adequada.

 O atual modelo agrícola  privilegia o agronegócio  produzindo os desertos verdes das monoculturas de eucalipto, pínus, soja, cana-de-açúcar e algodão, a migração de milhares de assalariados superexplorados e o trabalho escravo. Os sistemas de integração agroindustrial do fumo, de aves e suínos também representam formas de subordinação dos (as) agricultores (as) ao padrão tecnológico dominante com impactos negativos sobre a qualidade do alimento e  a diversificação da produção.

O incentivo massivo ao biocombustível como uma das matrizes energéticas representa mais uma ameaça à soberania e segurança alimentar, pois a tendência é a expansão dos monocultivos nos vários biomas. As comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e ribeirinhos) e os camponeses são afetados por esse processo pela desestruturação de seu modo de vida, inviabilizando a produção de alimentos para o auto-consumo, comercialização e a conservação da biodiversidade.

A liberação dos transgênicos pelo governo brasileiro negou o princípio da precaução e colocou em risco a saúde da população e o meio ambiente. Significou um grande retrocesso, desconsiderando as diretrizes emanadas  da  II Conferência Nacional de SAN.

Na mesma lógica estão os processos  que visam o fortalecimento do hidronegócio, como os grandes projetos de Integração e  Infra estrutura  para a Amazônia e América do Sul (IIRSA) e o Projeto de Transposição do Rio São Francisco que não garante o acesso à água às populações mais vulneráveis, aprofundando a concentração de terras, e provocando a expulsão das populações locais e tradicionais. A segurança alimentar e nutricional  das famílias que vivem no entorno das áreas envolvidas com esse projeto encontra-se seriamente comprometida.

Em diferentes áreas do Brasil o avanço do agro e do hidronegócio tem contaminado os grandes aqüíferos em função do uso de agrotóxicos, como já vem ocorrendo no aqüífero Guarani. A água vem sendo utilizada de maneira irresponsável nos processos produtivos que visam à exportação para acumulação do capital, como a produção de soja, biodiesel e animal. Reafirmamos a importância da água de boa qualidade como alimento essencial à vida e para a produção de alimentos e como direito de todos os seres vivos.

A concentração populacional urbana é também fruto desse modelo de desenvolvimento. O modo de vida baseado no consumo excessivo de produtos industrializados, dos alimentos contaminados pelos agrotóxicos e transgênicos e na homogeneização da cultura alimentar afeta a qualidade de vida das populações das cidades. As características nutricionais do perfil alimentar da sociedade brasileira refletem esses problemas. Apesar da redução dos percentuais de desnutrição observada nos últimos anos, ela persiste em muitas regiões, coexistindo com altas taxas de sobrepeso e obesidade que também revelam situações de má nutrição. Nesse cenário há doenças causadas pelo consumo de alimentos e água contaminados ao mesmo tempo em que aumenta drasticamente a incidência das doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, hipertensão, câncer, entre outras).

Diante dessa realidade propomos um conjunto articulado de prioridades de políticas para assegurar um Desenvolvimento Sustentável com Soberania e Segurança Alimentar e  Nutricional:

  • A realização da reforma agrária e o reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e populações tradicionais são fundamentais para a garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional. Reafirmamos a urgência na demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas. A revisão do índice de produtividade da terra é um imperativo para a realização de processos de desapropriação de terras e o cumprimento da função social da propriedade. Propomos ainda a retomada da campanha pelo estabelecimento do limite máximo de tamanho da propriedade.
  • O fortalecimento e a valorização da agricultura de base agroecológica são fundamentais como contrapontos ao atual modelo de produção e de construção de um projeto sustentável e garantidor de soberania e segurança alimentar. É importante reconhecer também a participação da mulher na produção de alimentos e na conservação da biodiversidade. Tais diretrizes precisam ser consolidadas na política pública de soberania e segurança  alimentar e nutricional.
  • A garantia da continuidade da previdência pública universal e da condição de assegurados especiais a todos os trabalhadores e trabalhadoras rurais como um direito e uma política de distribuição de renda no campo.
  • A ciência e a pesquisa devem atender ao interesse público, contribuindo, por exemplo, para o resgate de sementes crioulas, reconhecendo o papel das casas e bancos de sementes comunitários, das feiras de sementes, dentre outros. Além disto, é importante divulgar e garantir recursos para estudos que analisam a interação entre o uso dos agrotóxicos e os princípios nutritivos dos alimentos.
  • É importante garantir uma política de crédito e de assistência técnica que fomente um desenvolvimento ecológico adaptado a cada bioma e não reproduza a lógica do agronegócio. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) tem sido o verdadeiro crédito para este modelo de produção agrícola. Ele deve ser (implementado) como uma política estratégica fortalecedora da agricultura agroecológica e garantidora de segurança alimentar.
  • As compras institucionais, como a alimentação escolar, devem ser entendidas como estratégia indutora do desenvolvimento local, do comércio justo, ético e solidário, da agroecologia e da segurança alimentar e nutricional.
  • A implantação e a implementação de uma política de abastecimento são essenciais para o escoamento adequado dos produtos da agricultura camponesa e familiar, uma vez que 70 % dos principais produtos da cesta alimentar brasileira são produzidos por esses (as) agricultores (as).
  • Com relação ao comércio internacional é preciso que o governo brasileiro recuse qualquer medida que limite as atuais políticas públicas de apoio à agricultura agroecológica, ao desenvolvimento rural, ao crédito, à reforma agrária, à pesquisa, assistência técnica e extensão rural e políticas de segurança alimentar e nutricional. É preciso construir mecanismos de proteção à soberania e segurança alimentar da população brasileira.
  • O estabelecimento de canais de diálogo entre o urbano e o rural para promover o entendimento mútuo da situação de insegurança alimentar e das formas de seu enfrentamento deve ser considerado estratégico numa política de SAN. As redes de agricultores(as) e consumidores(as) urbanos vêm apresentando resultados positivos concretos nessa construção, a exemplo das feiras agroecológicas que devem ser apoiadas pelo poder público, divulgadas e multiplicadas como espaços de trocas de conhecimento e práticas de consumo e comércio justo, ético e solidário.
  • Os Planos Diretores municipais devem incluir propostas de SAN.
  • É preciso promover a interação e o envolvimento mútuo dos movimentos de SAN e de comércio justo e solidário.
  • As relações entre o trabalho e a SAN devem ser aprofundadas no que se refere à geração de emprego e renda e o seu impacto no acesso à alimentação. Além disto, devem ser consideradas as transformações no processo de trabalho que vêm reforçando a competitividade, aumentando a carga de trabalho, afetando a relação com o tempo e impactando o consumo alimentar. O acesso à alimentação saudável e adequada nos locais de trabalho também deve ser considerado como um determinante importante deste processo.
  • É necessário ampliar o acesso à educação e à saúde, assim como, a informação sobre a segurança alimentar e nutricional.
  • Uma verdadeira política de Soberania e SAN  precisa garantir práticas promotoras de uma alimentação adequada e saudável para todos(as). A proteção e a garantia deste direito humano deve ser uma prioridade, devendo existir mecanismos para a sua exigibilidade e acompanhamento, a exemplo do necessário monitoramento da efetiva aplicação da regulamentação da propaganda e publicidade dos alimentos, bem como da política de regulamentação das cantinas escolares.
  • É imprescindível que se garanta a participação efetiva e democrática das comunidades locais que vivem em áreas que serão afetadas pelos grandes projetos de desenvolvimento nos processos necessários ao licenciamento ambiental, como os Estudos de Impactos Ambientais (EIA/RIMA) e as audiências públicas.

A participação e a mobilização da sociedade são essenciais para o enfrentamento desse modelo e construção de novas relações sociais e com a natureza. Os movimentos sociais, redes e fóruns comprometidos com a luta pela soberania e segurança alimentar e nutricional são chamados a exercer um papel pró-ativo na proposição de políticas públicas, realizando o devido controle social, rompendo com a separação entre desenvolvimento econômico social e ambiental.

É necessário um posicionamento intransigente contra a mercantilização da vida. Os alimentos, as sementes, a terra, água e o conhecimento historicamente construído pelas populações tradicionais, ribeirinhos, povos indígenas e camponeses, não são mercadorias e nem objeto de acumulação do capital, mas patrimônios da humanidade.

São Paulo, 15 de Fevereiro de 2007.

Ação da Cidadania

Action Aid Brasil

APOINME – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste Minas Gerais E Espírito

ASA – Articulação no Semi-Árido Brasileiro

ASBRAN – Associação Brasileira de Nutrição

COMIDhA – Comitê Nacional Pela Implementação do Direito Humano à Alimentação Adequada

Comissão de Mulheres da CONTAG

CPT – Comissão Pastoral da Terra

FACES do Brasil

FBSAN – Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional

FENDH – Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos

FETRAF – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar

FIAN Brasil

Grupo de Trabalho de Soberania e Segurança Alimentar da ANA ( Articulação Nacional de Agroecologia)

Instituto Kairós

MMC – Movimento de Mulheres Camponesas

MMTR – Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste

MPA – Movimento de Pequenos Agricultores

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

Pastoral da Criança

Programa Mercosul Social e Solidário

REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos

Rede Alerta contra o Deserto Verde

Rede Brasileira de Justiça Ambiental

Rede de Educação Cidadã

Rede de mulheres negras para segurança alimentar e nutricional;

Rede Ecovida