13/12/2018 10:17
Fernanda Couzemenco¹
As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) são saudáveis, nutritivas, saborosas e ícones de resistência – das pessoas, que querem se alimentar de forma livre de petróleo e outros contaminantes e do planeta Terra, que consegue manifestar vida mesmo em meio ao concreto e ao asfalto das cidades.
No final da tarde do último dia 30, um grupo de jovens amantes da alimentação saudável e agroecologia foi conduzido pelo Coletivo Casa Verde pelas ruas do Centro de Vitória, no Espírito Santo (ES), em busca de PANCs.
A atividade integrou a programação da II Semana Sem Petróleo, produzida pela Campanha Nem Um Poço a Mais², entre os dias 24 de novembro e 1 de dezembro, com apoio da União Europeia, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), do Fórum Suape, da organização OilWatch, do Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía de Guanabara, do programa da FASE no ES, entre outras entidades e coletivos ligados a comunidades tradicionais impactadas pela indústria petroleira.
A saída da “Caminhada PANC” foi da sede da FASE até a Horta Comunitária Quintal na Cidade, na Cidade Alta. Na concentração antes de ganhar as ruas, um bate-papo guiado por Larissa Loyola e Lucas Sangi, estudante e professor de geografia, respectivamente, ambos integrantes do Casa Verde. “Não somos especialistas, somos curiosos”, anunciam, para em seguida nos contextualizar sobre a importância das PANCs em um mundo tão dependente de poucas espécies alimentares, que percorrem enormes distâncias e são contaminadas com tantos petroquímicos até chegarem à nossa mesa.
Apenas 14 espécies de alimentos dominam os cardápios brasileiros e da maioria dos países ocidentais, informam Larissa e Lucas. Em média, esses alimentos industrializados percorrem 14 mil quilômetros, desde o plantio até os pontos de comercialização ao consumidor. “O alimento convencional é totalmente dependente de petróleo”, afirma Larissa.
O potencial alimentício, no entanto, só na Mata Atlântica, ultrapassa as dez mil espécies! E que podem ser encontradas nos nossos próprios quintais, ou em hortas urbanas/comunitárias e sítios familiares nas proximidades do bairro ou da cidade.
Brotando dos cantos de calçadas e meios fios, buracos no asfalto canteiros públicos, as plantas alimentícias não convencionais são em geral delicadas e, via de regra, chamadas vulgarmente de “mato”. Invisibilizadas pela danosa cultura da alimentação industrial, elas continuam existindo, secularmente, ancestralmente, à espera que os urbanoides de hoje resgatem, dentro de si e com a ajuda de livros, manuais e de ações como esta, do Coletivo Casa Verde, para voltarem a ser parte da rotina alimentar dos brasileiros de todos os biomas.
Outro olhar para a cidade
No percurso de 500 metros da Caminhada, foram avistadas 30 espécies de PANCs, entre elas: urtiga, caruru, aroeira, azedinha (trevo), flor do ipê, beldroega (11horas), melão-de-são-caetano, brilhantina, gramuxama (maria sem vergonha), jurubeba e pincel-de-estudante.
A cada nova descoberta, uma parada para observar seu habitat, colher uma folha, um galho, tocar, cheirar, ler mais sobre suas propriedades nutricionais e medicinais nos livros disponibilizados pelo Coletivo – muitas são também usadas na medicina tradicional das erveiras e benzedeiras – e comentários de admiração sobre a riqueza alimentar encoberta pelo cinza. “O verde ainda é uma resistência muito grande. As PANCs brotam do asfalto, é a ‘Mãe Terra’ querendo se expressar”, poetiza Larissa.
Somente comê-las não foi recomendado, devido às condições de pouca higiene em que estão, sob risco de fezes e urina de animais e muita poluição urbana. “Não é pra gente sair comendo qualquer coisa na rua, mas é olhar diferente pra cidade”, diz Lucas. Na Horta Comunitária, a concentração de espécies convencionais e não-convencionais, e a liberdade de experimentar cada erva, cada fruto, foi uma festa para os sentidos. O Quintal na Cidade foi criado há cerca de três anos pelos moradores da Rua Rubens Vervloet Gomes, que quiseram dar um basta ao lixo e a sujeira que dominavam a frente de suas casas.
De mutirão em mutirão, foram construindo os canteiros, trazendo as mudas, ganhando terra, adquirindo ferramentas, instalando bancos e mesas para o conforto próprio e dos visitantes. A recepção ao grupo da Casa Verde foi feita pelo Luís e a Marta, que contaram histórias do projeto e ressaltaram o convite para que todos se sintam sempre convidados a voltar e fortalecer os mutirões quinzenais, bazares e festas realizadas periodicamente para arrecadar fundos.
De volta à FASE, um lanche PANC e quilombola fechou a experiência. Salada de flor de jambo, onze horas, cana de macaco, major gomes, seriguela, flor de jasmin manga e assado ovolactovegetariano com cenoura, orapronobis e onze horas, feitos pelo Coletivo, além de bolos de milho, aipim e amendoim do Doce Quilombo³.
[1] Publicada originalmente no site do Século Diário.
[2] Da qual a FASE é parte.
[3] Empreendimento da comunidade do Linharinho, no Território Tradicional Quilombola do Sapê do Norte, em Conceição da Barra.