26/11/2014 11:29

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David Harvey: “As cidades devem ser para as necessidades das pessoas e não do capital”  (Foto: Passarinho/UFPE)

David Harvey não visitava Pernambuco há 40 anos. Quase não reconheceu a capital Recife, onde esteve recentemente para ministrar a conferência “Economia Política da Urbanização: acumulação do capital e direito à cidade”. O modelo de urbanização no capitalismo foi o foco de sua fala no evento, que reuniu cerca de 1500 pessoas. O geógrafo britânico, considerado uma referência em dinâmica do capital e estudos territoriais, esteve no Brasil para o lançamento de seu novo livro “Para entender O Capital: Livros II e III”, um guia de leitura da obra de Karl Marx.

O professor de antropologia da Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova York (The City University of New York – Cuny) explicou que o sistema capitalista defende o crescimento, mas que não é possível mantê-lo o tempo todo. Dessa maneira,  surgem as dívidas, baseadas na promessa de se ter recursos no futuro. “Capitalismo, em vez de liberdade, é dominação”, afirmou Harvey. Para ele, é preciso inventar uma sociedade que não dependa do crescimento, mas sim da redistribuição da riqueza.

Auditório lotado com 1500 pessoas. (Foto: Evanildo Barbosa/FASE)

Auditório lotado com 1500 pessoas. (Foto: Evanildo Barbosa/FASE)

Harvey tem escrito sobre as mobilizações que surgiram, desde 2011, em diversas cidades do mundo, em contestação à dominação que as grandes empresas exercem sobre a produção do espaço, com seus impactos sobre a qualidade da vida urbana. “A urbanização planetária passou a ser o centro da reprodução do capital”, disse.

Durante a palestra, realizada no último dia 17, ele não deixou de analisar os protestos do ano passado no Brasil. Segundo o estudioso, eles foram fruto do descontentamento com o fato de as cidades não funcionarem para a maior parte da população. “As cidades devem ser para as necessidades das pessoas e não do capital”, defendeu. Harvey também salientou que houve explosões de descontentamento até mesmo em cidades como Paris e Londres, sendo preciso unir todas essas manifestações para gerar mudança.

David Harvey ao lado da equipe de organização do evento, da qual a FASE participou (Foto: UFPE)

David Harvey ao lado da equipe de organização do evento, da qual a FASE participou (Foto: UFPE)

A conferência foi promovida pela Editora Boitempo e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com coordenação do Núcleo de Gestão Urbana e Políticas Públicas (Nugepp). Contou com o apoio da FASE, da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur) e da Comunidade Interdisciplinar de Ação Pesquisa e Aprendizagem (Ciapa). Além de visitar Recife, David Harvey esteve entre os dias 14 e 19 de novembro em debates gratuitos nas cidades de Brasília, Fortaleza, Curitiba e São Paulo.

Apoio ao Movimento Ocupe Estelita

“Eu escrevo sobre o direito à cidade, vocês o praticam. E isso é o mais importante”, declarou David Harvey em apoio ao Movimento Ocupe Estelita, que faz oposição, ao lado de outros movimentos urbanos de luta pelo direito à cidade, a um projeto imobiliário chamado “Novo Recife”. Ele visitou os armazéns do Cais José Estelita durante mais um dia de atividades do movimento. Lá foram realizados shows, debates sobre política, oficinas, projeção de filmes, exposições de fotografias, além de uma programação voltada para as crianças.

"Ocupar, resistir! ", gritaram os ativistas ao final da fala de Harvey (Foto: Ocupe Estelita/facebook)

“Ocupar, resistir! “, gritaram os ativistas ao final da fala de Harvey (Foto: Ocupe Estelita/facebook)

“Vocês não têm o grande capital do seu lado, não têm as grandes corporações do seu lado. Então, a única madeira de defender o que vocês têm é indo para a rua com outras pessoas, unidas, realizando atividades culturais, se divertindo e fazendo política ao mesmo tempo”, garantiu Harvey.

O empreendimento “Novo Recife” pretende levantar 12 torres com até 40 andares ao longo da orla, numa região próxima ao centro histórico da capital pernambucana. “Opor-se a esse tipo de desenvolvimento é opor-se ao Capital. Eu creio que em certo momento temos que nos tornar anticapitalistas e construirmos um tipo alternativo de sociedade, baseada em relações humanas diferentes e em diferentes estruturas sociais”, reforçou o geógrafo. E completou: “Creio que os tipos de solidariedade que podem ser construídas valem a pena por si só, porque vivemos numa cidade que é cada vez mais individualista, mas quando trabalhamos juntos a experiência é muito mais satisfatória”.

“Recife, cidade roubada”

O Movimento Ocupe Estelita acaba de lançar um vídeo em que denuncia o “Novo Recife”. De acordo com a produção, as irregularidades começaram desde o leilão do terreno, em 2008. O documentário destaca também que o projeto não contou com estudos de impacto ambiental e de vizinhança.

O filme é narrado por Irandhir Santos, ator pernambucano de destaque no cinema e na TV, e conta com o rapper Criolo na trilha sonora. Traz ainda entrevistas que citam as velhas práticas do empreendimento, como a apropriação de dinheiro público em prol de interesses privados e a realização de obras que aprofundam desigualdades sociais. “Nem tudo que é novo é bom. Nem tudo que é novo é novo”, diz a chamada.

Com informações da UFPE, do Movimento Ocupe Estelita e da Boitempo.