20/10/2006 10:00
Fausto Oliveira
Prestes a ser obrigada a sair da extensa faixa de terra do Espírito Santo que tomou de indígenas na década de 1960, a Aracruz Celulose baixou o nível da disputa com os Tupinikim e Guarani. Nas últimas semanas, iniciou uma campanha de opinião contra a luta indígena para reaver os 11 mil hectares que pertencem tradicionalmente aos povos originais. Exatamente neste momento, quando a Fundação Nacional do Índio encaminhou o relatório final ao Ministério da Justiça recomendando uma portaria do ministro Márcio Thomaz Bastos para declarar a área como Terra Indígena.
São outdoors, notícias plantadas na imprensa local, e-mails com inverdades e um abaixo-assinado que se aproveita de desinformação da população. Um esforço realmente grande tem sido feito para desqualificar a luta indígena pelo direito a sua terra tradicional. A campanha está tão exagerada que chegou ao nível do racismo mais sorrateiro. A Aracruz, sem melhores argumentos para se defender, resolveu afirmar publicamente que as centenas de Tupinikim e Guarani que ela desaldeou há quarenta anos “não são índios”.
A acusação faz parte de um kit com materiais (des)informativos distribuídos pela Aracruz à população do interior do Espírito Santo e de Vitória. O material é pura difamação sem qualquer relação com a realidade. Com isso, a Aracruz mostra que não tem mesmo senso de responsabilidade, pois está criando uma forte animosidade contra os índios. A tensão relacionada a este conflito, que já era alta, agora está em níveis perigosos e a empresa terá que ser responsabilizada por quaisquer atos de violência que se pratiquem contra os índios. Afinal, é da milionária e poderosa Aracruz que partem as calúnias contra simples índios que apenas procuram viver onde sempre viveram.
O desrespeito e a prepotência do gigante econômico da celulose já estão sendo combatidos juridicamente. O Ministério Público Federal já recebeu dos índios a denúncia da prática de racismo e vai abrir duas ações judiciais. Uma delas é civil, por causa do dano moral coletivo e do uso indevido de imagem de um índio no site da empresa. A outra é uma ação penal, por causa do crime de preconceito racial e do escárnio da cultura e costumes dos indígenas.
Fatos e versões – O kit produzido pela Aracruz apresenta documentos que comprovariam como a empresa comprou as terras que hoje ocupa com uma absurda fazenda de árvores de eucalipto. É muito estranho que só agora esses documentos tenham aparecido, já que há muitos anos os movimentos e ONGs da Rede Alerta contra o Deserto Verde têm documentos que incriminam a Aracruz pela mesma razão. O que está comprovado sem qualquer refutação é que a Aracruz fraudou em cartórios a compra de terras. As terras não são suas pelo simples fato de que eram dos índios até a invasão pela empresa. Depois que invadiu, forjou documentos por meio de corrupção a fim de limpar a operação.
Depois de tantos anos, quem iria contra uma multinacional exportadora que soube forjar à base de violência e corrupção sua imagem de empresa limpa e responsável? Quem ousaria? Pois os indígenas Tupinikim e Guarani ousaram, com total consciência de seu direito à terra roubada e com o apoio de organizações sociais que, ao contrário das calúnias da Aracruz, não estão a serviço de governos estrangeiros. Esta acusação, aliás, soa muito irônica vindo de uma multinacional que está sendo maciçamente contestada pelas sociedades dos países europeus.
A solução deste conflito está nas mãos do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. A ele cabe assinar uma portaria definindo os 11.009 hectares roubados pela Aracruz como Terra Indígena. Se não assinar logo, vai ver a tensão no Espírito Santo chegar a níveis perigosos, pois a Aracruz não dá sinais de enfraquecer sua campanha de mentiras e difamações. Se assinar a portaria e promover o realdeamento dos Tupinikim e Guarani em suas terras tradicionais, dará um exemplo de respeito aos direitos dos povos originários deste continente que sempre fez como faz a Aracruz: o extermínio de indígenas em nome dos lucros europeus. Está na hora de mudar essa triste realidade.