01/07/2019 18:19
Flávia Quirino¹
“Tiraram da gente o único espaço que tínhamos voz, que era a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e se isso acabar não vai restar nada para gente”. A fala é de Maura Ney Piemonte, representante do povo cigano, que participou (no dia 17 de junho) de Audiência Pública que teve como objetivo discutir os direitos de povos e comunidades tradicionais (PCTs) do país, realizada na Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional e da Amazônia, na Câmara dos Deputados, em Brasília.
“Nós estamos no Brasil há 445 anos e são 445 anos de exclusão social. As nossas crianças, adultos, idosos são analfabetos, nós não temos direito à saúde, não temos direito à escola. Se pra vocês a sigla CEP significa Código de Endereçamento Postal, para nós, ciganos, significa Ciganos em Extrema Pobreza. Território? Pra nós não existe. O nomadismo nos é imposto por uma sociedade que não nos aceita”, destacou Maura, da Associação CEDRO.
Assim como Maura, mais 21 representantes de PCTs reivindicaram direitos e denunciaram situações de ameaças aos territórios como a devastação ambiental, invasão de terreiros, escassez de água e alimentos e impactos de grandes empreendimentos empresariais. “Pela defesa dos nossos territórios, todos os dias, as nossas lideranças são ameaçadas. A gente vive em um contexto em que o nosso território é o nosso sustento”, ressaltou Francisca Nascimento, quebradeira de coco babaçu, representante do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). “Nós, todas as comunidades tradicionais, somos protetores do meio ambiente. Se nós não protegermos o meio ambiente, a mãe terra, não adianta tanto maquinário, tanto ferro, que ela (a terra) não vai produzir mais. Não adianta ter muita máquina se não proteger a terra, enquanto esse pessoal pensa só em destruir, nós estamos preservando”, apontou João Araújo, representante da Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais.
Entre os PCTs do Brasil, estão povos Indígenas, Quilombolas, Geraizeiros, Pantaneiros, Quebradeiras de Coco de Babaçu, Povos de Terreiro e de Matriz Africana, Extrativistas, Ribeirinhos, Pescadores artesanais, Extrativistas Costeiros e Marinhos, Ciganos, entre outros.
Política Nacional
A assessora de Direitos Humanos da FIAN Brasil, Roberta Amanajás, destacou a necessidade de transformar o Decreto nº 6.040/07, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em Lei. “É muito importante que o Congresso transforme esse Decreto em Lei, em uma política de Estado”.
A secretária executiva da Rede Cerrado, Kátia Favilla, ressaltou que estamos vivendo uma política de negação da identidade e de tutela desses povos. “Começar a segurar nas mãos dos povos e comunidades tradicionais é ter uma lei, de fato, para os povos e comunidades tradicionais”.
Resistir para existir
“Nós queremos que esta Casa venha realmente atender aos pedidos ao que, hoje, estão fortemente ameaçados, não só de povos e comunidades, mas vários segmentos. Se fazer visível é uma necessidade de sobrevivência. Estamos nesta audiência para mostrar que existimos. Existimos em todo o Brasil. Temos uma identidade e o Estado brasileiro precisa reconhecer nossos povos e comunidades tradicionais por meio de políticas públicas”, salientou a presidenta da CNPCT e representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, Claudia Sala de Pinho.
Sobre a extinção do CNPCT, por meio do Decreto 9.759/2019, em 11 de abril, Cláudia destacou que o Estado brasileiro precisa garantir um espaço de participação e diálogo com os PCTs. “A extinção dos conselhos é fechar esta porta de participação e diálogo, essa porta precisa estar aberta, precisamos garantir que o CNPCT vai continuar. Nós vamos continuar resistindo para continuar existindo nesse Estado brasileiro”.
Assista a audiência pública completa.
[1] Jornalista da FIAN Brasil. Reprodução de notícia publicada originalmente pela Rede Cerrado – da qual a FASE é parte.