06/06/2018 13:42
Basta adentrar em territórios camponeses, de Norte a Sul do país, para encontrar experiências que são luzes na perspectiva da produção e adoção da agroecologia como forma de vida, bem como forma de enfrentamento às mais diversas pressões de grandes empreendimentos e do capital. De um lado, indígenas, quilombolas, agricultores e agricultoras familiares, caatingueiros e caatingueiras, pescadores e pescadoras, dentre outros, mostram as diversas formas de conviver nos mais adversos biomas, com práticas simples e eficazes que combinam o saber popular ao cuidado com o meio ambiente. Do outro, grandes empreiteiras, agronegócio e mineração são exemplos de ameaças que impactam a vida dos povos do campo, das florestas, das águas e das cidades, assim como a biodiversidade.
Pensando em toda diversidade que marca os territórios brasileiros, o IV Encontro Nacional de Agroecologina (IV ENA), que foi realizado em Belo Horizonte (MG) de 31 de maio a 3 de junho, pautou cerca de 32 experiências territoriais em agroecologia. Seis biomas – Pampa, Caatinga, Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal – foram apresentados através de instalações artístico-pedagógicas em 16 tendas, além de espaços para debates sobre o litoral e as metrópoles. O objetivo das instalações foi fazer as denúncias dos impactos causados pelas grandes obras e o agronegócio, além de mostrar os anúncios das lutas e das conquistas dos povos que praticam a agroecologia em todo o país. A ideia, também, foi possibilitar a reflexão acerca do papel e da contribuição das redes e articulações para o avanço da agroecologia, bem como reforçar a importância das políticas públicas para o fortalecimento das experiências agroecológicas e para a defesa e preservação da nossa biodiversidade. Confira um pouco do que foi refletido nas tendas¹:
Pantanal
Luna Layse Almeida
Força e resistência pulsam nas lutas dos povos do Pantanal. Sentimentos que foram trazidos nas vozes das mulheres, jovens e povos tradicionais que apresentaram experiências agroecológicas na instalação pedagógica do bioma durante o IV ENA. Na ocasião, as integrantes da Associação Regional das Mulheres Extrativistas do Pantanal (ARPEP) mostraram o trabalho que desenvolvem com o uso sustentável dos recursos naturais, por meio do extrativismo e do beneficiamento de frutos do Cerrado, como babaçu, pequi e cumbaru.
“As mulheres foram buscando seus direitos. O lugar da mulher é onde ela quiser”, destacou Rita de Souza, da ARPEP. Já o povo Terena do Coletivo Ambientalista Indígena de Ação para a Natureza, Agroecologia e Sustentabilidade (Caianas) trouxe para a tenda a experiência da agroecologia na educação escolar como meio para conscientizar sobre o tema e preservar a natureza e as variedades das sementes. “Estamos na luta, construindo estratégias para resistir”, explicou o professor Leosmar Terena.
Amazônia: Bico do Papagaio
Juliano Vilas Boas
Agroecologia, Terra e Território, Comunicação Popular, Identidade e Feminismo marcaram as experiências apresentadas na tenda amazônica Bico do Papagaio. A região é historicamente marcada por conflitos, entre eles os fundiários, que têm culminado na expulsão de famílias de suas terras e assassinato de trabalhadores e trabalhadoras. Por outro lado, o território tem uma história de lutas, organização e resistência dos povos, especialmente os que integram o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçú (MIQCB), organizado nos estados do Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins.
Essa história pode ser compreendida no depoimento de Maria de Jesus Ferreira Bringelo, popularmente conhecida como Dijé, quebradeira de coco babaçu, da comunidade de Monte Alegre, Município de Gonzaga (MA), uma das integrantes do Movimento. “Eu costumo dizer que eu tenho uma tripla identidade. Primeiramente, sou mulher, segundo, sou mulher negra, sou mãe, sou avó, e eu estou no movimento. Se a gente não lutar, a gente não tem conquista, pois nada pra nós vem de graça”, afirma.
Sertão do São Francisco (BA e PE) e Polo da Borborema (PB)
Gisele Ramos
A partir de um colorido mosaico formado por produtos agroecológicos, materiais didáticos, fotografias e bandeiras de lutas, o cenário simbólico da tenda onde ficou a instalação pedagógica do território do Sertão São Francisco (BA e PE) e do Polo da Borborema (PB) foi construído. Todos e todas puderam conhecer de forma coletiva as conquistas e desafios na construção da agroecologia em sua dimensão econômica, social, ambiental e cultural.
O protagonismo das mulheres na agroecologia e a agroecologia como movimento de luta em defesa dos territórios foram elementos evidenciados pelos territórios. Outro elemento compartilhado foi a resistência dos povos na defesa da agroecologia como modelo de desenvolvimento sustentável para a Convivência com o Semiárido. “Sofremos um golpe político, um golpe machista. A Convivência com o Semiárido recebeu um golpe. A gente vive um golpe de políticas públicas”, afirmou Roselita Victor, do Polo Sindical da Borborema.
Chapada de Apodi e Chapada do Araripe
Camila Paula
A Tenda da Caatinga II apresentou as trajetórias da Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, e da Chapada do Araripe, em Pernambuco, com seus enfrentamentos ao agronegócio e aos grandes projetos e as alternativas construídas coletivamente com agricultoras, agricultores, movimentos e organizações para que o povo possa permanecer com qualidade de vida em seus territórios. Dentre os conflitos no Araripe, os principais são a exploração da gipsita para a produção gesseira e a previsão de um canal de transposição do Rio São Francisco para o monocultivo da cana de açúcar e eucalipto, que vem ameaçando a vida no território.
Após a apresentação do Araripe, Camila Paula, do Centro Feminista 8 de Março e da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), e Adriano Vieira, da Rede Xique Xique, contaram a história da Chapada do Apodi através de um cordel que resgata 30 anos de luta na região. O cordel feito por Dona Francina, agricultora do Apodi, enfatiza o fazer agroecológico e a resistência aos projetos de perímetro irrigado e a exploração do aquífero Jandaíra, além de destacar a organização popular e a resistência das mulheres.
Cerrado Mineiro
Cristiana Andrade
Sobre a chita, o milho, o feijão, variadas sementes, temperos diversos, uma grande abóbora, e ladeando tudo isso as belas sempre-vivas. O primeiro queijo orgânico brasileiro certificado pelo sistema participativo de garantias (SPG) também fazia parte desse cenário simbólico da cultura do Cerrado. A agricultora de Grão Mogol (MG) Lourdes Francisco Costa, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), disse durante o debate que o que une a comunidade contra a força da monocultura do eucalipto é a busca pela regularização fundiária das terras griladas e a formação de grupos de luta de base, além dos acampamentos que mantém forte a presença das pessoas na região.
“Convivemos com muitos desafios: o eucalipto, a mineração, a possível construção de uma termoelétrica. Nós, geraizeiros, somos um povo de resistência, de luta. E para dar visibilidade a isso tudo estamos nos unindo. Não podemos perder essa identidade e um dos caminhos que temos encontrado é envolver cada vez mais os jovens nos processos”, destacou Lourdes.
Resistência ao Matopiba
Gilka Resende
“Resistência ao Matopiba” era o que estava escrito em um dos diversos mapas postos ao chão, ao lado de fotografias, na tenda que debateu o tema no IV ENA. Evandro Mauro Dias, da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), fez questão de mostrar que as áreas mais verdes na imagem, ou seja, as mais preservadas, são justamente onde estão localizadas 38 comunidades quilombolas, responsáveis pelo “Cerrado vivo”. A realidade dos territórios quilombolas foi uma das experiências territoriais na atividade crítica ao projeto Matopiba, cuja a sigla é a junção das sílabas iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Os depoimentos deixaram evidente que o Matopiba favorece o agronegócio e grandes transnacionais, já que desmata para dar lugar a monocultivos de soja, eucalipto e cana-de-açúcar, todos voltados para a exportação. “Já nós temos a produção que o Brasil precisa: alimentos saudáveis da agroecologia”, comparou Evandro. Outros impactos citados durante o debate foram a contaminação das águas por agrotóxicos e a diminuição de nascentes, a grilagem de terras e o aumento de violência no campo.
Amazônia ocidental
Leandro Uchoas
Cerca de 300 pessoas ouviram experiências agroecológicas da Amazônia Ocidental, numa das instalações artístico-pedagógicas. Com os bambus enfeitados de cartazes e fotos e o solo de alimentos fartos, falas de esperança e resistência se alternavam com música e dança. Conflitos de terra, exploração de madeira, mineração, agronegócio eram representados pelas apresentações dos agricultores e agricultoras.
“Estamos aqui provando que somos capazes de produzir alimentos saudáveis. Nós lutamos por reforma agrária, pela agroecologia e pela sobrevivência de nosso campesinato. Nos conscientizamos de que, se não existem alimentos saudáveis, não existem pessoas saudáveis. Esses alimentos são cura para as pessoas”, disse José Carlos, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA). Foram apresentados ainda os projetos agroecológicos do Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (RECA), de Nova Califórnia, Porto Velho (RO); e uma associação de mulheres que investem em agroecologia na cidade de Ji Paraná (RO).
Mata Atlântica do Sudeste
Paula Machado
Os participantes do IV ENA vivenciaram o Bioma da Mata Atlântica do Sudeste através da apresentação de agricultoras e agricultores familiares, povos quilombolas e indígenas Krenak, advindos dos estados de São Paulo (Iperó, Vale do Ribeiro e Vale do Paraíba), de Minas Gerais (Zona da Mata mineira e região do baixo Rio Doce) e do Espírito Santo. Eles e elas apresentaram suas histórias e suas lutas de resistência nos territórios da Mata Atlântica do Sudeste.
Ao mesmo tempo em que denunciavam crimes socioambientais, destacando o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015, demonstravam também a viabilidade e a eficiência da agroecologia na recuperação do meio ambiente degradado. O agricultor Romualdo José de Macedo, da Zona da Mata mineira, ressaltou a utilização de microrganismos eficientes coletados na mata, que regeneram o solo e fortalecem as plantas contra pragas; e a de sementes crioulas que, segundo ele, “dão a autonomia ao agricultor de ser o dono da própria semente”.
Mata Atlântica e Baixo São Francisco
Laudenice Oliveira
Os caminhos por onde passam as histórias de territórios marcados por uma cultura de violências e desrespeito às vidas das pessoas e do meio ambiente. Assim foram apresentadas as denúncias e os anúncios dos povos da Mata Sul e do Baixo São Francisco, que ficam no estado de Pernambuco, numa das instalações artístico-pedagógicas do IV ENA. Na Zona da Mata, a monocultura secular da cana-de-açúcar oprime e violenta a vida trabalhadores e trabalhadoras da região.
Uma população que convive também com o impacto do Porto de Suape. “A gente trouxe o impacto causado pela cana-de-açúcar. O enfrentamento nosso com essa realidade. E já tem gente que vendo um horizonte diferente, vendo que a agroecologia é uma saída”, conta Elizabete Silva, agricultora de Tamandaré (PE). Já no baixo São Francisco, a agressão ao Rio São Francisco deixa a população ribeirinha convivendo com a escassez de peixes e desaparecimentos de muitas espécies que alimentavam famílias e a população urbana.
Mata Atlântica do Sul
Priscila Viana
As experiências com bancos de sementes e quintais produtivos nos estados de Santa Catarina e Paraná foram compartilhadas na tenda Mata Atlântica do Sul. Diversos relatos de camponeses e de camponesas que vivem na região trouxeram à tona estratégias de ação e organização para o fortalecimento da produção agroecológica.
A necessidade de inserção na construção de políticas públicas também ganhou destaque. Outro tema abordado foi a importância de se preservar as sementes tradicionais. “É através da recuperação, produção e melhoramento de sementes crioulas que mostramos à sociedade nossa riqueza no trabalho de produção de alimentos e fortalecemos a autonomia das mulheres”, afirmou Carmen Munarine, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) em Chapecó (SC).
Sertão do Pajeú e Semiárido Mineiro
Indi Gouveia
A tenda Caatinga III trouxe para IV ENA os territórios do Pajeú (PE) e do Semiárido Mineiro. As pessoas foram convidadas a dar suas impressões sobre a instalação pedagógica, que apresentou uma riqueza de expressões e de processos de resistências das regiões retratadas. A instalação pedagógica foi montada com representações dos rios Pajeú, São Francisco e Jequitinhonha, trazendo diferentes elementos culturais dos povos.
“Esta instalação traz a responsabilidade de continuarmos fazendo o que a gente gosta, que é plantar sem agrotóxicos. A gente não faz isso com muitos esforços, até porque a gente nasceu com agroecologia. É só usarmos o nosso conhecimento tradicional que a gente cuida da saúde”, disse Maria José, quilombola do sertão pernambucano.
Estuário Amazônico
Élida Galvão
O estuário é uma região aquífera considerada um ponto de encontro entre o rio e o mar. Algumas experiências agroecológicas localizadas em estuários amazônicos, precisamente nos estados do Pará e do Amapá, foram apresentadas no IV ENA. Em meio ao diálogo na tenda, agricultores e agricultoras familiares, pescadores e pescadoras, extrativistas e quilombolas, falaram sobre seus modos de vida nessa região na Amazônia.
Também ganharam atenção as lutas pelos territórios frente ao desenvolvimentismo do capital e as formas específicas de cultivo e produção na região, além das ameaças e conflitos vivenciados pela mineração, pelos grandes projetos e pela a construção de ferrovias.
Metrópoles
Luciana Rios
A tenda Metrópoles contou com experiências urbanas de várias cidades do país, entre elas a Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), representada pela Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana (AMAU) e pela Rede Urbana de Agroecologia; a Região Metropolitana de Belém (PA), com as experiências do Quilombo do Abacatal e do Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá; do Rio de Janeiro (RJ), com a Rede Carioca de Agricultura Urbana; e de Florianópolis (SC), com a Revolução dos Baldinhos e sua intervenção na gestão de resíduos urbanos, compostagem e implantação de uma escola popular na periferia.
Os representantes dessas redes de agroecologia e agricultura urbana e periurbana apresentaram vivências, conquistas e ameaças em seus territórios. “O que fazemos todos os dias é o que o sistema diz ser utopia. Se a utopia é comida sem veneno, estamos todos os dias provando que é possível. Não é o agronegócio que abastece as cidades. São os pequenos territórios, são os povos. E as cidades também têm áreas de plantio e abastecimento”, relatou Tainá Marajuara, do Ponto de Cultura Alimentar, Belém (PA).
Pampas sul
Mariana Santos
O IV ENA também trouxe experiências agroecológicas nas regiões de Pampa e da Mata Atlântica do Sul. A troca de saberes entre o sul e o resto do Brasil trouxe as realidades da Rede de Agroecologia Ecovida e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), ambos do Rio Grande do Sul. Em locais onde o agronegócio, plantações de soja e criação de gado são predominantes nas paisagens, a necessidade de dar destino correto às produções agroecológicas se mostrou como um desafio para agricultoras e agricultores.
Durante o debate, depoimentos reforçaram a importância da alimentação saudável, agroecológica e orgânica nas relações de consumo entre campo e cidade. Paula Silva, da Rede de Agroecologia Povos da Mata (BA), lembrou de outra dificuldade: a dependência da política de editais vivida pelas redes agroecológicas.
[1] Relatos feitos por integrantes de cobertura do IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). Edição: Elka Macedo, Gilka Resende, Laudenice Oliveira e Luciana Rios. Texto originalmente publicado aqui.