11/05/2007 10:40
Fausto Oliveira
Todos os meses, a FASE Espírito Santo organiza mais uma edição da Escola de Formação Quilombola. É um projeto de educação popular dirigido às mais de dez comunidades de quilombolas que sobrevivem no norte do Espírito Santo, rodeadas pela monocultura de eucalipto por todos os lados. Acuadas e com poucos meios de subsistir, já que as condições para a agricultura familiar e as fontes de água estão deterioradas, eles mesmo assim resistem. Sabem que deixar o território que ocupam tradicionalmente significa perder sua identidade. Por isso ficam no campo, vivendo o dia a dia de um conflito permanente com a multinacional Aracruz Celulose. Todo apoio é bem-vindo. Por isso, todos os meses, eles se reúnem às dezenas em uma das comunidades para um fim de semana de atividades culturais, debates, oficinas e muita troca de conhecimentos e experiências.
A rotina de uma edição da “Escolinha Quilombola”, como todos a chamam, começa ainda na sexta-feira, quando a FASE prepara as oficinas e leva os convidados que irão falar aos quilombolas. No sábado, bem cedo, ônibus fretados levam os moradores de todas as comunidades para o local escolhido. Nos dias 28 e 29 de abril, quando a Comunicação da FASE Nacional foi convidada a participar, a escola aconteceu na comunidade de Angelim 1. Tradicionalmente localizada à beira do rio Angelim, é um agrupamento de cerca de dez famílias que vivem de extração e plantio de frutas e legumes. Naquele fim de semana, o assunto da escola era a comunicação popular.
As atividades começam com uma roda de discussão embaixo de uma frondosa mangueira. Mais de cinqüenta quilombolas ouviam com atenção alunos de comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo. Um dos principais assuntos foi o modo como a Rede Gazeta, maior conglomerado de mídia do Espírito Santo, apresenta à opinião pública a luta dos quilombolas para permanecer em suas terras, a despeito da falta de condições que a Aracruz lhes impõe com suas largas plantações de eucalipto.
De fato, é de pasmar o modo como eles são tratados pela imprensa comercial. Chamados de ladrões, falsos quilombolas, baderneiros, vândalos e outros adjetivos que absolutamente não se verificam, os quilombolas demonstraram sua mágoa com o tratamento que recebem. Diante disso, a conversa de abertura concluiu que o único modo de disputar corações e mentes no enfrentamento com a Aracruz Celulose é criando seus próprios meios de comunicação, nos quais eles possam dizer estão ali há mais tempo que a empresa, têm formas muito mais respeitosas de lidar com a terra e, afinal, são seres humanos com direitos inalienáveis.
Por isso, aquela edição da Escola de Formação Quilombola dividiu cerca de 70 participantes em oficinas, nas quais eles aprenderam um pouco sobre jornal, rádio, vídeo, cartazes, fotografia. E mais: ao final do encontro, todos haviam ajudado a produzir algum veículo de comunicação. Assim, o trabalho terminou com materiais de áudio, audiovisual, impresso, fotográfico e de programação visual. São veículos que levam a assinatura dos quilombolas do Sapê do Norte, a região do ES onde vivem, que já estão sendo divulgados mais amplamente.
A perspectiva socioeducativa deste trabalho é animadora. Segundo o coordenador da FASE Espírito Santo, Marcelo Calazans, “a escolinha é o nosso projeto mais experimental, num dia falamos de comunicação, noutro dia trazemos poetas e filósofos, noutro ouvimos música, mas sempre buscamos reforçar a identidade e a capacidade de intervenção dos quilombolas”. Identificada com os princípios da educação popular há mais de 40 anos, a FASE atualiza esta metodologia em meio a um confronto político de grandes proporções. O norte do Espírito Santo é hoje um grande eucaliptal da empresa multinacional Aracruz Celulose. Seu extensíssimo deserto verde impressiona pela homogeneidade agressiva, pela ordem indiferente a tudo e pelo pragmatismo de sua natureza. Quem vê, percebe que plantações de eucalipto não são florestas. Assim, quem se dispõe a não entregar toda sua história de vida para uma empresa, apesar de ela haver deteriorado as condições naturais para a subsistência, merece todo tipo de apoio.