15/06/2021 19:29
Em maio, o programa da FASE no Mato Grosso se reuniu com o representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) no Brasil, Marcelo Broggio, e diversas organizações sociais e coletivos de pesquisa do estado para o planejamento do processo de candidatura ao programa de reconhecimento da FAO. O encontro teve o objetivo dialogar sobre o sistema agrícola tradicional (SAT) das comunidades tradicionais e quilombolas na baixada pantaneira, e seu reconhecimento como Sistema de Patrimônio Agrícola de Importância Global (GIAHS), programa administrado também pela FAO. A mediação ficou por conta de Fran Paula, educadora do programa da FASE no estado.
Desde 2020, a FASE e a ACORQUIRIM (Associação da comunidade rural ribeirão da Mutuca do município de Nossa Senhora do Livramento) vem coordenando a proposta em diálogo com a FAO Brasil. Laura Silva, da ACORQUIRIM, abriu a “roda virtual” pedindo as bênçãos dos mais velhos iniciou a sua fala com versos do poema do Nego Bispo, poeta do Piauí, “Não adianta nos queimar, porque renasceremos cada vez mais, mesmo queimando o nosso povo, não queimarão a nossa ancestralidade”. Ela ressalto a importância de valorizar as práticas e os saberes quilombolas. “Vamos encarar a candidatura ao prêmio como forma de valorizar aquilo que nós temos. Precisamos não somente valorizar, mas fazer com que a sociedade reconheça as nossas práticas, os modos de fazer, de como fazer dentro do nosso território. O prêmio vem para fortalecer, independente do resultado. Será uma abertura que o estado reconheça a nossa cultura e de preserve os nossos territórios. Para que, principalmente, antes de megaprojetos sejam montados, nós sejamos consultados”.
Claudia de Pinho, representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), explica que o Pantanal está em um momento muito difícil, e ter uma proposta de valorização das práticas e dos territórios só enaltece. “Talvez o prêmio seja só a cereja do bolo, pois o processo é o que empodera e dá visibilidade ao grupo. Só de vermos muitas ONGs que trabalham no mesmo bioma, mas que não fazem nada juntos já é um ganho incrível para as comunidades e territórios tradicionais”, comemora. “O Pantanal é a nossa casa, haja o que houver nós vamos continuar aqui. Então mostrar ao mundo, mostrar ao Brasil as questões e as práticas tradicionais das comunidades é sem dúvida o maior prêmio à esse bioma, que por um lado tem título, por outro sofre com muitas ameaças de empreendimentos e tantas outras coisas”.
Para Fernanda Monteiro, engenheira agrônoma e consultora contratada pela FASE para elaboração de um dossiê técnico cientifico sobre o SAT Pantaneiro a ser encaminhado a FAO, há uma tentativa de invisibilização da agricultura tradicional que vem sendo, até então, deixada de lado ou estigmatizada por parte das políticas públicas diante de uma agricultura “altamente inovadora”. Para ela, esse modelo desenvolvimentista “não só desapropria as comunidades como também desdenha e provoca um esquecimento dos seus modos de vida”.
É importante lembrar que o Pantanal é uma área que cobre os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Nesse sentido, a consultora seguiu informando sobre a região e o fato do Pantanal ser a maior planície de inundada contínua do planeta. Apesar de ser o bioma mais preservado do mundo, é um dos mais destruídos pelo avanço da mineração, assim como o uso de agrotóxicos e incêndios florestais, o que preocupa muito as comunidades tradicionais.
Somado a isso, foi citado também o trabalho que está sendo feito pela FASE junto as comunidades na baixada pantaneira – região do Rio Cuiabá, afluente do Rio Paraguai, Comunidade Quilombola Morrinhos, Quilombo Ribeirão da Mutuca e Comunidade Tradicional São Manoel do Parí, nos municípios de Poconé e N.S, Livramento. Esse trabalho de caracterização do SAT tem acontecido de forma interdisciplinar e através de diagnóstico participativo nas comunidades. A partir daí, está sendo produzido um material audiovisual e um Dossiê Técnico-Cientifico para candidatura ao reconhecimento pela FAO.
Marcello Broggio, representante da FAO, contou como vêm sendo feito o trabalho para identificação das boas práticas agrícolas de comunidades e dos povos no Brasil. “De 2016 e 2018, por meio de um levantamento participativo, num primeiro com pesquisadores da Embrapa e órgãos oficiais mais próximos do campo, identificamos qual dos candidatos já tinham relação com ONGs ou comunidades tradicionais. Outro elemento que nos ajudou nesse processo foi o prêmio do BNDES, o qual a FASE participou representando as comunidades que estão sendo candidatas ao prêmio”. Marcello diz ainda que existem diversos institutos que podem fazer isso no estado. Então, são duas linhas paralelas, que podem convergir. Ou o sistema ganha o reconhecimento do IPHAN, e por isso podem se candidatar ao GIAHS. Ou por meio do reconhecimento no GIAHS, pode haver o registro do patrimônio.
Cidinha Moura, coordenadora do programa da FASE no Mato Grosso, reconheceu a importância do reconhecimento e das discussões que estão surgindo por meio dele e desejou que “que os povos sobrevivam em seus territórios”.
O próximo passo será a construção do Plano de Conservação Dinâmica do SAT da Baixada Pantaneira, de forma coletiva e participativa entre as organizações e movimentos sociais que atuam no território com as secretarias e órgãos governamentais para proposição de ações e políticas públicas que valorizem essas práticas e saberes tradicionais de agriculturas tão importantes para a resiliência do Pantanal frente as ameaças e mudanças climáticas.