27/06/2024 17:03

Entre os dias 12 e 15 de junho de 2024, foi realizado o XI FOSPA  (Fórum Social Panamazônico) nas cidades de Rurrenabaque e San Buenaventura, na Bolívia, municípios vizinhos do norte da Amazônia boliviana. A FASE esteve presente com representantes da FASE Amazônia, Fundo Dema e Núcleo de Políticas e Alternativas (NuPA) da FASE que apoiaram a participação de agricultores e agricultoras de suas áreas de atuação.

O FOSPA é mais do que um evento internacional que acontece durante alguns dias em um determinado país da Amazônia; é um espaço e processo de articulação entre povos e movimentos sociais, bem como da sociedade civil organizada da Bolívia, Brasil, Peru, Venezuela, Equador, Colômbia, Suriname, Guiana e Guiana Francesa, que envolve um conjunto de ações sustentadas ano após ano. A décima primeira edição recebeu cerca de 1.500 pessoas e foi organizada em torno de quatro eixos temáticos: i) povos indígenas e populações amazônicas, ii)  mãe Terra, ii) extrativismos e alternativas, iv) Mulheres em resistência. Cada eixo foi formado por grupos de trabalho que realizaram discussões coletivas a partir de abril por meio de reuniões virtuais, a fim de construir propostas para o evento. 

No primeiro dia do XI FOSPA foi realizada uma marcha simbólica entre as cidades de Rurrenabaque e San Buenaventura, e uma Cerimônia de Abertura. O Mandato do XI Fórum Social Panamazônico, como foi chamado o documento final, resume as resoluções dos debates dos eixos (leia aqui).

FASE na defesa da Mãe Terra 

A coordenadora da FASE Amazônia, Sara Pereira, teve uma participação ativa no eixo destinado à justiça ambiental, onde se discutiu os direitos da Natureza, água, crise climática, ponto de não retorno e florestas, áreas protegidas e biodiversidade.

Em sua fala, Sara Pereira destacou que os debates apontaram que frente à emergência climática, os países panamazônicos devem transitar ao paradigma social do bem-viver, livre da exploração de petróleo, mineração, desmatamento, agronegócio, contaminação de rios, e das falsas soluções de mercado como os créditos de carbono, da militarização e da violência”, sinalizou a coordenadora. “Os debates apontaram também para a necessidade de construção de alternativas estruturantes, governanças inclusivas e participativas aos níveis local, nacional e internacional, pautadas no respeito à autodeterminação dos povos.  

Sara Pereira defende a Cúpula dos Povos. Foto: Yuri Rodrigues

Sara Pereira ainda esteve presente na atividade autogestionada “Amazônia em diálogos defendendo direitos e territórios”, a convite da Cáritas, para apresentar o processo de construção da  Cúpula dos Povos, articulação da sociedade civil mundial, no âmbito da COP30 que será realizada em Belém do Pará, em 2025.

Também integrou mesa de debate na “Frente a emergência climática, salvemos a Amazônia” onde falou sobre o enfrentamento às mudanças climáticas e como iniciativas da sociedade civil, a exemplo da Cúpula dos Povos, são fundamentais para que as vozes das comunidades e territórios sejam ouvidas. “Não existe solução eficaz de cima para baixo. É necessário que as propostas sejam pensadas e elaboradas desde as bases, com engajamento dos movimentos sociais, organizações não governamentais, ativistas, comunicadores, juventudes, mulheres e toda a diversidade dos povos do campo, das águas, das florestas e das cidades.  Nesse sentido, a Cúpula dos Povos é uma importante e estratégica aliança global popular por uma política climática justa”, reforça a coordenadora.

Algumas conclusões do grupo de trabalho destacaram o direito ao uso da água: opomo-nos à poluição, à desflorestação, às megabarragens e a todas as formas extrativas, destrutivas e mercantilistas que prejudicam o ciclo da água, e exigimos a promoção de alternativas sistémicas, como uma transição energética justa, popular e descentralizada.

E do grupo de trabalho sobre a Crise Climática: a Amazônia chegou a um ponto sem volta, o colapso climático resultante do desmatamento e do extrativismo ameaça a sua sobrevivência, às comunidades que habitamos e coloca em risco a vida de todo o planeta. É necessário implementar medidas urgentes e ambiciosas para proteger o território amazônico: os países responsáveis ​​pela globalidade precisam pagar a sua divisão ecológica para financiar a regeneração da Amazônia, fortalecendo as capacidades de resposta à emergência climática, recuperando o conhecimento local na gestão comunitária de território, defesa territorial e nenhum controle social (fiscalização comunitária) em todos os níveis.

Terra e Território

Com o apoio da organização da sociedade civil francesa, a CCFD Terre Solidaire, parceira da FASE, foi possível garantir a participação da liderança Andrea Anjos, do território tradicional Acuí, do município de Barcarena e do Coordenador Adjunto da FASE Amazônia, João Gomes, no GT Terra e Território. 

Durante os debates, Andrea e o representante da FASE defenderam que os povos indígenas e tradicionais exerçam o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), bem como elaborar seus Protocolos de Consulta, a exemplo do que vem sendo feito no município de Barcarena/PA. Andrea aproveitou o espaço do XI FOSPA para denunciar os crimes cometidos pela empresa francesa Imerys, bem como para exigir do governo do Pará que devolva as terras, sendo aprovada a seguinte resolução:

Aqui sugerimos um trecho da Resolução de Apoio Grupo de Trabalho “Defensores/as da Amazônia”. 

Exigimos que o governo federal do Brasil e o governo do Estado do Pará devolvam à comunidade indígena Mortigura as terras tomadas do território tradicional Acuí, no município de La Barcarena, bem como ao sistema de justiça brasileiro que suspende as autoridades da mineradora francesa Imerys, por constantes crimes socioambientais, como a contaminação da água, do ar e danos causados ​​à saúde da comunidade.

A FASE contribuiu com várias propostas para o documento final, entre as quais se destacam: o fim da mineração, da exploração petrolífera na Amazônia, e ainda a titulação dos territórios coletivos, a implementação adequada da CPLI e o rechaço à bioeconomia e as falsas soluções de mercado para a crise climática, entre as quais o mercado de carbono.

Lançamento da Campanha “A Fome não Espera”

No dia 14 de junho de 2024, foi realizado o lançamento da campanha contra a fome denominada “A fome não espera — Amazônia com Segurançe e Soberania Alimentar e Água”, envolvendo os seguintes países: Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia. De início, foi socializado o marco conceitual da campanha, logo e lema, bem como a apresentação das estratégias e resultados a serem alcançados, ressaltando a importância da articulação em rede e dos compromissos assumidos pela sociedade civil. 

Para a condução da campanha foi criado um grupo representativo composto por duas organizações de cada país, sendo que o Brasil ficou representado pela FASE e a CÁRITAS responsáveis por organizar e conduzir o processo no Brasil.

Maria Emília Pacheco no lançamento da Campanha contra a fome. Foto: Yuri Rodrigues

A assessora do Núcleo de Políticas e Alternativas da FASE, Maria Emília Pacheco, fez um diagnóstico da situação do Brasil no combate à fome. “Os maiores índices (da fome) no Brasil, hoje em dia, estão concentrados no norte do Brasil, nos estados da Amazônia. Mas devemos dizer que são a existência dos povos indígenas, as comunidades tradicionais que resistiram com suas capacidades, com as propostas de sistemas alimentares sustentáveis, etc. E há uma ameaça nova que são os projetos de crédito, de carbono, controlados por corporações”, alerta. ” Também quero destacar e e felicitar, sobretudo, as mulheres porque no Brasil, elas têm um papel de liderança. Por isso, estamos também incidindo politicamente para que haja políticas e programas específicos para as mulheres. Este é o nosso compromisso”,  acrescentou a assessora.

Comunicação para a proteção da Amazônia 

Antes mesmo da abertura oficial foi realizado um encontro com a participação de organizações e instituições, coletivos e redes de comunicação, comunicadores e jornalistas, para desenvolver um processo de análise e discussão sobre os desafios da comunicação. O objetivo foi usar a comunicação como ferramenta na defesa da Amazônia e  que resultasse numa contribuição para a resolução e linhas de ação do XI FOSPA e numa articulação de comunicadores e jornalistas da Panamazônia. 

Encontro de comunicadores no XI FOSPA. Foto: Yuri Rodrigues

O espaço possibilitou a elaboração de uma carta política dos comunicadores e jornalistas com diretrizes para a articulação de alianças comunicacionais ao considerar a democratização da comunicação como direito dos povos da Amazônia. E também o entendimento da comunicação não apenas como ferramenta, mas sim como ação política para denunciar as violações de direitos e para visibilizar as potencialidades que emergem dos diversos territórios amazônicos. 

“Entendo que o FOSPA é um espaço de conquista popular daqueles e daquelas que vivem e constroem as lutas nesse grande território chamado Amazônia e tem se tornado, cada vez mais, o lugar de fortalecimento da esperança forjada pela união dos povos. E nesse sentido, a comunicação chega com sua dimensão política para reafirmar a nossa existência, como espaço de transformação e de possibilidades para mudar esse modelo de sociedade que sequestra o nosso direito de viver. Então concordo que a comunicação não é simplesmente um instrumento, é uma ação política que deve ser assumida, reconhecida e potencializada”, declara o educador da FASE Amazônia, Yuri Rodrigues. 

 

Comitê Santarém no FOSPA

Ao longo desses anos, vem se fortalecendo e participando dos eventos FOSPA, em uma perspectiva de luta articulada e resistência, o Comitê local FOSPA área metropolitana de Santarém–PA, desde 2010. Ele é formado por diversas organizações do movimento social, igrejas e ONGs e vem referenciando em termos de organização, mobilização e construção histórica, o processo FOSPA enquanto articulação de luta e resistência Panamazônica. 

Nesta edição, o Comitê se reuniu nas cidades de Rurrenabaque e San Buenaventura, às margens do rio Beni, com uma delegação de 10 pessoas representando os diversos movimentos locais: sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais de Mojuí dos Campos, Associação Flores do Campo, Grupo de Defesa da Amazônia, Guardiões do Bem Viver, Grupo Mãe Terra, FASE Amazônia, Grupo de defesa dos direitos humanos, Movimento Tapajós Vivo e Cáritas Arquidiocesana.

A delegação do Comitê garantiu participação diversas nos espaços do FOSPA, a fim de levar e fortalecer os debates sobre soberania e segurança alimentar, crise climática, água e direitos da natureza a partir dos seus territórios. Alguns participantes fizeram relatos bem marcantes.

Jorge Coutinho, membro do Comitê e representante do Grupo Mãe Terra. Foto: Thais Oliveira.

“O FOSPA chegou numa região de interior do estado do Pará do Brasil da Amazônia, e gostaria de trazer aqui uma experiência do Grupo Mãe-Terra, que está iniciando essa ação no nosso território, mora no PAE Lago Grande, sendo um projeto de assentamento agroextrativista, e que está com cerca de 55% do seu território requisitado para mineração e isso nos causou um pânico. E nós, vendo todo esse impacto que esse modelo do sistema capitalista impõe, percebemos que, por onde a gente olha no nosso território, a gente vê água. Então, percebemos ser necessário lutarmos por essa defesa da água”, defendeu Jorge Coutinho, membro do Comitê e representante do Grupo Mãe Terra, na Plenária sobre Crise climática.

Outra representante do Comitê, a jovem Thaís Oliveira, do grupo Guardiões do Bem Viver, também falou na Plenária sobre Crise Climática na defesa dos direitos da natureza. Segundo ela, grandes empresas madeireiras instaladas no território vizinho já estão contaminando e violentando os rios. “Então nós estamos na luta para que o nosso rio também se torne um sujeito direito, para que um projeto de lei seja aprovado, para que esse rio tenha garantia de vida, pois entendemos que se esse rio estiver morto, nós também vamos estar mortos”, protesta. “Nossas lutas em defesa das nossas águas, em defesa dos nossos rios, para haver a garantia de vida no Planeta, e garantia de vida para as futuras gerações. E vale deixar o recado: água é bem comum, a água é direito de todos e devemos lutar para os nossos rios serem protegidos, e para ter permanência das futuras gerações. E também é hora de fortalecer as lutas das juventudes para a permanência dessas lutas”, completa  a jovem.