Claudio Nogueira, Hélio Uchôa, Marina Malheiro e Paula Schitine
29/11/2023 12:31
Com presença de mais de 5 mil participantes, o encontro celebrou a construção da agroecologia no país e a retomada de espaços e políticas públicas estruturantes durante os quatro dias do maior Congresso de Agroecologia da América Latina.
Durante quatro dias, o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) convocou uma popularização de princípios acumulados por saberes populares, científicos e ancestrais. A partir do lema “Agroecologia na boca do povo”, o CBA buscou uma convergência entre as diversas formas de saberes agroecológicos e a luta dos povos tradicionais e movimentos populares.
A lista da programação contemplou diversas formas de troca de conhecimentos, com festivais de cinema e de arte e cultura, a apresentação de trabalhos e experiências no chamado Tapiri de Saberes e o intitulado Terreiro de Inovações, que apresentou a troca experimentações de práticas agroecológicas. Além disso, foram feitas diversas atividades autogestionadas e manifestações políticas, a exemplo de protestos contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 1459/2022, conhecido como PL do Veneno, que acaba de ser aprovada no Senado.
Completando 20 anos de existência, o CBA deste ano foi realizado no centro do Rio de Janeiro, de forma descentralizada. De acordo com a organização, foram 5,5 mil inscritos, além da população local que teve acesso a espaços abertos como a Feira Nacional de Saberes e Sabores, instalada no Passeio Público, disponibilizando alimentação saudável, entre outros produtos como artesanato, fitoterápicos e publicações.
FASE difundindo Saberes
A FASE participou amplamente do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia desde a sua concepção, e suas/seus educadoras, coordenadoras e diretoras lideraram espaços, mediaram rodas de conversas, apresentaram trabalhos com experiências de campo e mobilizaram lideranças da agricultura familiar nos territórios em que atuam.
No espaço Tapiris de Saberes, educadoras/es da FASE Amazônia, FASE Pernambuco, FASE Mato Grosso e Fundo Dema, apresentaram trabalhos baseados em experiências práticas com agricultura familiar e urbana, e ainda em temas como moradia, ancestralidade e manejos do solo.
No eixo “Agriculturas urbanas”, a educadora da FASE Rio, Caroline Santana apresentou pesquisa em uma comunidade do Rio em “Construindo um olhar agroecológico para a conservação da naturez
a a partir do Projeto Sertão Carioca”. A educadora da FASE Pernambuco, Sarah Vidal e Elisangela de Jesus, liderança do MTST do Recife, mostraram um relato de experiência técnica na horta comunitária Aliança com Cristo. Sara também acompanhou a apresentação de Thamiris dos Santos, agricultora urbana, que exibiu um vídeo sobre a experiência de moradia, agroecologia e segurança alimentar na Ocupação 8 de Março (assista aqui).
“A horta é um lugar que contribui com a reflexão sobre posicionamento de como está sendo realizada a gestão pública e o diálogo com a política no espaço urbano e seus tantos desafios. O local da horta, como se percebe, é utilizado como ambiente de segurança alime
ntar das famílias, mas também como espaço terapêutico, de cura, de formação política, lazer para as crianças e também um lugar de resistência comunitária”, defendeu a educadora Sarah Vidal.
No eixo “Ancestralidade Terra e Território”, a educadora da FASE Mato Grosso, Fran Paula junto com a liderança do Quilombo da Mutuca, Laura Ferreira da Silva, apresentaram o tema “Produção de alimentos e a promoção da paz quilombola de Beatriz Nascimento”. “Desde 2018 começamos a fazer um levantamento sobre a importância da produção de alimentos dos territórios quilombolas. Não só para o abastecimento das comunidades, mas também como uma estratégia de permanência e de resistência dessas populações nos territórios. Então, a gente queria entender mais para além do que se fala de agricultura, para além de ficar analisando as práticas de manejo de nossos roçados coletivos e dos sistemas agrícolas tradicionais, de forma isolada ou procurando entender o abastecimento. A gente sabe da importância da alimentação para o nosso povo”, afirmou a educadora durante sua fala.
No eixo, “Gênero, Feminismos e Diversidade na Construção Agroecológica”, a educadora Suelany Sousa apresentou a experiência do Fundo Dema com as cadernetas agroecológicas em quintais produtivos no Pará. Também representando o Fundo Dema, no eixo “Políticas Públicas”, a educadora Beatriz Luz levou a experiência de Fundos Comunitários no fortalecimento da agroecologia na Amazônia. “Existe uma tendência de esvaziamento da política pública para que os recursos do ambiente filantrópico venham direto para os fundos e não passem pelas estruturas estatais, e outra tendência é de legitimar a atuação de grandes empreendimentos, então os fundos eles vêm numa política de diálogo com a sociedade e inserção da sociedade como se ela fosse partícipe dos lucros e dos benefícios”, discute Beatriz Luz. “E apesar de a gente ser um fundo também, não fazemos apenas transferência de recursos, mas nossa atuação dentro da FASE é a defesa da educação popular enquanto aprendizado permanente da realidade e compreendendo cada projeto como uma célula de transformação”, conclui.
Patrimônio à mesa e nas redes
Educadoras da FASE Mato Grosso e a assessora o Núcleo de Políticas e Alternativas (NuPA) Maria Emilia Pacheco participaram da oficina Comida é Patrimônio. Durante os diálogos, colaboraram com a construção de um mapeamento de denúncias de atividades que prejudicam e colocam em risco a soberania alimentar, bem como de anúncios de ações e projetos que dão vida a políticas públicas e particulares de agroecologia, de incentivo à sociobiodiversidade e de manutenção das tradições e sistemas alimentares nos territórios.
“Minha preocupação como mulher, camponesa e agricultora é com os grandes empreendimentos que vão avançando no nosso território. Cana de açúcar, soja, essas monoculturas fortes, usam muito veneno. As terras, as águas, o entorno do nosso assentamento está todo contaminado”, lamenta Miraci Pereira Silva, do assentamento Roseli Nunes, em Mirassol D’Oeste.
A oficina foi finalizada com os participantes conhecendo a plataforma digital da campanha e descobrindo formas de alimentar o espaço com novos conteúdos:
“A ideia da campanha é tentar resgatar a memória afetiva relacionada aos alimentos e também denunciar as ameaças às comunidades que tentam preservar o seu patrimônio, suas sementes”, reforça Cidinha Moura, coordenadora da FASE Mato Grosso. “A possibilidade de a gente entrar virtualmente no mapa, poder evidenciar nossas experiências, mas também denunciar, é de suma importância porque com esse instrumento podemos alertar o mundo para o que está acontecendo”.
Crise climática na roda
Na Roda de Diálogos sobre Crise Climática, Agroecologia e Sistemas Alimentares, a diretora-executiva da FASE, Leticia Tura, destacou a importância de se dedicar mais espaço para o debate sobre Justiça Climática no Congresso, já que o tema ganha cada vez mais relevância no contexto das discussões sobre os caminhos da agroecologia e da soberania alimentar.
Observação compartilhada pelo físico, pesquisador e professor da Universidade do Estado do Ceará (UECE), Alexandre Costa, que citou a onda de calor que atingiu o Rio durante o Congresso para alertar sobre o aumento vertiginoso das temperaturas no planeta.
“As ondas de calor com o que a gente chama de tempo de recorrência entre cinquenta anos, ou seja, aquelas que tipicamente ocorreriam a cada 50 anos, estão cinco vezes mais frequentes. E num mundo que eventualmente fique quatro graus mais quente, elas vão se tornar 39 vezes mais frequentes do que no período presencial. Ora, isso quer dizer que nós estaríamos vivendo isso aqui (o calor que fez hoje no Rio) como sendo o normal.”, observou Alexandre. “E a pergunta que eu quero deixar é: o que será o extremo que será vivenciado pelas pessoas jovens, por nossos filhos e filhas, por nossos netos e netas? O que será a onda de calor de dois mil e cinquenta? A terra já passou por mudanças climáticas no passado, mas há indícios de que as temperaturas que agora nós estamos vivendo são as mais altas dos últimos 125 mil anos”.
A advogada socioambiental Larissa Packer, da ONG Grain, lembrou que os centros de pesquisa em todo o mundo são focados em desenvolver métodos que aumentam a produtividade por hectare. Mesmo assim, ainda hoje, uma em cada 10 pessoas passam fome no planeta. Segundo Larissa, as terras do Sul global são utilizadas para garantir um estilo de vida monárquico de europeus e norte-americanos. A crise climática não é fechada em crédito de carbono, ela é uma crise ecológica, alimentar, econômica e social. Não é uma crise de escassez de produção, mas de especulação de preços”, explica. “Os índices de preços dos alimentos chegaram ao nível mais alto desde a década de 1970.”
Larissa ainda mostrou dados que revela que as quatro maiores empresas de grãos e insumos agrícolas do mundo, conhecidas como “quatro gordas”, detém 50% da circulação mundial de sementes e 75% do comércio mundial de agrotóxicos.
Barracões de Saberes
Os barracões foram espaços de debates e oficinas organizados por grupos de trabalho da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A assessora do Núcleo de Políticas e Alternativas da FASE, Maria Emília Pacheco, foi moderadora do debate sobre Reforma Agrária e direitos territoriais como condição para a soberania alimentar que teve como convidados a líder caiçara Mauriceia Pimenta, da comunidade de São Gonçalo em Paraty, Maria Ivete Bastos, presidenta do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Santarém-PA e Allan Kardec Milhomens, Coordenador Geral do Departamento de Políticas de Gestão Ambiental Rural do Ministério do Meio Ambiente.
As lideranças relataram os inúmeros casos de abusos no avanço da especulação imobiliária e do agronegócio nos seus respectivos territórios. Maria Ivete Bastos lembrou da resistência nas tentativas de invasão de territórios de povos tradicionais na Amazônia. “Nós tivermos que entrar com uma ação contra o ICMBio e que está custando muito caro, porque a gente estava no processo de construção de protocolos de consulta, mas eles diziam que só o Conselho Deliberativo era o instrumento de consulta livre, prévia e informada, então nós conseguimos paralisar a extração de madeira da maneira mais predadora que só beneficia um grupo de pessoas e não o território”, lembra a presidenta do STTR-STM.
A educadora da FASE Mato Grosso, Fran Paula, de origem quilombola coordenou o Barracão de Saberes, Mãe Bernadete, e participou a mesa: “Gira Decolonial: Racismo e Sistemas Alimentares”. “Esse sistema de exploração da terra e do território é também um modelo colonizador e racista, contra populações indígenas e a população negra no Brasil. O racismo fundiário é um conceito trazido justamente para dizer que ao abordar a questão agrária no Brasil veremos que as relações de desigualdades estão baseadas também numa desigualdade étnico – racial”, denuncia.
Águas premiadas
Para potencializar a difusão da produção cinematográfica Latino-americana, o II Festival Internacional de Cinema Agroecológico (FICAECO), foi realizado no Cinema Odeon, também conhecido como Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro e Odeon Petrobras, na Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro.
No primeiro dia, na Mostra Principal foram exibidos os filmes Fio da Meada, de Silvio Tendler, Sertão de Dentro, dirigido por Geraldo Sarno e a animação O que é a água, com direção de Maiana Maia (FASE) e Janaína Pinto.
A animação com realização da FASE recebeu os troféus Troféus Omama e Cosmologia Yanomami após uma roda de conversa com os realizadores e realizadoras.
“É muito gratificante ser premiada por este trabalho realizado durante a pandemia, depois de seis anos de atuação da FASE na defesa das águas. Eu me sinto muito gratificada com esta homenagem”, afirma a educadora e idealizadora do filme, Maiana Maia.
O curta de animação “O que é Água?” pode ser assistido no Youtube da FASE.
*Comunicadores da FASE