30/09/2016 14:30
O Grupo Carta de Belém¹ promoveu uma roda de conversa com representantes de movimentos e organizações sociais que atuam a partir das cidades. Em pauta, o Acordo de Paris, ratificado pelo governo brasileiro e recentemente apresentado à Organização das Nações Unidas (ONU). O texto estabelece metas aos países signatários para garantir o compromisso de manter o aumento da temperatura média global a no máximo 2°C, fazendo esforços necessários para limitar este aumento a 1,5°C. Porém, grupos críticos à Economia Verde apontam que as saídas para o aquecimento global via mercado impactam negativamente as populações e os povos. Um tema emergente é a chegada das lógicas mercantis relacionadas ao clima nos territórios urbanos, em conexão com os mecanismos e práticas que já vem sendo aplicadas nos territórios rurais e nas florestas.
A atividade foi realizada no último dia 23 de setembro em Curitiba (PR). Marcela Vecchione, integrante do Grupo Carta de Belém e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), ressaltou que “o dito rural não se separa da dinâmica do dito urbano”. “A ideia é não separar uma coisa da outra”, afirmou . Ela destacou, ainda, que os pontos do Acordo não garantem e não pretendem promover a justiça ambiental. “Os mecanismos propostos, pelo contrário, geram mais dívidas ecológicas e sociais a medida que as reproduzem, não eliminando as causas primeiras de suas existência, tal qual a expansão da indústria extrativa, das cadeias de produção e distribuição”, disse. Para Marcela, o próprio mecanismo de compensação ambiental surge no contexto de possibilitar a continuidade do modelo de urbanização, industrialização e desenvolvimento que a vem causando as alterações climáticas extremas pelas quais o mundo passa.
Fernando Costa, da Núcleo Amigos da Terra – Brasil, completou dizendo que o ambientalismo de mercado aplicado ao contexto urbano pode reforçar processos de exclusão. Segundo ele, “a Economia Verde, que é a proposta do capitalismo frente às mudanças climáticas, só endossa a exclusão do espaço urbano”. “A especulação imobiliária e os grandes eventos injetam a higienização nas cidades com roupagem verde. Na Copa do Mundo, por exemplo, tinha Gol Verde, Copa Orgânica, Estádio Verde, Propaganda da FIFA [Federação Internacional de Futebol] sobre a redução das emissões de gases do efeito estufa”, criticou.
Cidades verdes?
Convidado para o debate, o doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Francisco Castelhano elencou problemas ambientais geralmente diagnosticados nas cidades: ilhas de calor, confortos térmicos, enchentes e inundações, além da poluição atmosférica. Ele destacou que o processo de urbanização corporativa impede que haja justiça ambiental, ou seja, a lógica do mercado se sobrepõe a do interesse comum das populações, em especial das mais vulneráveis.
Para o coordenador do programa da FASE no Rio de Janeiro, Aercio Oliveira, “da regularização fundiária à habitação, tudo está passando pelo clima” . Ele, que acompanha no estado o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS), comentou que a capital fluminense tem sido grande laboratório para uma “cidade verde”, principalmente com relação aos grandes eventos. Essa cidade verde, no entanto, parece ainda mais excludente.
“Na cidade inteligente, voltada para reduzir as ilhas de calor e as emissões de gás carbônico, apareceu a proposta de VLT [Veículos Leves sobre Trilhos] com custo de R$1,1 bilhão”, afirmou Aércio. E completou: “A Alstom, empresa francesa, produz em Taubaté os vagões para o VLT, o que mostra a forte relação entre ambiente e o interesse econômico de grandes corporações. Enquanto que alternativas viáveis, dos pontos de vista econômico e ambiental, para o transporte de massa são ignoradas ”. Segundo Aercio, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) colocou a construção de habitações relacionados a medidas de mitigação (energia solar, aproveitamento da água da chuva), mas muito dessas medidas não foram efetivadas.
Luana Coelho, assessora jurídica da Terra de Direitos, também participou da roda de conversa. Ela ressaltou a “tinta verde” já aparece na segunda onda de formulação dos Planos Diretores das Cidades. “Por exemplo, em Curitiba foram formulados indicadores de sustentabilidade como critério de julgamento das propostas da sociedade para a cidade. A supremacia do saber técnico volta pela discussão do Plano Diretor em detrimento da democracia e da efetiva participação social, excluindo a periferia da construção da cidade. A eficiência ambiental das cidades vai ser buscada via mercado, o que favorece o estabelecimento de PPPs [Parcerias Público Privadas]”, expôs.
Especulação imobiliária
Luana ressalta também que as cidades tm sido tratadas como mercadoria. Nesse sentido, a quantidade de metros quadrados verdes entra no cálculo para se dizer que uma cidade é “sustentável”. Essa matemática, no entanto, acaba incluindo os vazios urbanos, ou seja, acaba sustentando e reforçando a especulação imobiliária, em uma cidade que pode, mas não dá conta da demanda por habitação. Assim como no campo, cria-se a possibilidade de títulos de bolsas de valores, buscando a financeirização do espaço urbano. Luana comentou que a cidade de “Curitiba estimulou a RPPN [Reserva Particular do Patrimônio Natural] com a concessão de título do potencial construtivo para o proprietário, título este negociável em bolsas de valores”. Daí que o financiamento para essas “soluções ambientais” só reforça a exclusão urbana.
Todos os debatedores na roda de conversa realizada pelo Grupo Carta de Belém lembraram que as etapas preparatórias para a III Conferência do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (Habitat III), na capital equatoriana Quito, evidenciam que a prioridade dos debates se dará em torno dos discursos de sustentabilidade e da financeirização da natureza nas cidades. Trata-se de um novo arranjo da economia que associa soluções climáticas a investimentos corporativos.
[1] Edição de conteúdo publicado no site do Grupo Carta de Belém.