21/11/2019 14:37
Hellen Joplin¹
Jovens do Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande, em Santarém (PA), se juntaram em defesa dos seus territórios dizendo não às propostas de mineração apresentadas pela empresa Alcoa. Com muita energia e espírito coletivo, esses jovens “cabanos”, como eles mesmos se denominam, movimentaram pelo menos 1300 pessoas em defesa da sua cultura, do seu “bem viver”. “Somos os cabanos dos dias atuais, e nós estamos na luta em defesa do nosso território, em defesa do nosso bem viver”, afirma Darlon Neres, jovem comunitário e organizador da I Romaria do Bem Viver do PAE Lago Grande, que aconteceu nos dias 16 e 17 de novembro.
Segundo pesquisa publicada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a cabanagem foi uma revolta popular que aconteceu entre os anos de 1831 a 1840, na província do Grão Pará. Recebeu esse nome porque grande parte dos revoltos era formada por pessoas pobres que moravam em cabanas nas beiras do rio da região. O mesmo lugar que, no passado, foi palco de uma das maiores resistências dos povos da floresta, hoje abriga uma juventude inspirada, que protagoniza a defesa dos seus direitos à terra.
Os jovens do Projeto de Assentamento Agroextrativista (Pae) da Gleba Lago Grande², organizados na Pastoral da Juventude, em parceria com organizações como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém, a Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle), o Grupo Mãe Terra, o programa da FASE na Amazônia e o Greenpeace, movimentaram a Romaria. A atividade começou na comunidade do Cuipiranga e terminou 35 quilômetros depois, na comunidade Murui, onde se encontra a sede da Feagle, que tem como objetivo representar junto aos órgãos públicos as comunidades que compõe o Pae Lago Grande. “Acreditamos no potencial da juventude para assumir essa luta em defesa do Pae Lago Grande, para que ele se configure realmente um território livre de mineração, e que seja de fato um território que possa garantir o bem viver dos povos dessa região”, diz Sara Pereira, educadora popular da FASE.
O PAE Lago Grande foi criado em 2005, após moradores da região se sentirem ameaçados pela expansão de madeireiras, que começaram a invadir as terras para a retirada de madeira ilegal. A partir de uma mobilização local, eles conseguiram que sua demanda fosse atendida junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). E em novembro daquele ano, foi publicado o decreto da criação do PAE. O Lago Grande possui 250 mil hectares, onde moram 35 mil pessoas em 144 comunidades.
Ameaças ao território
“Não dependemos de mineradoras, não dependemos de madeireiros, não dependemos de políticos corruptos, dependemos apenas da nossa terra, da nossa mãe natureza!”, reforça Laurinete Pena, coordenadora da Pastoral da Juventude do Lago Grande, em relação às ameaças ao território.
Desde 2008 a ameaça é a mineração. O PAE Lago Grande está sobre uma grande mina de bauxita, matéria prima usada para a fabricação de alumínio. A multinacional Alcoa World Aluminia Brasil, violando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que protege o direito das comunidades tradicionais, começou reivindicando seus “direitos” à pesquisa mineraria. Foram feitas inúmeras denúncias acerca de danos ambientais como assoreamento de igarapés, destruição da mata ciliar e cooptação de comunitários nesse período. “A gente sabe que a mineração traz uma série de impactos especialmente sobre a estrutura social da região, desmobilizando comunidades, impactando comunidades na sua organização social e política, além dos impactos sobre o ecossistema”, destaca Daniclei Aguiar, do Greenpeace Brasil.
Em 2009, os comunitários, em assembleia, expulsaram a mineradora, que afirmou que suspenderia temporariamente os trabalhos de pesquisa de bauxita. Em 2016, Alcoa volta a atuar no Pae Lago Grande sem consultar a Feagle ou o Incra. Em julho de 2018, Ministério Público Federal (MPF) em Santarém expede recomendação à Alcoa e à sua subsidiária, Matapu Sociedade de Mineração, para que não mais ingressem na região do Lago Grande, nem para efetuar pesquisa ou lavra, nem para oferecer projetos ou distribuir propagandas sobre o empreendimento. Em outubro do mesmo ano, acolhendo o pedido do MPF em Santarém, a Justiça Federal determina que a Alcoa e a Matapu estão proibidas de entrar no Pae Lago Grande, exigindo que o direito das comunidades à Consulta Prévia, Livre e Informada seja respeitado.
Território coletivo
Para que empreendimentos como os de mineração sejam realizados em comunidades tradicionais, é preciso, como determina a legislação, que haja a Consulta Prévia, Livre e Informada aos moradores da região afetada. Segundo o MPF, esse protocolo nada mais é que a obrigação do Estado brasileiro de perguntar, adequada e respeitosamente, aos povos tradicionais sua posição sobre a decisões administrativas e legislativas capazes de afetar seus direitos.
O PAE Lago Grande está no processo de construir coletivamente esse documento de consulta. Segundo Antonio Oliveira de Andrade, presidente da Feagle, serão construídos sete protocolos, o que acolhe todas as comunidades que compõem o Pae Lago Grande. “Tomamos conhecimento do direito à consulta prévia e passamos a estudar a Convenção 169. Vimos que ela nos contempla. E com isso começamos a reunir nossas comunidades, fazendo assembleias, trazendo essa informação. Essa lei vem garantir o direito dessa população, que vem sendo desrespeitada. Por isso, fizemos esse estudo, e agora estamos trabalhando nos protocolos de consulta”, conta.
No último dia 12 de novembro, a Justiça Federal expediu uma sentença contra a empresa Alcoa, mantendo a decisão de proibir a entrada da mineradora no Pae Lago Grande antes da realização de consulta às populações locais. “Uma vez que a mineradora entra, para ela tirar o que ela quer, que está embaixo, ela vai ter que tirar primeiro o que tem em cima. E o que está em cima são nossas vidas, nossas culturas e a nossa natureza”, afirma Sandrielem Correa Vieira, jovem organizadora da Romaria.
[1] Jornalista. Acesse o Manifesto pelo Bem Viver – Pae Lago Grande.
[2] Saiba mais sobre este território por meio do Boletim PAE Lago Grande.
Reportando a I Romaria do Bem Viver
“Ali foram firmados compromissos para a defesa do modo de vida tradicional de ribeirinhos, extrativistas, pescadores e indígenas que vivem há décadas, ou até mesmo séculos, no PAE Lago Grande. No centro da ação esteve a defesa de um território livre da mineração e a defesa do Bem Viver”, destaca trecho de reportagem de Patrícia Bonilha, do Greenpeace Brasil. A entidade apoiou a iniciativa junto da FASE, da Pastoral da Juventude, do Grupo Mãe Terra, da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle) e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém.