05/09/2016 17:02
Fortalecendo a atuação do Fundo Indígena do Xingu (FIX) nas regiões do Tapajós e Xingu, integrantes do Comitê Gestor FIX estiveram reunidos de 1 a 5 de agosto, no Centro de Formação Betânia, em Altamira (PA), para traçar estratégias de ação frente às dificuldades e problemas provocados pelo projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Na avaliação dos indígenas, o fortalecimento das associações por meio de projetos apoiados pelo FIX é fundamentalmente importante para que as comunidades possam atuar com maior autonomia e, assim, resistir às investidas do capital sobre seus territórios e lutar em defesa da floresta, da biodiversidade, de seus povos e modos de vida.
Desde sua criação, o FIX se apresenta como uma proposta autônoma de gestão pelos próprios indígenas. Ter um fundo gerenciado por eles próprios potencializa o acesso das comunidades a recursos e fortalece a organização destes povos na luta pela garantia de seus direitos. Porém, nos últimos 5 anos a atuação do FIX vinha se dispersando bastante.
De acordo com Kwazady Xipaia, membro da associação Pyjahyry, da aldeia Tucamã e integrante do Comitê Gestor do FIX, o principal fator ocorreu em razão do aliciamento financeiro da Norte Energia, consórcio responsável de construção de Belo Monte, para facilitar o início do empreendimento. Com propostas enganosas e com o apoio da própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI), segundo o líder Xipaia, o projeto provocou grande desestruturação nas aldeias, que passaram a brigar entre si, contribuindo para o enfraquecimento político da luta indigenista na região.
Indígenas propõem o fortalecimento do FIX
Após avaliar a importância do Fundo específico, o Comitê Gestor decidiu por dar continuidade ao FIX. Para Kwazady, além da problemática de Belo Monte, outro fator a ser considerado é pouca clareza dos povos quanto à importância do FIX para os indígenas. Porém, com as experiências obtidas ao longo destes anos, avaliaram que é chegada a hora de garantir a autonomia indígena por meio do Fundo específico.“O FIX agora está mais maduro e estamos mais com o pé no chão para poder encarar de fato esses problemas do que está sendo Belo Monte. Antes essa preparação não existia e não tínhamos o pé no chão com o que queríamos com o FIX”, afirma Kwazady Xipaia.
Fazendo um comparativo entre os planos de compensação e o Fundo Indígena do Xingu, o líder Xipaia acredita que dar fôlego às ações do FIX vai contribuir para a legitimidade do Fundo enquanto instrumento de luta. “O FIX tem muito mais condições de atuar dentro das comunidades com o mínimo de recurso que foi proposto do que o próprio Plano Básico Ambiental para as Comunidades Indígenas (PBA-CI)², porque no PBA as comunidades indígenas não têm autonomia, as demandas são discutidas com a Norte Energia e Funai [Fundação Nacional do Índio]. Não tem o mínimo de diálogo com as comunidades. As empresas são terceirizadas, contratadas e não respeitam a autonomia de nenhum dos povos daqui”, acrescentou.
Desrespeito aos direitos indígenas
Durante o encontro, os indígenas falaram sobre o desrespeito aos seus direitos tradicionais e a falta de diálogo ocorrido desde o início do projeto de Belo Monte. De acordo com eles, inicialmente a Norte Energia propôs um período de informação prévia do que seria o megaprojeto, alegando que depois disso seriam feitas as visitas técnicas para a consulta às comunidades. No entanto, não foi isso o que aconteceu. Aproveitando o primeiro momento proposto, a empresa passou a pressionar as comunidades a aceitarem o empreendimento a qualquer custo.
Presidente da Associação Indígena Tyoporemô, da etnia Arara, Socorro Arara lamenta a forma com as comunidades foram abordadas pelo consórcio. “A Norte Energia já chegava nas nossas comunidades com o caderno de preço. Não nos ouviram. Não perguntaram quanto nós queríamos naquela comunidade e nem se queríamos vender ou não. A nossa riqueza é tudo aquilo ali, é o nosso tesouro, mas pra eles não vale nada”.
De acordo com a indígena, que teve sua comunidade diretamente atingida pela barragem à época, sem associação que pudesse representá-lo, o povo Arara perdeu grande parte de seu território. Isso porque depois de longo tempo de resistência ao projeto de Belo Monte, descobriram que não estavam inclusos no PBA. Dessa forma, foram obrigados a formar urgentemente a associação, para que pudessem ser incluídos no Plano.
Voltado especificamente a estas populações tradicionais, o plano teria que garantir a participação indígena no processo de avaliação de seus territórios para que estivessem a par dos pareceres técnicos feitos pela Fundação Nacional do Índio( Funai) e para que pudessem acompanhar se as condicionantes estão sendo cumpridas. “Não teve um estudo para a recomposição do modo de vida destas comunidades. Eles não tinham o direito de chegar e fazer um empreendimento desrespeitando as leis brasileiras, a 169 da OIT [Organização Mundial do Trabalho], que nos dá o direito de ser ouvido com uma consulta prévia livre e informada. Isso tudo foi violado para nós indígenas ribeirinhos. As nossas comunidades não foram ouvidas por nenhum antropólogo. Nenhuma equipe da Funai nem do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente]. Foi tudo feito de goela abaixo”, afirma Socorro.
Estratégias para fortalecer o FIX
Dadas as circunstâncias frente à negativa experiência de Belo Monte, o Comitê Gestor FIX decidiu pela criação de um núcleo específico para trabalhar diretamente nas aldeias, com as comunidades ribeirinhas e com os indígenas que moram nas cidades. Formado por oito lideranças indígenas, o principal objetivo do núcleo é esclarecer às comunidades sobre a importância de acessar o FIX enquanto estratégia de ação e resistência aos empreendimentos que estão em andamento, como Belo Monte, e os que estão sendo planejados para a região, como Belo Sun e as ações da mineradora Vale.
Para isso, mantendo o poder deliberativo do Comitê Gestor, a proposta deste núcleo se pauta na capacitação dos membros que o compõem, para que estes saibam como atuar junto das comunidades, e ainda no encaminhamento da sustentabilidade financeira do FIX por meio da captação de recursos.
“Com a criação do núcleo do FIX pretendemos justamente convencer as comunidades, incentivar, construir, fortalecer o FIX para que ele bata de frente com esses empreendimentos. O objetivo geral é a sua estruturação para poder apoiar as nossas causas indígenas em defesa dos nossos direitos, em defesa das nossas demandas e a melhora de vida para as futuras gerações, para os nossos filhos. Estamos muito confiantes e estamos puxando a responsabilidade pelo fato do próprio empreendimento ter vindo para a região e te conduzido as comunidades para um caminho diferente”, informa Kwazady Xipaia.
[1] Matéria do Fundo Dema, do qual a FASE é parte.
[2] PBA-CI: considerado um componente de estudo técnico, parte do processo de licenciamento ambiental de Belo Monte. Deveria ser elaborado em parceria com as comunidades indígenas.