25/02/2019 15:40
Raphael Castro¹
Para protestar e marcar um ano do crime socioambiental da Hydro Alunorte, no dia 18 de fevereiro, cerca de 100 pessoas entre lideranças comunitárias, movimentos populares e parlamentares estiveram em frente à mineradora, no município de Barcarena, na região do Baixo Tocantins (PA). No dia anterior (17), foi realizado um ato público em Belém para chamar atenção para o caso.
O vazamento que provocou contaminação por bauxita e soda cáustica na bacia do Rio Murucupi completa um ano há menos de um mês do rompimento da barragem em Brumadinho (MG).
Lideranças de comunidades afetadas lotaram o auditório principal da Igreja Assembleia de Deus da Vila do Conde para participar da audiência pública que apresentou à população de Barcarena os acordos firmados no Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado em setembro de 2018 pela Norsky Hydro, Governo do Estado, Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (PME) do Pará (PA).
A ação ocorreu mesmo sem a presença de nenhum representante da empresa e nem do Governo, provocando grandes insatisfações à população. Isso porque o acordo prevê que a Hydro contrate empresa de auditoria independente para avaliar e cadastrar as comunidades afetadas e realizar avaliação e monitoramento do meio ambiente.
Pelo acordo firmado, a Hydro também deve investir na criação de um sistema alternativo de tratamento e distribuição de água potável e pagar um vale-alimentação no valor de R$ 670 às famílias que considerar afetadas. Essa auditoria “independente” também deve avaliar a segurança e a estabilidade dos depósitos de resíduos de minério. Ao Governo do Pará coube o monitoramento e a garantia de transparência na realização do TAC.
Insatisfeita com a condução da situação, a população reclama das ações da Empresa Práxis, contratada pela Hydro a partir do TAC, responsável por realizar auditoria e cadastramento das comunidades afetadas. Para Fabiano Pereira, morador da Comunidade Arienga Rio, uma série de problemas vem ocorrendo. Até agora a empresa não apresentou nenhum relatório de seus serviços. As comunidades que deviam ser prioritárias, as que moram às margens do Rio Murucupi, até agora não foram contempladas. A abordagem já foi deficitária porque foi intimidadora com a população que não tinha muitas informações, contesta.
Várias outras lideranças pontuaram questionamentos como estes, mas além disso, a população apresentou suas propostas ao MPF e ao MPE. A sociedade civil é que deveria escolher a empresa pra fazer auditoria, essa empresa teria que primeiro provar sua capacidade técnica e de gestão de pessoas. Além disso, a comunidade que conhece a realidade devia ser inserida no trabalho junto à empresa auditora, pontuou Fabiano.
De acordo com a procuradora Natália Mariel, que acompanha o caso, o TAC foi uma forma de tentar fazer uma reparação emergencial pra possibilitar que se consiga ver a extensão desse dano e atender todas as comunidades afetadas. Ações de responsabilização da empresa ainda vão ser propostas”.
Uma comissão de acompanhamento do cumprimento do TAC deve ser formada. O MPF propôs na audiência que essa comissão fosse composta pela mesma representação do Fórum de Diálogo Intersetorial de Barcarena, formado por moradores, instituições públicas e empresas.
Um ano depois, quase nada foi feito
Em 2018, uma forte chuva na madrugada de 16 para 17 de fevereiro, marcou para sempre a vida de dezenas de famílias do município de Barcarena. A chuva desnudou a tragédia. Naquela madrugada, moradores do entorno do Distrito Industrial de Barcarena foram aterrorizados pela lama de bauxita e soda cáustica que se alastrava saindo do Depósito de Resíduos Sólidos da Hydro Alunorte.
Após denúncias ao MPE, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) realizou vistoria no local e negou que houvesse contaminação. No dia 22 de fevereiro do mesmo ano, um laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC) provou que os rios e igarapés da região encontravam-se com alto nível de chumbo e que a contaminação fora provocada pelo vazamento de resíduos de bauxita provenientes do Depósito de Resíduos Sólidos 1 (DSR1) da mineradora Hydro Alunorte. À época, a empresa confessou ter construído canais para despejar resíduos de minério em igarapés da localidade e que havia avisado o Governo do Estado.
Esse seria o início de um crime socioambiental que vitimou mais de 40 mil famílias do município de Barcarena e algumas localidades do município de Abaetetuba. Doenças de pele, de estômago, psicológicas e emocionais, além das muitas mortes, tornaram-se comuns pra diversas comunidades tradicionais. Nossa gente tá morrendo e tá nascendo condenada à morte imediatamente, relata Socorro Silva, liderança da Comunidade Quilombola do Burajuba, que teve um caso na família de uma criança que nasceu com má formação dos órgãos e morreu poucos dias após seu nascimento. O pesquisador Marcelo de Oliveira Lima, que assinou o laudo do IEC, alertou que o nível de chumbo encontrado na água poderia provocar câncer em escala epidêmica nos moradores.
Mais de 300 amostras de sangue e de cabelo coletadas pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA) foram entregues à Secretaria Municipal de Saúde de Barcarena e até agora o resultado não chegou às mãos de quem foi examinado. Em abril de 2018, um exame realizado pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental (Laquanam), da Universidade Federal do Pará (UFPA), revelou a presença de chumbo e outros elementos cancerígenos a partir de 100 coletas em fios de cabelo.
Por determinação da Justiça, a Hydro Alunorte chegou a ter 50% da sua operação paralisada. No entanto, poucas semanas após assumir o Governo do Estado, Helder Barbalho devolveu a licença de operação para Hydro. Uma determinação que continua a ser contestada pelo Ministério Público Federal (MPF).
Hydro desafia pesquisas que apontam contaminação
Tentando reverter a situação com a repercussão do caso, a Hydro reconhece que houve vazamento, mas não reconhece que houve contaminação. Inclusive, a empresa iniciou um processo judicial acusando o pesquisador Marcelo de Oliveira Lima, do IEC, por difamação e calúnia, situação que fora anunciada pela imprensa à época. Em parecer divulgado sobre este fato, o MPF contestou a argumentação da Hydro, afirmando constranger um cientista no legítimo exercício de sua profissão, finalidade essa à qual não se deve prestar o processo penal.
De forma a manter o diálogo com a população, os MPs, em ação conjunta, disponibilizam canais de comunicação e denúncia para a comunidade.
[1] Texto publicado originalmente no site do Fundo Dema.