27/04/2016 10:59
Elcio Ramalho¹
Na mesma semana em que o Comitê Olímpico Internacional expressou mais uma vez confiança no sucesso dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, um grupo de organizações e movimentos sociais lançou uma campanha para o governo vetar a Lei Geral das Olimpíadas, por considerá-la um retrocesso para os direitos civis e individuais no país.
Durante sua décima e última visita ao Rio, entre os dias 11 e 13 de abril, a presidente do Comitê de Coordenação do Comitê Olímpico Internacional (COI), Nawal El Moutawakel, visitou o Parque Olímpico e as instalações olímpicas em Deodoro, conversou com autoridades dos três níveis de governo e com os organizadores da Rio 2016, que apresentaram os preparativos para o evento.“Apesar da complexidade da situação política e econômica, estamos confiantes de que o Brasil e os brasileiros estão no caminho certo para o sucesso dos Jogos Olímpicos, que deixarão um legado excepcional”, declarou Moutawakel, antes de deixar a cidade, em tom otimista.
Enquanto os organizadores correm contra o tempo para entregar as obras no prazo, os movimentos sociais e organizações aceleram uma campanha para denunciar os riscos que a Lei que regulamenta muitas atividades durante o período dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos representa para o país.
Articulados em torno da “plenária Jogos da Exclusão”, cerca de 40 instituições sociais denunciam o retrocesso embutido na chamada Lei Geral das Olimpíadas, que tramitou em regime de urgência, entre outubro de 2015 a abril deste ano, nas duas casas do Congresso Nacional.
O texto, analisado e aprovado por várias comissões na Câmara e no Senado, precisa agora ser sancionado pela presidência da República para ser definitivamente adotado. Com a hashtag #VetaLeiOlímpica, os movimentos articulados da sociedade civil lançaram a campanha para que o projeto de lei seja rejeitado, apesar das poucas esperanças de que sejam ouvidos de fato.
Artigos e pontos polêmicos
Entre os pontos polêmicos da Lei Geral das Olimpíadas estão o que cria áreas exclusivas para as atividades do COI e de seus patrocinadores, o que limitaria, por exemplo, trabalhos de ambulantes ao redor das instalações olímpicas. Outro aspecto que desagradou é o que exige autorização do COI e do Comitê Paralímpico para captar e divulgar imagens e sons dos locais de provas.
Fica proibido também usar de maneira indevida objetos e símbolos oficiais dos Jogos, sob pena de até um ano de prisão ou multa.
Autorização apenas de manifestações consideradas “festivas e amigáveis”
A advogada Camila Marques, da Ong Artigo 19, denuncia vários abusos da lei: “Essa lei traz uma série de limitações de exercícios de diversos direitos. Ela limita, por exemplo, a liberdade de expressão, o livre trabalho dos comerciantes, dos ambulantes. Ela traz uma série de complicações até no campo penal porque cria uma série de crimes, como para aqueles que modificarem símbolos e marcas dos Jogos Olímpicos. É uma lei bastante problemática”, diz .
A limitação para manifestações de cunho “festivo e amigável” é uma afronta à liberdade de manifestação, na opinião da advogada. “A gente sabe que os Jogos Olímpicos tiveram muitas críticas em relação às obras, da própria construção em si. Quando os Jogos começarem, é o momento de visibilidade e é importante que essas vozes possam ser ouvidas e terem lugar para se manifestar”, diz.
Para Aercio Oliveira, coordenador do programa da FASE no Rio de Janeiro, a Lei Geral das Olimpíadas viola inúmeros direitos [ouça a entrevista]. “A lei cria dificuldades para o ambulante trabalhar, viola diferentes direitos civis elementares como o direito de ir e vir. O direito de acesso ao seu ganha-pão. O direito político de se manifestar, que combina com a lei absurda do antiterror, promulgada recentemente. Essa lei é mais uma que acaba criando um conjunto de legislação, um ordenamento jurídico que pressiona os grupos sociais que estão descontentes com o resultado deste processo que colocou o Rio como sede dos Jogos Olímpicos”, diz.
Tramitação rápida e sem debate
As organizações também denunciam a rapidez com que o texto foi analisado e aprovado pelo poder legislativo. “A legitimação de uma lei não vem somente por ela ter obedecido um rito regimental formal. A lei também ganha legitimidade quando ela passa por um amplo processo de debate com a sociedade. E isso não aconteceu”, afirma Camila.
“Não houve audiências públicas, debates especializados sobre os termos da lei, sobre a abrangência dessa lei. Faltou isso. Por mais que tenha passado por um rito regimental formal, foi extremamente reduzido o espaço de debate e de diálogo em torno dela”, critica.
O trâmite acelerado do processo, segundo a “plenária Jogos da Exclusão”, diminuiu qualquer possibilidade de diálogo, mas não pegou a sociedade civil refratária aos grandes eventos esportivos desmobilizada. A partir de 2009, com a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas, a articulação da sociedade civil contrária aos grandes eventos esportivos ganhou força e visibilidade. Começou pelos Comitês Populares da Copa que foram constituídos por todo o Brasil por causa do Mundial da Fifa. No Rio, o grupo continuou atuante para monitorar o desenvolvimento dos Jogos.
Se a Copa do Mundo expôs o “leque de problemas” da cidade, que vai da questão habitacional, com a remoção dos moradores próximos de área dos eventos, até os benefícios para as áreas mais nobres da cidade com as obras, as Olimpíadas reforçaram outras questões sensíveis para os movimentos sociais, entre eles, o da “militarização” dos espaços urbanos.
A presença ostensiva da polícia em nome da segurança do evento ganha com a Lei Geral das Olimpíadas um novo respaldo jurídico, segundo análise da advogada da Artigo 19. “Só a existência dessa lei já traz todo um espírito intimidatório, de implicação direta ao cidadão, de medo, restrições. Além disso, em termos concretos, a liberdade de expressão será limitada, a liberdade de trabalho será limitada. Os vendedores autônomos e ambulantes terão suas atividades limitadas. Haverá restrições nos espaços de ir e vir da população. Será um retrocesso”, insiste Camila.
“A lei não vem isolada, ela vem em um contexto de outros instrumentos do Estado para repressão de direitos e liberdades. Nos preocupa o fato de estarmos em um momento de instabilidade política. E, conjugado a isso, preocupa o fato de não ser uma iniciativa isolada, que sinaliza um aumento do aparato repressor do Estado, que podem reprimir direitos individuais, e direitos humanos e fundamentais”, acrescenta.
Camila faz referência à lei antiterrorista recém aprovada no país que, entre outros aspectos, exige uma autorização para obstrução do trânsito em caso de uma manifestação e a possibilidade da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] autorizar as Forças Armadas a utilizar bloqueadores de celulares.
Assumir os riscos
Apesar das várias limitações previstas na Lei Geral das Olimpíadas, as organizações e movimentos sociais prometem não se deixarem intimidar e vão aproveitar a “vitrine” dos Jogos para mostrar a realidade brasileira e do Rio de Janeiro.
“Com certeza, mesmo com a lei antiterror, as pessoas não vão deixar de se mobilizar nem de fazer críticas e ir para as ruas. Os trabalhadores da economia informal, os ambulantes, contarão com o apoio de diferentes setores desse campo crítico, de organizações e movimentos sociais. Estaremos atentos com a repressão, como a que aconteceu durante a Copa do Mundo. As pessoas não deixarão de se manifestar, mesmo correndo riscos”, afirma Aercio Oliveira.
[1] Repórter do site As Vozes do Mundo.