31/07/2018 15:18
O Lago Grande, em Santarém (PA), é um projeto de assentamento agroextrativista com 250 mil hectares onde moram 35 mil pessoas em 128 comunidades. A região é conhecida pela riqueza em recursos pesqueiros e florestais e pela força das tradições comunitárias, mas também é marcada historicamente por conflitos com madeireiros e grileiros que invadem porções da terra para atividades ilegais. Nos últimos anos, um novo conflito se instalou na região com a presença da mineradora Alcoa World Alumina Brasil, que explora uma mina de bauxita no município vizinho ao assentamento, Juruti, mas também tem interesses minerários no Lago Grande.
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Mapa da região do Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande.
Em visita às comunidades nos dias 12 e 13 de julho, o Ministério Público Federal (MPF)¹ recebeu mais de uma dezena de denúncias contra a mineradora por assediar as comunidades distribuindo propagandas de suas ações sociais no município vizinho e oferecendo, por meio de uma Fundação, dinheiro para projetos nas escolas. As ofertas são feitas sem respeito à organização política das comunidades para moradores que não fazem parte das associações representativas locais. Para o MPF, as visitas e ofertas da empresa na região são irregulares e violam normas ambientais, minerárias e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que protege o direito de comunidades tradicionais.
Um dos moradores ouvidos pelo MPF na investigação sobre a atuação da Alcoa explicou: “a gente fica preocupado quando uma empresa internacional está ameaçando nosso território, temos conhecimento do que já aconteceu e o que está acontecendo onde ela já está explorando, nós vemos o povo vivendo uma aflição, uma angústia muito grande em Juruti”. “É uma agressão brusca, e nós do Lago Grande estamos preocupados, mesmo eles não estando fazendo lavra², mas já estão impactando socialmente aquelas lideranças com mais influência, que são os polos, as escolas. Isso é para enfraquecer nossas lutas”, disse à equipe do MPF.
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Audiência Pública no Lago Grande. (Foto: Helena Palmquist/ MPF/PA)
Hoje, o MPF enviou recomendação à Alcoa e a sua subsidiária Matapu Sociedade de Mineração para que não mais ingressem na região do Lago Grande, nem para efetuar pesquisa ou lavra, nem para oferecer projetos ou distribuir propagandas. A recomendação assinada por oito procuradores da República considera que a entrada da multinacional só pode ocorrer após consulta prévia, livre e informada às comunidades, respeitando as organizações políticas locais; com autorização de pesquisa ou lavra da Agência Nacional de Mineraçao (ANM); e após licenciamento ambiental, com o respectivo estudo de impacto ambiental.
A recomendação foi enviada também à agência que autoriza a mineração no Brasil, a ANM, para que não seja outorgada nenhuma licença de pesquisa ou lavra para a Alcoa antes que as irregularidades sejam corrigidas. Em levantamento na página eletrônica da agência, o MPF constatou que a mineradora tem 11 processos em que requer lavra e pesquisa na área do assentamento Lago Grande. Alguns processos foram outorgados e estão vencidos, mas a maioria ainda está em análise.
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Casa de farinha no Lago Grande. (Foto: Helena Palmquist / MPF/PA)
Pelo Código de Mineração, o titular de autorização de pesquisa minerária pode realizar trabalhos em áreas de domínio público ou particular, contanto que haja acordo com o proprietário acerca de valores para indenização por uso e danos da atividade. No caso de um assentamento coletivo, como o Lago Grande, o acordo só pode ser feito por meio da organização de moradores, a Federação de Associações do Lago Grande (Feagle). A Alcoa não negociou com a federação e, em 2010, entrou com uma ação judicial para conseguir uma ordem que garantisse sua entrada na área. A ação foi extinta em abril de 2018 pela Justiça Federal de Santarém, porque a mineradora não apresentou as licenças minerárias exigidas, nem comprovou a tentativa de negociação com os moradores.
A Alcoa e a ANM tem um prazo de 10 dias para responder se acatam ou não a recomendação do MPF. Para mais informações, acesse a íntegra da recomendação e o relatório da visita às comunidades do Lago Grande.
[1] Texto publicado originalmente no site do MPF.
[2] Termo jurídico que significar análise ou exploração.