16/08/2016 15:31

Flávia Bernardes e Daniela Meirelles¹

Oficialmente iniciada na década de 70, a exploração de petróleo vem fazendo vítimas há muito mais tempo no Espírito Santo. A informação vem de quem sofre até hoje com as injustiças ambientais nos territórios tradicionais visitados durante o Intercâmbio Norte da Campanha Nem Um Poço a Mais², no norte do estado, que reuniu pescadores e pescadoras, quilombolas, trabalhadores rurais sem terra, pesquisadores, estudantes, jornalistas, artistas, documentaristas, defensores de direitos humanos da região metropolitana do Espírito Santo e da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.

José Costa, pescador e presidente da Associação de Pescadores de Degredo. (Foto: Flavia Bernardes / FASE)

José Costa, pescador e presidente da Associação de Pescadores de Degredo. (Foto: Flavia Bernardes / FASE)

O encontro proporcionou um “giro-antipetroleiro” nas comunidades de Degredo, Zacarias (Cacimbas) e Povoação, em Linhares, e nos distritos de Barra do Riacho, Barra do Sahy e nas aldeias indígenas de Pau Brasil e Boa Esperança, em Aracruz. O que se viu foi que a relação entre petroleiras e as comunidades exploradas é um verdadeiro desastre. “Em 1952, aqui já havia sísmica³. Em 68 chegou mais gente. Eles furavam e abriam uma bacia de três metros de diâmetro e dois de largura, depois disso fomos vendo a água acabar. Para nós, foram eles que acabaram com a camada de arenito que segurava a água. Agora tem tanto buraco na terra que está cheio de espaço pra água correr, fugir, sumir sem deixar rastro. Já teve projeto com mais de 13 mil furos aqui, eu sei porque já trabalhei nele”, contou José Costa, pescador e presidente da Associação de Pescadores de Degredo. Ainda de acordo com ele, os moradores não tiveram opção. As empresas chegaram, pediram servidão e quem não deu teve sua terra atravessada da mesma forma.

Hoje a comunidade contabiliza graves impactos na região. Não é possível mais plantar alimento no solo explorado; o mar foi poluído por seguidos derramamentos de óleos; o principal berçário de camarão e alevinos da região desapareceu e o Rio Ipiranga, utilizado para pesca e banho secou após inúmeras intervenções das petroleiras na região. De 250 famílias, apenas 34 resistiram após a exploração de petróleo.

Relacionamento difícil

Não houve uma só comunidade em que o relacionamento entre petroleiras e comunidade não fosse descrito como conflituoso ou desastroso. Mas, um caso em específico chama a atenção: Zacarias, distrito de Linhares, é um exemplo claro de como essa exploração pode minar qualquer possibilidade de desenvolvimento humano dentro de um território tradicional. As atuais 110 famílias, da comunidade vivem ao lado da Unidade de Tratamento de Gás Cacimbas (UTGC), amargando problemas como o desemprego, a falta d´água e a inércia do poder público e das condicionantes, que deveriam minimizar os impactos sofridos. Segundo a presidente da Associação de Pesca de Cacimbas, Dona Laudeli, falta água, saúde e educação na região. “O desrespeito é tanto que Zacarias hoje se chama Cacimbas, em referência ao empreendimento que vem minando as possibilidades de vida na região”, lamenta.

Encontro com pescadores de Povoação. (Foto: Flavia Bernardes / FASE)

Encontro com pescadores de Povoação. (Foto: Flavia Bernardes / FASE)

Segundo Naitônio Pires dos Santos, pescador e nativo da região, na chegada da empresa a população assinou um Termo de Compromisso para garantir o recebimento de cestas básicas, mas isso foi na Fase 1 de operação do empreendimento. “Hoje a UTGC já está na Fase 6 e o único sinal que a comunidade recebe da empresa são os gases tóxicos emitidos por ela diariamente”, afirmou. O medo de alguma explosão é grande, sobretudo nos casos de enchentes, comuns na região. “Se isso acontecer, não há nenhuma orientação sobre a quem recorrer”, alerta.

Em Povoação, há 40 km de Linhares, território que também convive com dutos, encanamentos, perfurações e transformações de territórios férteis em verdadeiras áreas de morte, a mágoa é a mesma: o petróleo chegou, seduziu e destruiu. “Tínhamos um meio ambiente completo e ainda na década de 60 o Departamento Nacional de Obras contra a Seca drenou todo o Vale do Suruaca. Depois disso, a Petrobras caiu pra dentro. Ela não obedecia ninguém, ninguém podia falar nada. Ficaram 30 anos em Regência e depois vieram pra cá, fizeram a UTGC, e por aí fomos. Trouxeram de cara 600 homens, isso aqui virou uma verdadeira Sodoma. Aumentou o número de gente, música alta, bebedeira e pouco depois eles já tinham uma nova obra e falavam em trazer mais de 2.600 homens”, contou Simião, pescador e presidente da Associação de Pesca de Povoação, em Linhares.

Diante de situações nunca vividas antes, a população de Povoação enfrentou graves problemas com o abastecimento de água, energia, saneamento, comunicação e moradia. Muitos alugavam suas casas para as empreiteiras e iam morar embaixo de lonas na expectativa de juntar algum dinheiro. Como condicionante, conseguiram uma sede conjunta para a Associação de Moradores, Associação de Pescadores e um projeto de Ecocidadania. No entanto, enfrentaram profundas dificuldades, exigências e burocracias impostas pela Petrobras. Para Simião, este processo se dá como uma morte lenta. “Pescador tem que pescar. Caso contrário, estão nos proibindo de exercer nossa função. Botar uma pessoa pra fazer o que não sabe é condená-la a uma morte lenta”, desabafou.

Em Barra do Riacho, há um consenso entre os pescadores de que a comunidade pesqueira vem sendo expulsa do seu território, seja com as zonas de exclusão de 25km entorno dos empreendimentos no mar, seja pela destruição de 50% do estoque de pescado, avaliada por eles. “Vem um chupa cabra (navio) com cinco cabos e com sonorização que praticamente toca de segundo em segundo. É um barulho fortíssimo que impacta as espécies, que altera tudo. Sabemos que os animais perdem o rumo com este som, que a ova seca e que isso vem diminuindo o estoque pesqueiro. Já pedimos pra mudar, isso não impacta somente a pesca, impacta o meio ambiente inteiro”, denunciou o pescador Marinaldo Miranda.

Licença para desmatar

A violência com que são tratados pelas empresas também é impressionante. De acordo com Seu Ademar, pescadores são perseguidos com metralhadoras. Em Barra do Riacho as contradições nos processos de licenciamento ficam ainda mais explícitas. De Barra do Sahy até as aldeias tupiniquins e guaranis, o empreendimento mais impactante citado por moradores é o Estaleiro Jurong. Seja pela destruição da pesca, da área de lazer, do trânsito de caminhões, a mais grave é a suspeita da interrupção, desaparecimento e inversão do curso do rio Sahy por outro rio que tentaram rebatizar com o mesmo nome.

empresas que já receberam a Licença de Instalação, sem sequer terem obedecido a nenhum condicionante. Foto: (Flavia Bernardes / FASE)

Empresas recebem a Licença de Instalação, sem obedecer nenhuma condicionante. Foto: (Flavia Bernardes / FASE)

Do gasoduto que atravessa as aldeias há anos, a indenização só chegou depois de pressão com paralisação da estrada para a negociação com a Petrobras. A avaliação do cacique Werá Kwaray, da aldeia guarani Boa Esperança, é de que o povo está vivendo em um verdadeiro campo minado.

Em todas as regiões visitadas, os casos de desrespeito ao meio ambiente e a preservação das comunidades tradicionais se repetem e tornam cada vez mais urgente as ações que visam frear a expansão petroleira e dar visibilidade ao seu passivo ambiental e social, seja na fase da extração, transporte, armazenamento, no refino ou no uso.

[1] Educadoras do programa da FASE no ES para o site Áreas Livres de Petróleo.

[2] O conteúdo deste artigo é de nossa responsabilidade exclusiva, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da UE.

[3] Método de pesquisa geofísica para mapear estruturas geológicas em subsuperfície. Os mapas produzidos por este método permitem que empresas de Óleo & Gás e Mineração identifiquem “os alvos de sondagem” de prospecção, desenvolvimento ou produção.