Daniel Giovanaz
24/07/2024 14:52
Dos 8.372 assentamentos existentes no Brasil, 3.309 (cerca de 39%) são alvos de requerimentos minerários. O morador do sudoeste mato-grossense questiona qual a prioridade da atual gestão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra): viabilizar grandes empreendimentos do agronegócio, mineração, energia e infraestrutura, ou garantir os direitos territoriais conquistados nas últimas décadas, promovendo a conservação ambiental e a segurança alimentar e nutricional?
José Gomes da Silva é dirigente da Associação Regional dos Produtores Agroecológicos (ARPA), uma das 12 organizações que publicaram nesta segunda-feira (22) uma nota técnica recomendando a suspensão — e posterior revogação — da Instrução Normativa (IN) nº 112/2021 do Incra. Conforme a análise das organizações, o texto vigente desde o governo Jair Bolsonaro (PL) facilita a disponibilização das áreas de assentamentos à mineração e outros grandes empreendimentos, colocando em risco direitos estabelecidos a partir da Constituição Federal de 1988.
Cercado por fazendas de soja e cana-de-açúcar, o assentamento Roseli Nunes tem 10 mil hectares e é um dos territórios destinados à reforma agrária sob ameaças do agronegócio e da mineração. Além dos monocultivos, as 331 famílias assentadas desde 2002 convivem com o avanço das plantações de teca – madeira que abastece a indústria de móveis – e com a cobiça de grandes empresas pelas jazidas de fosfato e minério de ferro no subsolo do território.
“São mais de 20 anos de vínculo com a terra, projetos de vida, avanços na questão ecológica, alimentando pessoas de baixa renda, levando alimentos de qualidade para as escolas”, lembra Gomes. “É triste ver um órgão como o Incra, que teria que estar preocupado com essas questões, fragilizado por conta do interesse econômico desses empreendimentos, que beneficiam uma minoria e buscam explorar um recurso finito”.
A nota técnica, intitulada “Direito e prioridade: pode a mineração se impor à reforma agrária? O papel do INCRA na autorização de grandes projetos em áreas de assentamento a partir da Instrução Normativa 112”, foi publicada como parte da série Direito à Terra e ao Território, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE).
As demais organizações e movimentos que assinam a nota são Amazon Watch; Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA); Coletivo de Pesquisa Desigualdade Ambiental, Economia e Política (UFRJ, UFF, UFRRJ, UFRB e UFAL); Comitê em Defesa dos Territórios frente a Mineração (CDTM); Centro de Tecnologia Alternativa do Vale do Guaporé (CTA); Federação das Associações de Moradores do Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle); Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Núcleo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (UFJF, UFRJ, UFF, UFV, UEG); Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e International Rivers.
Segurança jurídica para as mineradoras – não para os assentados
Logo em seu primeiro artigo, a IN nº 112/2021 do Incra afirma que a norma não se aplica se houver incompatibilidade entre o desenvolvimento do assentamento e o empreendimento proposto. “Só que não há nenhuma instrução processual na norma que permita aferir essa incompatibilidade”, analisa Julianna Malerba, assessora nacional da FASE. Ela é uma das autoras da nota técnica, ao lado dos pesquisadores Bruno Milanez, Juliana Neves Barros e Paula Máximo de Barros Pinto.
Segundo a norma vigente, a instalação dos empreendimentos depende da anuência do Incra. Porém, a avaliação da autarquia está prevista para ocorrer apenas após o processo de licenciamento ambiental. “Depois que o licenciamento ambiental já foi dado, é muito pouco provável que o indeferimento do Incra se mantenha. Há grande possibilidade de judicialização das empresas contra o Incra”, ressalta Julianna. “Por mais que o licenciamento traga elementos sobre o impacto ambiental dos projetos, há outros impactos relacionados à política de reforma agrária que precisam ser aferidos pelo próprio Incra”.
Os impactos mencionados pela assessora da FASE estão relacionados, por exemplo, à continuidade de políticas públicas e a investimentos realizados pelo Incra nos assentamentos – por exemplo, créditos de fomento agrícola concedidos aos assentados, abertura de estradas e instalação de infraestrutura para a agricultura familiar.
“Se a mineração afeta a dinâmica de produção dos assentamentos, são impactos sobre a própria política de reforma agrária, que precisam ser aferidos pelo Incra. E não há critérios claros de como o Incra irá analisar essa incompatibilidade, nem quais serão os procedimentos a partir daí”, reforça a assessora nacional da FASE. Na prática, a IN limitaria o papel do Incra ao cálculo de danos e indenizações aos assentados.
Outro problema grave apontado na nota técnica é a ausência de mecanismos que garantam a participação dos assentados no processo de anuência dos empreendimentos.
Não há menção na IN, por exemplo, à consulta prévia, livre e informada, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Cabe observar que parte dos assentamentos são destinados a comunidades tradicionais, justamente para garantir sua segurança fundiária.
Em outras palavras, a norma atual não prevê nenhum momento de escuta e notificação dos assentados além das audiências previstas no próprio processo de licenciamento. “Não é uma Instrução Normativa que busca proteger e impedir a captura de terras ou a expansão da mineração sobre a agricultura familiar. Ao contrário, ela facilita, dá segurança jurídica às mineradoras”, enfatiza Julianna Malerba.
Desde o governo Bolsonaro, territórios como o Projeto de Assentamento (PA) Ressaca e a gleba Ituna, no Pará, onde vivem 600 famílias, já tiveram suas áreas reduzidas pelo Incra para abrir espaço para a mineração. Em 2021, autorizou-se a exploração de ouro pela mineradora canadense Belo Sun nessas áreas, após a assinatura de um contrato de R$ 1,3 milhão entre a empresa e o Incra.
“Há muita preocupação, sobretudo sobre a produção agrícola e a permanência dos assentados nessas áreas. Porque os projetos minerários pressupõem o deslocamento de parte da população para construir não só a mina, a cava, mas toda a infraestrutura ao redor da extração”, alerta Julianna.
Ameaças ao maior assentamento da América Latina
Quase metade dos assentamentos com interesses minerários sobrepostos está na Amazônia Legal. Entre eles, está o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, em Santarém (PA), considerado o maior da América Latina, com cerca de 250 mil hectares.
Embora o projeto de assentamento tenha sido assinado e publicado no Diário Oficial da União em 2005, no primeiro mandato presidencial de Lula (PT), a regularização fundiária, por meio da titulação coletiva, não ocorreu em sua totalidade.“Ainda não houve a concessão do direito real de uso, por entender que algumas áreas que ficaram sem ser identificadas, tanto no que tange ao georreferenciamento quanto ao mapeamento daqueles que se consideravam donos de grandes áreas dentro deste território”, explica Ricardo dos Santos Aires, liderança da comunidade Membeca, uma das 154 que compõem o território do PAE Lago Grande.
Aires é secretário da Feagle, uma das organizações que assina a nota técnica contra a IN nº 112/2021. “Antes de ser um projeto de assentamento em 2005, esta já era uma região muito disputada, devido à qualidade do solo, à abundância de madeira e de recursos naturais e minerais. Por tudo isso, há certa morosidade em se regularizar por completo o assentamento, desconsiderando as mais de 7,5 mil famílias que foram assentadas em 2005”, analisa.
Nos últimos 20 anos, a população do PAE Lago Grande triplicou, chegando a aproximadamente 45 mil pessoas. O período coincide com a intensificação das investidas do agronegócio e da mineração sobre o território, rico em bauxita.
Uma das mineradoras que já manifestou interesse em instalar-se na área do assentamento é a estadunidense Alcoa – uma das três maiores empresas de alumínio do mundo, que já está instalada no município vizinho, Juruti.
“Ao longo desses anos, a mineração investiu na cooptação de algumas lideranças, apresentando miniprojetos para as escolas e associações, levando a pensar que a mineração pode ser um caminho para o desenvolvimento deste território. Porém, outras lideranças, que lutam pelo bem viver das comunidades tradicionais, fazem o enfrentamento porque consideram que a mineração não combina com os modos de vida tradicionais das nossas comunidades”, relata o assentado Ricardo dos Santos Aires.
Em 2018, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação contra a Alcoa visando suspender os apoios que ela vinha oferecendo a entidades dentro do PAE Lago Grande. Um dos argumentos centrais da ação é que tanto a pesquisa quanto a extração de bauxita produziriam impactos socioambientais significativos sobre o território.
“O PAE Lago Grande é um assentamento ambientalmente diferenciado, destinado a povos e comunidades tradicionais que praticam uma agricultura agroextrativista, pensado na possibilidade de aliar conservação com produção. Essa dimensão socioambiental é uma prática histórica dos povos da floresta sobre o seu território”, lembra Julianna Malerba, da FASE, ressaltando que 85% do assentamento são áreas florestais.
“Tem áreas de várzea, tem muitos rios, igarapés, áreas de coleta de castanhas e outros frutos da floresta que são utilizadas a partir de normas estabelecidas entre os próprios assentados. A expansão da mineração para essa área pode ameaçar as dinâmicas coletivas de uso da terra e a própria produção agroextrativista“, acrescenta a autora da nota técnica.
A ação do MPF resultou, em 2019, em uma decisão liminar favorável à Feagle – representante legal das comunidades no assentamento –, vetando os apoios da Alcoa a associações e escolas no território. Porém, a pressão sobre os assentados continua.
“Hoje temos uma grande estrada que interliga o município de Juruti e o território do PAE Lago Grande, que é a PA-257. À margem dela, muitos outros empreendimentos vêm surgindo: criação de gado, olarias, pequenas pousadas, portos clandestinos de madeireiras, venda ilegal de drogas. Com isso vemos o aumento da violência, prostituição”, lamenta o secretário da Feagle.
“São empreendimentos que não dialogam com os modos de vida nem com o plano de utilização criado pelas comunidades. Eles ferem os direitos das comunidades, causam impacto na vida das pessoas e estão destruindo a floresta de onde nossa população se alimenta e garante sua subsistência, por meio do agroextrativismo”, completa Aires.
Madeireiras já estão instaladas na parte central do território, onde a floresta é mais densa. Segundo o relato do assentado, as comunidades no entorno já sentem impacto na água que consomem, do rio Arapiuns. “Após se banhar no rio, as pessoas já saem com uma coceira na pele, gerando mais tarde ferimentos e outras doenças mais graves. Entendemos que uma das causas pode ser o despejo de rejeitos das madeiras, que são lançados no leito do rio”, descreve.
Além dos indícios de contaminação, o rio Arapiuns vem sendo assoreado e tem secado mais do que o habitual, deixando as famílias isoladas, sem condições de se deslocar aos municípios ou retornar para suas casas. Outro impacto já percebido pelos moradores é a diminuição da regularidade das chuvas, dificultando o cultivo de milho, feijão e macaxeira.
“Na visão da Feagle, essa instrução normativa [112/2021] fere nossos direitos de comunidades tradicionais e de povos assentados da reforma agrária, em nome da garantia do direito daqueles que querem empreender dentro desses territórios”, lamenta Ricardo dos Santos Aires. “Sem ter informações sobre o que esses empreendimentos podem causar, muitas famílias acabam sendo iludidas e abandonam sua terra, trocam, vendem, e depois não têm mais onde morar e plantar. Essas famílias certamente vão sofrer à margem do território ou nas periferias dos centros urbanos”, alerta.
Cabe recordar que o governo Bolsonaro apostou na estratégia de entrega de títulos de propriedade individuais, e não coletivos, mesmo dentro de territórios da reforma agrária. Embora essa tenha sido propagandeada como uma boa notícia, afinal as famílias poderiam vender suas terras quando quisessem, a titulação individual abriu caminho para a especulação fundiária, aumentando o risco de esvaziamento das comunidades.
“Com a mudança no Governo Federal, imaginávamos que haveria um pouco mais de celeridade, para que esse projeto de assentamento pudesse ter sua regularização concluída. Porém, não vemos um direcionamento mais assertivo no sentido de considerar a reforma agrária como uma prioridade”, analisa o morador do PAE Lago Grande.
No início de julho, o MPF recomendou ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e ao Incra a regularização do PAE Lago Grande. Segundo aquela recomendação, a demora na regularização é a principal causa de violações de direitos no território.
Conforme a Feagle, ao menos 19 lideranças já sofreram ameaças por defenderem o território. A Federação propôs um cronograma de atividades para que o Incra volte ao território, continue o georreferenciamento e o mapeamento das áreas, a fim de viabilizar a celebração do contrato coletivo de direito de uso da terra. “O que eles dizem é que não há recurso, não há verba para mandar servidores, e isso impede o trabalho de fluir. A gente vai continuar cobrando, seja no Poder Legislativo, seja na própria autarquia [Incra]”, ressalta Aires.
Resistindo à cobiça e ao discurso empresarial
Outro território sob ameaça é o assentamento Roseli Nunes em Mirassol d’Oeste (MT), organizado pelo MST e citado ao início da reportagem.
A luta pela terra começou em 1997, em uma área chamada Fazenda Facão, no município de Cáceres. No ano seguinte, as famílias ocupantes foram transferidas para a área da antiga Fazenda Prata, onde seria oficializado em 2002 o assentamento Roseli Nunes.
As 331 famílias assentadas produzem leite e hortaliças de forma agroecológica e abastecem escolas, asilos e instituições públicas de Cáceres e Mirassol d’Oeste por meio de políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
José Gomes da Silva reside no Sítio 12 de Maio, dentro do PA Roseli Nunes, e afirma que as ameaças mais importantes se devem à existência de uma jazida de fosfato no subsolo do assentamento.“Em 2013, o próprio Incra veio notificar os assentados, dizendo que esta terra era da União e que tinha uma empresa querendo fazer pesquisa aqui dentro. Ainda em 2013, o pessoal se mobilizou e fez uma grande assembleia para reivindicar o direito de permanecer no território”, lembra Gomes.
O pedido para realização de pesquisa mineral havia sido feito em 2007 pela empresa Geologia e Mineração (Geomin) – que posteriormente desistiu do requerimento.
“Depois de uns meses, a gente ficou sabendo que havia outra mineradora coletando amostra de solo no assentamento, na beira dos rios, sem a nossa autorização”, relata o assentado. “Passado mais um tempo, em 2017, a gente se deparou com uma barcaça coletando material para exploração de ouro dentro do Rio do Bugre, que corta o assentamento. Logo em seguida, foi construído um escritório da [mineradora] Bemisa em Mirassol d’Oeste, que também causou um alerta. Então, a coisa não para”.
O projeto da Bemisa em Mirassol d’Oeste chama-se Jauru e, segundo a companhia, está “em fase de desenvolvimento de rota de processo, visando à produção futura de fertilizantes fosfatados”. A reportagem entrou em contato com a mineradora e perguntou se ela tem, de fato, a pretensão de explorar fosfato na área do assentamento. A Bemisa respondeu apenas que atua desde 2007 “com ênfase no desenvolvimento sustentável” e que “caso venha a ser implantado, o Projeto seguirá as normas sociais e ambientais de acordo com a legislação em vigor”.
A partir de 2017, 11 organizações da sociedade civil que apoiam o assentamento Roseli Nunes passaram a produzir materiais de divulgação para dar visibilidade ao trabalho humano, ambiental e educacional realizado no assentamento, como forma de protegê-lo contra o assédio de grandes empreendimentos.
“As empresas vêm com o discurso de que vão gerar emprego e riquezas na região. Só que a gente buscou conhecer as experiências e os impactos em outros assentamentos no Brasil, e vimos que no final não é bem assim”, explica José Gomes da Silva. “Já chegaram a falar que a nossa jazida aqui é o ‘segundo Carajás’, que vai trazer desenvolvimento para os municípios, mas a gente precisa ficar atento e mostrar para a sociedade o outro lado”.
Contexto político diferente
Julianna Malerba ressalta a diferença entre o contexto político atual e aquele em que a IN entrou em vigência, no final de 2021.“Quando a Instrução Normativa foi publicada, a gente estava em um momento de ruptura democrática, com baixíssima possibilidade de participação e controle social”, lembra a assessora da FASE. “Mesmo assim, publicamos naquele momento um documento político, assinado por 40 organizações, alertando sobre os riscos que essa Instrução Normativa representava para os assentamentos de reforma agrária”, acrescenta.
À época, a FASE e organizações parceiras acompanhavam os impactos da expansão da produção de níquel, cobre e ferro pela mineradora Vale na região de Canaã de Carajás, no Pará, sobre áreas destinadas à reforma agrária.
“Hoje a Vale enfrenta vários processos judiciais, e com essa Instrução Normativa ela e outras mineradoras podem ter a sua presença e sua expansão facilitadas. Então, quando a gente viu o teor do texto, ficamos muito preocupados”, reforça Julianna.
A eleição de Lula, em 2022, foi vista como uma janela de oportunidade para a retomada do diálogo com o Governo Federal. Durante o processo de transição, as organizações recomendaram que a Instrução Normativa fosse revogada.
“Infelizmente isso não aconteceu, mas a gente seguiu se articulando e tentando produzir informações, não só sobre o impacto da expansão da mineração sobre as áreas da reforma agrária”, explica a assessora da FASE. “A gente também começou a se debruçar mais sobre a própria Instrução Normativa, no sentido de adensar as críticas e de propor outra regulamentação, que fosse de fato protetiva e priorizasse a reforma agrária”.
Perspectivas
Apesar da diferença conjuntural, Julianna analisa que a política mineral do governo Lula está orientada para expandir a fronteira da mineração.
“Ela prevê o impulsionamento de 19 projetos buscando a produção de minerais considerados estratégicos para a transição energética, que abrangem uma área de 125 mil hectares e incidem sobre sete assentamentos de reforma agrária – todos eles na Amazônia”, exemplifica.
Projetos dessa natureza reforçam o alerta para os riscos da IN nº 112/2021. “O Governo Federal tem investido na expansão dessa fronteira mineral sem dialogar com as preocupações dos impactos que ela pode ter sobre áreas que têm outras destinações constitucionais, como é o caso da reforma agrária e de terras indígenas”, observa a assessora nacional da FASE.
Essa percepção fez com que as organizações da sociedade civil adensassem sua leitura crítica da norma vigente e retomassem a pressão sobre o Governo Federal. No final de junho, antes mesmo do lançamento da nota técnica, elas se reuniram virtualmente com o presidente do Incra, César Aldrighi.
“Ele se mostrou preocupado e se comprometeu a revisar a Instrução Normativa e a nos colocar em diálogo com os técnicos do Incra no sentido de suspender os efeitos e produzir uma norma mais protetiva aos assentamentos”, relata Julianna Malerba.
Uma reunião presencial das organizações que produziram a nota técnica com os técnicos do Incra havia sido agendada para esta quarta-feira (24/07), em Brasília (DF), mas foi desmarcada de última hora pelo Incra. Na mesma data haverá reunião com a Secretaria Geral da Presidência da República, que coordena uma mesa de diálogo sobre a mineração. “Nossa expectativa é que essas rodadas de diálogo surtam efeito e que o Governo veja nisso uma oportunidade para mostrar publicamente seu compromisso com a reforma agrária”, finaliza a assessora nacional da FASE.
O Grupo aguarda uma nova data para reunião com os técnicos do Incra.
Após a publicação da matéria, por meio de sua assessoria de comunicação, o Incra afirmou que a IN nº 112/2021 “trata da anuência do uso de áreas por atividades minerárias, de energia e infraestrutura em áreas de assentamento” e que “não há exigência de consulta às comunidades”.
Sobre a situação do PAE Lago Grande, a assessoria do Incra informou apenas que “um grupo de representantes se reuniu com a direção do Incra e o Superintendente regional do Incra em Santarém para tratar de temas de interesse dos trabalhadores e trabalhadoras”.
A autarquia confirmou ainda que criou um grupo de trabalho para atuar na atualização da IN. “Neste processo, o órgão tem debatido internamente e também ouvido movimentos sociais, organizações governamentais e não-governamentais. Estão previstos a realização de um seminário sobre o tema e posteriormente uma consulta pública acerca da proposta de atualização do regramento”, diz a nota enviada à reportagem.
Matéria originalmente publicada neste site.
*repórter que produz matérias especiais para o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração. Jornalista e mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Trabalhou por cinco anos no portal Brasil de Fato, como repórter, editor e correspondente internacional. Autor dos livros “O oligopólio da RBS” (Insular, 2017) e “Dossiê Lava Jato: um ano de cobertura crítica” (Outras Expressões, 2018).