Claudio Nogueira
02/06/2023 17:00
A indústria da celulose escreve uma triste história no Brasil. Seu papel na ocupação de terras com o monocultivo do eucalipto imprime uma lógica perversa que sufoca comunidades tradicionais e vai muito além das falsas ideias de reflorestamento e preocupação ambiental. Esse foi o cenário encontrado pelos integrantes da campanha “Stop GM Trees” (Não às Árvores Transgênicas) e da Rede Alerta contra os Desertos Verdes, num giro organizado pela equipe da FASE Espírito Santo, em visita a localidades do norte capixaba e do Extremo Sul da Bahia, entre os dias 24 e 29 de maio.
Ao todo, cerca de 25 pessoas, entre educadores populares, líderes quilombolas e sem-terra, ambientalistas e pesquisadores estrangeiros do Canadá, EUA, Nova Zelândia, Japão, Alemanha, Irlanda, Argentina e Chile puderam verificar o impacto das plantações de eucalipto no modo de vida de agricultores familiares e de comunidades tradicionais na região. Durante três dias, o grupo conheceu as experiências de práticas agroecológicas em áreas retomadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) na Escola de Formação Egídio Brunetto e no assentamento Índio Galdino, além de ouvir os relatos das dificuldades enfrentadas pelas comunidades quilombolas de Volta Miúda e Angelim 2 com os plantios do monocultivo. Após as visitas, foi realizado um encontro de dois dias em Vitória para dialogar sobre o que foi testemunhado e traçar as perspectivas de ação direta da rede, formada pela FASE, Global Justice Ecology Project (EUA), Canadian Biotechnology Action Network (CBAN), Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales (OLCA, Chile), OK Seeds Project (Japan), entre outros.
Para Beto Loureiro, educador da FASE no Espírito Santo, o giro foi importante para os pesquisadores perceberem que os impactos já são terríveis, e as árvores transgênicas vão ser mais uma agressão na série histórica que o monocultivo causa nos territórios, “desde a expulsão das comunidades tradicionais, passando pelo esgotamento de recursos hídricos e pela enorme quantidade de venenos que eles aplicam agora inclusive por via aérea”. “Estão pulverizando os monocultivos por drone, e esse veneno está se espalhando, caindo sobre as plantações das comunidades, caindo sobre suas casas, sobre suas escolas. Enfim, uma verdadeira guerra química, que se passa aqui no deserto verde”, explica.
Árvores transgênicas, uma nova ameaça
O Brasil foi escolhido como sede do encontro por conta da extensão das atividades da indústria papeleira e da aprovação pela empresa Suzano, em 2021, para plantação de eucaliptos geneticamente modificados para tolerarem o herbicida glifosato. Isto se segue à aprovação anterior, em 2015, da árvore de eucalipto transgênica de crescimento rápido da FuturaGene, que não foi plantada comercialmente. O país é o único da América Latina onde parecem estar ocorrendo testes de campo hoje com árvores geneticamente modificadas.
A engenharia genética muda diretamente a composição genética (DNA) de um organismo, contornando a reprodução normal de plantas ou animais para criar novas características. A engenharia genética inclui técnicas que fazem mudanças no DNA através da inserção de material genético dos mesmos organismos, similares ou totalmente não relacionados, ou, com a edição do genoma (também chamada edição de genes), através da introdução de um material genético que age como “editor” para mudar o DNA. A engenharia genética aplicada às árvores é um desafio técnico repleto de graves riscos ambientais e sociais.
A maior parte da pesquisa está focada em aumentar a produtividade das árvores plantadas, para diversos fins industriais. Esses objetivos incluem a produção de celulose, papel e madeira; assim como o uso de árvores como culturas “bioenergéticas” – para produzir biomassa e “biocombustível celulósico” líquido. Há também algum interesse em árvores geneticamente modificadas para produzir outros materiais industriais, tais como produtos farmacêuticos, utilizando as árvores como “biofábricas”, além de experimentos para venda de créditos de carbono e propostas para liberar essas árvores na natureza para “restaurar” espécies ameaçadas de extinção.
“Deu pra gente perceber que é mais um problema que teremos de lidar”, pondera Beto. “Esses eucaliptos transgênicos crescem muito rapidamente. Logo, devem também sugar a água muito rapidamente, são resistentes a venenos. Podemos imaginar que a carga de venenos na monocultura vai aumentar, e é isso que a gente espera desses pesquisadores: que eles voltem para os seus países compreendendo também que o eucalipto não transgênico já é uma tragédia”, conclui.
A delegação estrangeira continuou seu giro pelo Brasil com audiências na UnB e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e seguirá para o Mato Grosso do Sul, também para verificar o papel das plantações de eucalipto no desequilíbrio ambiental no estado.
*Coordenador de Comunicação da FASE