09/11/2017 15:27
Élida Galvão e Samis Vieira¹
Considerada uma das maiores áreas de floresta tropical em proteção na América do Sul², a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã, no Amazonas (AM), foi o cenário do intercâmbio realizado entre as famílias pescadoras da região e os moradores do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande e da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós Arapiuns, ambos localizados na região do Baixo Amazonas, Oeste do Pará.
Com o objetivo de incentivar a troca de conhecimento entre as famílias, que em meio a outras atividades dependem da pesca para viver, a parceria entre o programa da FASE na Amazônia, o Fundo Dema e a Fundação Ford possibilitou um encontro coletivo a partir da articulação com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Realizado entre os dias 15 a 20 de outubro, na atividade foi apresentada a experiência de manejo participativo do pirarucu, que tem estimulado o desenvolvimento de iniciativas similares em diversas regiões da PanAmazônia.
A experiência foi iniciada com visita ao Instituto Mamirauá, no município de Tefé (AM), onde os participantes puderam vivenciar o histórico de assessoria às comunidades voltada ao manejo do pirarucu e a organização dos pescadores para o desenvolvimento de um sistema de manejo participativo e sustentável, iniciado ainda na década de 1990 devido à intensa exploração comercial da espécie e com a proibição da pesca durante todo o ano.
A medida afetou inúmeras famílias que residiam em áreas de várzea e tinham a venda do pirarucu como importante componente de sua renda. No entanto, por se tratar de uma atividade de subsistência, considerando que a agricultura e a pesca são as principais atividades econômicas da população do Médio Solimões, os próprios pescadores, com o apoio do Instituto, tomaram a iniciativa de promover o trabalho de forma legalizada, conquistando a autorização para a pesca voltada a um sistema manejado. “Foi importante saber o que esses pescadores passaram. Foi uma vida muito sofrida. As grandes geleiras atacavam por lá e por isso a quantidade do pirarucu diminuiu. Com isso, houve a proibição do pescado e as famílias locais é que foram prejudicadas. A atividade de manejo da pesca é muito importante e é essa experiência que levaremos para compartilhar com famílias da Resex e do PAE Lago Grande, em Santarém”, relata Marilene Rocha, representante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém e membro do Comitê Gestor do Fundo Dema.
A partir do segundo dia de atividade, a equipe paraense seguiu para a RDS. Criada em 1998 e com uma população de aproximadamente 4 mil pessoas, a reserva possui três sistemas de manejo de pesca, entre os quais Coraci, Pantaleão e Paraná Velho. Junto à Reserva Extrativista de Mamirauá, que também é assessorada pelo Instituto, somam-se 25 comunidades ribeirinhas envolvidas, que chegam a produzir cerca de 300 toneladas de pirarucu ao ano.
Ameaças ao território e aos modos de vida
Morador da comunidade Soledade, localizada no PAE Lago Grande, em Santarém, José Lair enfrenta uma realidade cercada por ameaças de grandes projetos econômicos e empreendimentos, voltados à mineração e ao agronegócio, que vêm se instalando em seu território. Com a construção de hidrelétricas, a instalação de portos graneleiros, a abertura de rodovias, a exploração mineral e madeireira, o plantio de monocultivos, a pesca predatória, por exemplo, têm-se uma profusão de conflitos com os povos tradicionais e as comunidades locais devido impactos socioambientais provocados por estes projetos do grande capital, que impactam diretamente na qualidade de vida das famílias e destroem o meio ambiente de modo irreversível.
Diante da experiência no intercâmbio, comparando à realidade em vive, José planeja alertar os moradores do PAE Lago Grande sobre os mecanismos para garantir a vida na Amazônia. “O que mais me chamou atenção foi a forma de organização das famílias com o envolvimento das mulheres e os jovens nas atividades. Outra coisa foi a conscientização dos moradores na valorização dos recursos naturais pensando nas gerações futuras. Pretendo compartilhar esse conhecimento com outras comunidades, pois também temos uma diversidade de lagos, rios e peixes, mas precisamos fazer um trabalho forte para garantir o sustento das nossas famílias no futuro, porque a pesca ilegal na nossa região aumenta a cada dia”, afirma.
Fortalecendo o conhecimento tradicional
Com uma experiência aguçada, os pescadores e pescadoras conseguem planejar o trabalho somente por meio da observação. Esta análise é feita no momento em que o pirarucu vem à superfície para respirar. A partir da visão e da audição são capazes de obter as informações fundamentais para o manejo, como a quantidade de peixe existente em um determinado corpo d’água e o tamanho aproximado do peixe.
Vale ressaltar ainda que a definição das cotas anuais de pesca nos ambientes de manejo é feita mediante a autorização dada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) por meio do método de contagem peixes, que é reconhecido pelo Instituto como um meio fundamental para o manejo da espécie em ambientes naturais na região Amazônica. Isso porque ao comparar os resultados da contagem dos pescadores com o levantamento de estoques, levando em consideração os métodos institucionais de marcação e recaptura, chega-se a uma estimativa de aproximação entre os resultados de ambos os métodos.
Após a realização da contagem, os pescadores mantêm o acordo firmado podendo remover somente 30% do pirarucu adulto, deixando os 70% restantes para assegurar a reprodução da espécie.
Valorização dos bens comuns
Ameaçadas pela exploração da pesca em larga escala, as famílias pescadoras da RDS Amanã se uniram e somaram esforços para contribuir com a valorização e a garantia do pescado enquanto bem comum. Para isso, criaram os “acordos de pesca” definindo normas voltadas à regularização da atividade conforme os interesses do grupo, juntamente com a conservação dos estoques pesqueiros, e que foram reconhecidas pelo Ibama.
De acordo com Samis Vieira, educador do programa da FASE na Amazônia, os principais desafios da proposta de manejo estavam na recuperação dos estoques de pirarucu em seus ambientes naturais e o estabelecimento de uma exploração sustentável, uma vez que o pescado é considerado a base da dieta alimentar das populações ribeirinhas. Além disso, a proposta de valorização do pirarucu passou a contribuir para a melhoria de renda das famílias. “O processo de sensibilização sobre a conservação dos recursos naturais, o modelo organizacional construído, o trabalho conjunto na pesca, a participação em capacitações, a vigilância de lagos, o beneficiamento e a comercialização do pescado foram de fundamental importância para recuperação dos estoques de pirarucu”, considera.
[1] Jornalista do Fundo Dema e educador do programa da FASE na Amazônia. Matéria publicada originalmente aqui.
[2] Área de 2.313.000 hectares.