05/06/2018 18:57
Eduardo Sá¹
A incidência política dos povos indígenas têm crescido cada vez mais junto ao movimento agroecológico brasileiro, e neste IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), mais de 25 etnias realizaram uma plenária, no sábado (2), para debater suas lutas, apresentar experiências e dialogar com o poder público sobre suas necessidades. Educação do campo, eventos indígenas, gestão ambiental dos territórios e direito à terra foram alguns dos temas abordados nas apresentações. A demarcação das terras indígenas foi o principal ponto encaminhado para a Carta Política do Encontro, que ocorreu em Belo Horizonte de 31 de maio a 3 de junho.
Lideranças indígenas participaram de uma mesa com um integrante da coordenação de promoção ao etnodesenvolvimento da Fundação Nacional do Índio (Funai), para trazer as demandas do movimento. De acordo com Douglas Kaingang, do Rio Grande do Sul, as instâncias de participação e acompanhamento dos indígenas nas políticas públicas, como o Conselho Nacional, estão paralisadas assim como as demarcações de suas terras. A partir das experiências apresentadas, segundo ele, ficou clara a íntima relação dos índios com seus territórios. “É preciso entrar na Funai e problematizar esse contraponto potente e criativo que é a agroecologia. Mas é preciso apurar esses conceitos, pois as práticas e saberes indígenas vão para além da alimentação fisiológica. Não é uma inovação, e sim tradições imemoriais muito mais amplas. Mas o primeiro passo para a agroecologia é a reivindicação de demarcação imediata das terras no documento final do Encontro”, reivindicou.
Nos últimos dois anos, o presidente da Funai foi substituído três vezes. O coordenador de fomento a produção sustentável que também estava na mesa, Leiva Martins, reconheceu que é um momento de muita fragilidade institucional e de desmonte estrutural do órgão. “A pauta indígena não é prioridade do governo federal e há uma grande diferença entre o corpo técnico e as direções, que estão sob controle de interesses partidários. Percebemos que a agroecologia é um eixo e diretriz que pode fortalecer a instituição na afirmação daquilo que é positivo, e nortear nossas ações. A luta agora é pela implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNAGATI), porque a diretoria de proteção territorial se encontra sob influência da bancada ruralista, existe um freio na demarcação de terras na instituição”, acrescentou.
Mais de oito mil indígenas urbanos estão espalhados pela capital mineira, segundo Marinalva Kamakã Pataxó Hã-Hã-Hãe, que coordena uma associação em Belo Horizonte (MG). Muitos deles, que estavam nas ruas ou em condições de vulnerabilidade, retomaram um terreno no bairro Esmeralda, onde estão atualmente 26 famílias reivindicando um lugar para morar e cultivar seus alimentos. “Já plantamos bastante e agora estão aparecendo vários projetos querendo tirar a gente. Estamos sem apoio nenhum e lá já foi até a polícia. A terra é tudo que precisamos, nessa greve [dos caminhoneiros] nós tínhamos nossas lenhas e alimentos para sobreviver. E queremos denunciar que pessoas estão se passando por índios para falar por nós e ganhar cargos políticos, precisam respeitar nossa comunidades”, alertou.
A discriminação, o racismo e o genocídio foram denunciados por Alcebíades, liderança da aldeia Raposa Serra do Sol, etnia Makuxi, de Roraima. “Todo dia estamos sofrendo na base, o sistema decide coisas e a gente se organiza para resistir. Nosso conhecimento está indo embora, crianças sendo expulsas de suas terras, imagina sentir isso na pele enquanto originário. Precisamos garantir e fortalecer nossa sustentabilidade, romper com esse derramamento de sangue. Dizem que não geramos ‘PIB’ como a tal da soja, mas fazemos muitas outras coisas que não são levadas em consideração”, criticou.
Experiências e denúncias
Mais de 10 participantes relataram suas vivências nas aldeias indígenas, trazendo temas que atravessam diversas diretrizes da perspectiva agroecológica. Trocas de sementes, intercâmbios de experiências, iniciativas educacionais em harmonia com a cultura local, sistemas agroflorestais, ações e programas de gestão territorial, dentre outras iniciativas, foram apresentadas. Denúncias graves de expansão de monocultura, mineração e projetos governamentais nos territórios também foram apontados. Os povos Munduruku, no médio Tapajós, no Pará, são um exemplo de resistência. Sofrendo com a mineração e dezenas de usinas hidrelétricas na região, conseguiram arquivar recentemente a Usina Tapajós. Para não entregar as terras e barrar a entrada dos grandes projetos, os Munduruku têm feito denúncias, usando celulares e câmeras.
Durante a plenária, todos e todas ressaltaram ainda a importância de um modelo adequado às condições locais para a formação das juventudes. Aulas fora da sala de aula, hortas nos terrenos das escolas, alimentos para a merenda das crianças e jovens, dentre outras práticas, foram relatadas em alguns estados. “A educação no campo fortaleceu a nossa língua, que muitos parentes já perderam. Com as hortas e plantios próximos garantimos nossa alimentação saudável e dos alunos sem depender de fora”, disse Josimar, da etnia Sateré Mawé, do Amazonas.
Na ocasião, houve o chamamento do povo Terena ao II Agro Ecoindígena, previsto para 2019, no município de Miranda (MS), a fim de promover trocas de experiências entre os povos indígenas. O primeiro evento ocorreu em 2016 e contou com a participação de nove etnias de todo o Estado, promovendo encontro de xamãs, troca de sementes e visitas a aldeias para fortalecer também a organização da região.
[1] Integrante do Coletivo de Cobertura do IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). Texto originalmente publicado aqui. Confira a síntese da Plenária dos Povos Indígenas.