Rebecka Santos
01/11/2023 17:06

No último dia 25, parte da equipe da FASE Pernambuco se reuniu com representantes da Secretaria de Saúde do Recife (SESAU) para discutir políticas específicas para a saúde das mulheres pescadoras. Somaram-se ao encontro a Articulação Nacional de Pescadoras (ANP), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), a ONG Caranguejo Uçá e a Colônia de Pescadores e Pescadoras Z1 – Brasília Teimosa.

O grupo foi recebido pelas Gerências de Políticas de Ciclos de Vida e Públicos Prioritários, da Vigilância de Saúde do Trabalhador e de Saúde da Mulher. A equipe do mandato do vereador Ivan Moraes, autor da emenda parlamentar que destina verba para políticas de saúde específicas para pescadoras artesanais, também participou da conversa.

Foto: Rafaela Clericuzi/Mandato Ivan Moraes

Foram apresentadas demandas elencadas pelas pescadoras dos 11 territórios pesqueiros da Região Metropolitana do Recife, que apontam lesões de pele, problemas de visão, LER – Lesão por Esforço Repetitivo e infecções do trato reprodutivo como as principais comorbidades relacionadas à própria natureza da profissão, bem como consequências da poluição das águas e dos mangues. Os termos da Cartilha sobre Saúde das Pescadoras, organizada pelo Ministério da Saúde, foram orientadores da reunião, uma vez que o guia serve para os estados e municípios organizarem seus planos de intervenção para promoção e prevenção dos agravos em saúde dessas mulheres.

A SESAU, através das pastas citadas, expôs as ações em curso da Atenção Básica e acordou alguns encaminhamentos com as(os) presentes: i) Visitas da equipe de vigilância em saúde nos 11 territórios pesqueiros para matriciamento, identificação e conhecimento das demandas e necessidades sanitárias e de saúde da população pesqueira; e ii) construção de um plano de trabalho para implementação de políticas de saúde com intervenções de vacinação, dispensa de EPI e medicamentos específicos, disponibilidade de exames ginecológicos, referenciamento para dermatologistas, ações de prevenção a IST’s, registro da função pescadora no prontuário eletrônico da Atenção Básica e aporte do beneficiamento do pescado e educação em saúde. Uma nova reunião para apresentação do plano de trabalho pela Secretaria foi marcada para o dia 28 de novembro.

 

TRABALHO DA FASE COM MULHERES PESCADORAS

O trabalho da FASE Pernambuco junto às mulheres pescadoras iniciou-se em 2012, quando a regional assumiu a coordenação do Programa Chapéu de Palha da Pesca Artesanal, em parceria com a Secretaria da Mulher do estado. No desenvolvimento e monitoramento dos cursos de formação do Programa, entre 2012 e 2019, foram em média 1.500 pescadoras participando das atividades e com acesso ao benefício da bolsa no período da entressafra por ano. Nas visitas às turmas, foram registradas diversas falas onde as mulheres colocavam a gravidade dos problemas de saúde vividos por elas. Rosimere Nery, educadora da FASE PE, vem acompanhando essa relação e explica o caminho percorrido até a realização desta reunião.

“Em 2017, nos colocamos para olhar a cidade e seus desafios a partir da pesca urbana. Participamos da construção do Encontro de Pescadores e Pescadoras Artesanais Urbanos de Recife e Olinda, onde as mulheres pescadoras continuaram relatando as doenças decorrentes do trabalho e as dificuldades de acesso aos tratamentos adequados, apresentando propostas em uma Carta Pública. Daí começou o debate junto com as organizações sociais e o mandato do vereador Ivan Moraes, que elaborou um PL, ainda em tramitação na Câmara de Vereadores do Recife, para que seja reconhecido o trabalho dos pescadores e das pescadoras com políticas públicas que retirem esta população da invisibilidade na cidade do Recife”, relata a pedagoga.

Uma das principais demandas levadas à Secretaria de Saúde do Recife se refere à formação de profissionais de saúde para que eles(as) possam identificar melhor as doenças relatadas pelas pescadoras. “As mulheres expõem que sempre que chegam aos postos de saúde, os (as) profissionais de saúde não conseguem classificar como uma doença que seja decorrente do trabalho que elas realizam. Inclusive, às vezes passam medicação para uma doença que elas não têm. Várias reclamaram que os médicos acham que é sarna e não que é decorrente de alguma bactéria ou germes adquiridos no mangue. É esse processo que estamos desenvolvendo, para que os(as) profissionais de saúde façam esse reconhecimento e realizem um tratamento adequado paras mulheres pescadoras”, complementa Rosimere.

 

CONTEXTO DAS MULHERES PESCADORAS EM PERNAMBUCO

A situação das mulheres pescadoras no Recife e em Pernambuco é tema de preocupação especialmente após o derramamento de petróleo que atingiu a costa brasileira e a pandemia da Covid-19. Em 2020, a FASE Pernambuco iniciou a pesquisa Mulheres Pescando Cidadania no Rio e no Mar e, através de 412 questionários aplicados com pescadoras do litoral sul e norte do estado, registrou que a maioria dessas mulheres são negras (91,3%), com idade entre 30 e 59 anos.

Isso revela um profundo racismo ambiental e institucional no processo de desmonte das políticas públicas e assistência à categoria. As mulheres e suas famílias seguem em situação de total desproteção social, sem acesso ao atendimento e infraestrutura adequados na rede de saúde, situação que se repete muito antes do crime do petróleo e da Covid-19, revelando o quão cruel são os impactos das desigualdades sociais de classe, raça e gênero na formação social brasileira.

*Comunicadora FASE Pernambuco