14/02/2017 14:25
Élida Galvão¹
A Amazônia tem sido alvo de projetos desenvolvimentistas e a complexidade deste processo foi debatida durante o Seminário “Amazônia – territórios e significados em disputa”, em Belém (PA), nos dias 9 e 10 de fevereiro.
Promovido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com o programa da FASE na Amazônia, o encontro reuniu pesquisadores, acadêmicos, representantes dos movimentos sociais, lideranças comunitárias, grupos de mulheres, indígenas, quilombolas, entre outros, que dialogaram sobre os problemas enfrentados tanto com os grandes empreendimentos já concretizados, quanto com futuras ameaças na região.
Durante o evento, o geógrafo e professor na Universidade Federal Fluminense Carlos Walter destacou a complexidade da Amazônia frente às múltiplas culturalidades, tempos e espaços. “Não dá pra discutir a Amazônia ignorando que ela é parte de um sistema-mundo capitalista e colonizado. Esse sistema racializado queria colonizar quem não era branco, e racializou também os indígenas. Portanto, esta é uma ciência voltada à exploração de índios, negros, mulheres e até do trabalho”, analisa.
“Vive-se um momento de barbárie na Amazônia”, afirmou a socióloga e professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA) Edna Castro, ao fazer uma analogia da colonização da Amazônia às invasões bárbaras. Ela destacou que a crise gerada a partir desta colonização está relacionada a um conceito desenvolvimentista baseado na exploração, no desperdício, na mais valia e na violação de direitos. Para ela, “as políticas nacionais apostam na intensificação de commodities. Com isso, se amplia a quantidade de portos, estradas, ferrovias, hidrovias, construção de hidrelétricas. Esta é uma fase de destruição tão grande que jamais se conheceu na América Latina. E a economia é insuficiente para se entender o tamanho da violência, da crise vivemos hoje”.
De acordo com Alfredo Wagner, antropólogo e professor na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a atual conjuntura brasileira exerce influência direta sobre as novas formas organizativas na Amazônia, sobre a noção de política e o padrão de relações políticas. “Vivemos em um momento do triunfamento do agronegócio. O fim do licenciamento agrada o agronegócio. Remover o licenciamento e aumentar o tamanho das barragens é um ato de genocídio”, explica. O antropólogo ressalta que a compreensão sobre a situação social se torna ainda mais difícil porque “perdeu-se o senso de justiça cidadã”.
Territórios ameaçados
Com grande potencial de biodiversidade, a Amazônia atrai empresas que acabam assumindo a força do estado. Levantando a questão, o cientista político e professor na Universidade Federal de Rondônia Luiz Fernando Novoa destacou a relação entre o Estado-Capital e o papel do financiamento a empreendimentos. “Os grandes projetos na Amazônia são pequenos poderes políticos privados. O Estado se amplia para o econômico. O consenso das commodities na Amazônia é mais profundo que outras regiões”, pontua.
Relatando os constantes desafios frente às ameaças e a luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas, Sônia Guajajara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), afirmou que esta população está em meio a uma disputa cruel. De acordo com ela, os indígenas vivem na pele as constantes ameaças capitalistas. “O monstro está chegando com toda a força por meio de hidrelétricas, ferrovias, estradas, portos, por meio da mineração”, salienta.
Segundo Sônia, atualmente há 182 medidas em tramitação no Congresso Nacional que impactam negativamente os direitos dos povos indígenas. Destas, 19 tratam da flexibilização do licenciamento ambiental. Diante desta realidade, os indígenas correm o risco de perder seus territórios. “Se a Lei muda, a gente perde o respaldo legal de fazer a luta e começamos a ser criminalizados. Agora a tentativa do governo federal é a de tirar a atribuição da Funai [Fundação Nacional do Índio ] sobre a identificação dos territórios para o licenciamento ambiental. Esta é uma forma de diminuir nossa resistência”, desabafa.
Lutar e resistir
“As empresas chegavam aqui e com um GPS² ficavam anotando tudo sem nos dizer nada e faziam até piada quando perguntávamos do que se tratava. Mas com a ajuda da grupos como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Tapajós Vivo, percebemos as ameaças e começamos a frear a entrada deles na comunidade. Hoje estamos mais orientados sobre o que está acontecendo e sei que vai ser um desastre para a região inteira, caso a hidrelétrica seja construída”, destaca Risonildo dos Santos. Morador da comunidade Pimental, localizada às margens do Rio Tapajós, na região da BR 163 (PA), Risonildo expõe sua preocupação com a ameaça da construção da Usina Hidrelétrica São Luís do Tapajós. “Nesta região, cerca de 80% dos moradores são pescadores e pescadoras que dependem diretamente dos recursos que o rio oferece para sustentar suas famílias”, explica.
Com a ajuda de pesquisadores da Universidade Federal e Estadual do Amazonas e por meio da Associação Comunitária dos Pescadores e Moradores de Pimental (ACPMP), os moradores produziram uma cartografia social da área em que a comunidade está localizada para que as pessoas possam perceber a riqueza socioambiental existente na região. “A cartografia divulga o que tem na nossa comunidade, mostra a vida, os costumes, a cultura. O que temos aqui é muito forte para ser destruído”, diz Risonildo. Ele destaca que a comunidade está há dois quilômetros da projeção de uma das barragens previstas e que será diretamente impactada, caso a proposta de construção da hidrelétrica se concretize.
[1] Jornalista do Fundo Dema, do qual a FASE faz parte.
[2] Guia de Posicionamento Global.