Paula Schitine
23/04/2024 09:00
O segundo dia do Seminário Nacional foi dedicado a conhecer as práticas e os resultados do projeto Amazônia Agroecológica, executado pela FASE e o Fundo Dema. O evento, que aconteceu em Belém, começou com um giro por instalações pedagógicas de cinco eixos principais trabalhados nos territórios: chamadas públicas, construção social de mercados, auto-organização das mulheres, sociodiversidade e tecnologias sociais. A educadora do Fundo Dema, Beatriz Luz, explicou que essa atividade foi pensada para que representantes das comunidades de agricultores e agricultoras familiares, agroextrativistas, populações tradicionais, ribeirinhas e indígenas demonstrassem seus modos de vida e produtos de seus territórios e povos. “É uma proposta com a apresentação de algumas experiências que ao mesmo tempo anunciam e significam o nosso fazer dentro da Amazônia Agroecológica. Então, apesar das pedagogias populares, a gente trouxe um conjunto de materiais, um conjunto de simbologias, e as pessoas, os sujeitos contando suas experiências”, relembra a educadora.
Na instalação pedagógica dedicada ao tema Construção de Mercados, Saguio Moreira, representante do CTA (Centro de Tecnologia Agroecológica) do Mato Grosso, mostrou como funciona a Rota Caminhos da Agroecologia, que conta atualmente com 90 grupos produtivos em 19 municípios do estado. “Não adianta produzir se não tiver para quem vender, então é uma estratégia de disputar com o agronegócio que hoje percorre as grandes BRs com soja, e outros produtos da monocultura, trabalhando com grupos produtivos para disputar esse espaço levando a agroecologia”, explica.
Em outro espaço, sobre a auto-organização de mulheres, a agroextrativista de Santarém, Marilene Rocha, vice-coordenadora da Associação de Mulheres da Resex Tapajós de Arapongas, levou a experiência das cadernetas agroecológicas. Ela ressalta a importância desse instrumento para o controle e organização de sua produção. “Essa caderneta mostra quanto eu ganho mensalmente, o que eu gasto diariamente e a diferença. Então, ela veio dar um suporte muito importante para nós, porque hoje alguém que me pergunta quanto é que eu ganho, eu digo que sou funcionária do meu próprio negócio, porque eu administro e sei quanto eu ganho”, orgulha-se. “A caderneta agroecológica, na verdade, despertou nossa autonomia como mulher, nossa diversificação da produção e descobrimos que tudo que tem no nosso quintal produtivo tem valor”, completa.
Na instalação sobre diversidade, Daniela Araújo, do território extrativista do Pirocaba, mostrava ao público sementes, mudas, frutas, vegetais, óleos e a riqueza do solo da floresta. “Existe uma diversidade, não só de sementes, mas também de plantas. Hoje, no nosso território, Pirocaba, a gente construiu dentro do espaço uma área coletiva. Lá a gente tem os SAFs (Sistemas Agroflorestais) um local para fazer ração e um canteiro das plantas medicinais, que é uma farmácia viva, produzida pelas mulheres. Durante o processo desse projeto a gente aprendeu muita coisa e a gente colocou em prática”, lembra ela.
Diálogos sobre preservação e Agroecologia
O seminário seguiu com os diálogos. A educadora Jaqueline Santos apresentou resultados e desafios vivenciados durante a mesa: “Processos educativos e construção dos caminhos para a conservação ambiental, combate às mudanças climáticas e promoção da Segurança Alimentar e Nutricional”, coordenada pela FASE Amazônia. Jaqueline expôs resultados importantes do projeto Amazônia Agroecológica no Pará, como o envolvimento de 2807 mulheres, a implantação de 655 quintais e hortas e 12 unidades de beneficiamento. “As ações de manejo e enriquecimento dos SAFs contribuíram para diversificação da produção (essências florestais, frutíferas e medicinais), favorecendo o aumento da população de abelhas. Os sistemas agroecológicos demonstraram que não é preciso grandes áreas para aumento da produção de alimentos e geração de renda. A valorização da sociobiodiversidade ampliou a oferta de produtos às feiras e mercados institucionais”, exemplificou a educadora. Essa mesa também teve as presenças de: Vanessa Schottz, da Comissão de Produção e Abastecimento do CONSEA /UFRJ; Tatiana Sá representante da EMBRAPA/CPATU e Anderson Castro, Secretário adjunto da Secretaria Estadual de Agricultura Familiar do Pará e Daniela Araújo, representante da Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos do Pirocaba.
O público presente participou trazendo questionamentos práticos. Um dos grandes desafios são as muitas exigências burocráticas que por várias vezes prejudicam e atrasam o acesso a políticas públicas para a produção camponesa. Essas reclamações foram respaldadas pelas autoridades presentes. ”No PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), muito daquilo que é uma legislação amigável não é devidamente implementado. São feitas exigências que não correspondem à legalidade, são exigências até ilegais, que impedem, dificultam uma participação mais efetiva”, confirma Anderson Castro. “Claro que com todos os pressupostos, com todas as exigências necessárias para preservar a saúde dos consumidores, para que possa ter uma forma de monitoramento e validação dos procedimentos, mas numa lógica que respeite essa diversidade, que respeite essa forma de produção, que se não for feito dessa forma, vai empurrar muitas famílias para a não legalidade ou ilegalidade como queira e vai deixar de promover aquilo que essas famílias podem e devem fazer de melhor, que é fazer uma produção de alimentos, de fibras, de óleos, de produtos a serem usados pelas indústrias de medicamentos, de cosméticos baseado no uso múltiplo da floresta”, avalia o secretário-adjunto.
Diálogos sobre Comercialização
Tão importante quanto a produção é a venda de produtos da Agroecologia. A equipe da FASE Mato Grosso conduziu a mesa de diálogos“Construção Social de Mercados: economias populares e perspectivas de abastecimento alimentar e conservação ambiental”. O educador da FASE Mato Grosso,Robson Guido Mourão Prado fez uma exposição apresentando os resultados do projeto Amazônia Agroecológica no estado. Foram implantados 150 apiários, promovidas 43 feiras agroecológicas solidárias e implantada uma plataforma online de comercialização. O educador também ressaltou a importância da criação do Centro de Tecnologia Alternativa (CTA), em 1991 e que é um importante parceiro do projeto. Saguio Moreira, representante do CTA, na sequência, revelou números importantes da Rota de Comercialização Caminhos da Agroecologia, criada em 2018 e que atende 1270 famílias em 19 municípios das regiões da Baixada Cuiabana e Cáceres, no sudoeste do estado, até a fronteira com a Bolívia. “A gente entende que nosso objetivo é disputar mercado com o agronegócio. E já acessamos mercados do PNAE em 14 municípios com 200 escolas e 50 mil alunos atendidos. Os valores comercializados em 2022 foram de 4,2 milhões de reais com 125 toneladas de alimentos fornecidos”, expôs Saguio. Também participaram da mesa Naiara Bittencourt, da Diretoria de Política Agrícola e Informações/CONAB, de forma virtual; Raimundo Nonato, da direção estadual do Setor de Produção do MST/PA; Fábio Pacheco, ANA Amazônia e Elianne Arruda Pires, da Secretaria Municipal de Educação de Cáceres/MT.
Feira de Troca de Sementes, produtos e artesanatos
O evento ainda proporcionou ao público uma mística para troca de sementes crioulas e a oportunidade de comprar produtos da agroecologia na feira de produtos alimentícios e artesanais.
A agroextrativista, Marisete Cardoso Batista, que faz parte da Associação Raízes do Bacuri, levou as artess feitas por artesãos e artesãs da comunidade. Ela conta que o projeto Amazônia Agroecológica possibilitou conhecer novos mercados.”A gente tinha muita dificuldade para trazer nossos produtos para Belém e outros lugares para comercializar. E com os cursos e as feiras a gente conseguiu”, lembra ela. “A FASE tem um trabalho muito importante na nossa comunidade, ela nos ajuda, nos apoia em todos os projetos que pode. Então, isso de trazer a gente para a feira é muito, muito gratificante mesmo, é muito bom”, comemora.
*Comunicadora da FASE