11/06/2020 10:56

Élida Galvão¹

Vivenciando muitas violências com a invasão de grandes empreendimentos em territórios tradicionais, os povos da Amazônia têm tentado se esquivar de mais esta dura realidade imposta com a chegada da pandemia do novo coronavírus. Sem acesso às políticas públicas de saúde, a população tem sido desafiada a sobreviver em meios ao caos instalado no Norte do país. Há diversos registros oficiais de contaminação por Covid-19 nas regiões mais longínquas dos ambientes rurais da Amazônia.

Com um dos índices mais baixos de distanciamento social e uma das piores situações do país em números de contágios e de óbitos, o Pará continua apresentando um avanço acelerado de casos. Embora, os cuidados recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sejam adotados, a Covid-19 tem feito inúmeras vítimas nas aldeias, nos quilombos, nas comunidades agroextrativistas, de agricultores e agricultoras familiares e ribeirinhos, ampliando a estatística de casos .

Com a ausência de um plano governamental voltado ao resguardo da saúde da população, organizações da sociedade civil têm articulado importantes ações emergenciais para atenuar a crise reforçada pela pandemia. Junto a outras parcerias, o programa da FASE na Amazônia e o Fundo Dema tem prestado assistência a centenas de famílias das regiões do Baixo Amazonas, BR 163, Baixo Amazonas e Baixo Tocantins, no Pará, fortalecendo uma rede de cuidados e solidariedade.

Baixo Amazonas

Em parceria com o Greenpeace e a Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE), no âmbito do projeto “Todos os Olhos na Amazônia”, a FASE tem feito doações de cestas básicas, kits de higiene e limpeza e distribuição de máscaras para famílias de diversas comunidades do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, localizado em Santarém. “Juntamente com a FASE e o Greenpeace fizemos uma campanha de solidariedade alcançando famílias de 15 comunidades do PAE Lago Grande. Também estamos no aguardo de outras parcerias para que a gente possa comprar mais kits de higiene para dar esse suporte às comunidades, pois sabemos que não está sendo fácil. É muito preocupante o avanço da pandemia nos interiores”, destaca Rosenilce Vitor, representante da FEAGLE.

Foto: FASE Amazônia

As trabalhadoras rurais do Baixo Amazonas também têm sido beneficiadas com a distribuição de alimentos e materiais de higiene. Em parceria com a organização Habitat Brasil, a FASE tem garantido a ampliação da doação às famílias da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Belterra (AMABELA), da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Santarém (AMTR) e da Associação de Mulheres Agricultoras Familiares de Mojuí dos Campos (Flores do Campo). Além disso, fortalecendo essa rede de afetividade, elas mesmas produzem máscara para distribuir à população. “Como maneira de favorecer a geração de renda, as máscaras são compradas das mulheres que produzem nas próprias comunidades e depois a FASE distribui para as famílias”, diz Sara Pereira, educadora da instituição.

A comunicação também tem se desenvolvido como uma importante estratégia para fazer a informação chegar até as comunidades. No território do Baixo Amazonas, as famílias sofrem com a precarização dos meios de comunicação e a forma de ter acesso à informação é por meio de aplicativo de bate papo. Embora o desafio seja grande, de acordo com Sara, “a FASE está produzindo spots para WhatsApp e rádios comunitárias, além de cards para ajudar a informar e mobilizar as comunidades no enfrentamento à pandemia. Além disso, em Santarém, a FASE tem um programa semanal chamado Café Regional, que tem veiculado informações com relação aos perigos da pandemia, formas de prevenção e direitos da população, bem como divulgação de iniciativas de solidariedade às comunidades”.

Baixo Tocantins

No território do Baixo Tocantins, em parceria com diversas instituições, entre elas Aktionsgemeinschaft Solidarische Welt (ASW), Fastnopfer e Miserior, a FASE também tem contribuído para que o impacto da crise seja amenizado nas comunidades de populações tradicionais acompanhadas pela organização. Desde março, já foram distribuídas mais de 4 mil cestas básicas, com materiais de higiene e de limpeza e mais de 4 mil máscaras, beneficiando comunidades quilombolas, agroextrativistas e de agricultore familiares, entre elas, Laranjituba, África, Moju Miri, Bom Remédio, Guajará de Beja, Bacuri, Médio Itacuruçá, PAE Santo Afonso, Bacuri, Abacatal, Pirocaba, Tauerá de Beja e Tauerazinho.

Foto: FASE Amazônia

No entanto, de acordo com Lourenço Bezerra, educador da FASE, a solidariedade tem sido explicitamente vivenciada nos territórios e a dimensão do atendimento foi maior do que o previsto. Isso porque as próprias comunidades dividiam os mantimentos recebidos para atender o maior número de famílias possível. “Somente neste território, a FASE conseguiu atender mais de 500 famílias com um recurso de aproximadamente de R$ 26 mil. A entrega de cada cesta foi pensada para uma família, mas os áudios que recebemos das comunidades em agradecimento, relatavam que a ajuda foi muito importante e que todos dividiram uma cesta em duas, para buscar atender mais pessoas”, conta.

Ainda de acordo com Lourenço, o recebimento das cestas tem provocado comoção diante da difícil situação em que as famílias se encontram, já que não conseguem vender os produtos que têm. Para ajudar na renda familiar, a FASE viabilizou a produção remunerada de máscaras em algumas comunidades, como Laranjitura, África e Bacuri para serem distribuídas a tantas outras. Moradora da comunidade Médio Itacuruçá, Ivanilde Carvalho relata que muitas famílias ficaram sem acesso à alimentação e o apoio da FASE ajudou principalmente àquelas em situação de extrema vulnerabilidade. “Com as cestas recebidas, nós fizemos duas ou três e dividimos entre as pessoas que tinham mais necessidade. As máscaras, distribuímos entre as famílias e levamos um quantitativo para o posto de saúde, porque muitas pessoas chegavam lá sem máscara por não ter condições de comprar”, diz.

Fundo Dema

Com atuação nas regiões da Transamazônica, BR 163, Baixo Amazonas e Nordeste Paraense, o Fundo Dema, enquanto fundo de apoio às populações tradicionais em defesa da Amazônia, tem se somado à FASE nesta grande campanha de solidariedade. Por meio da articulação com as organizações que compõem o Comitê Gestor, a equipe da FASE na Amazônia, e em parceria com diversas outras presentes nos territórios de atuação, o Fundo também tem contribuído para a distribuição de cestas básicas, materiais de limpeza, higiene e máscaras.

Além da doação de alimentos, outras ações têm sido mobilizadas nos territórios. As associações de mulheres do Baixo Amazonas, por exemplo, têm pressionado as prefeituras, fortalecendo a campanha impulsionada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) voltada ao retorno do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) com a destinação de R$ 1 bi para o programa, tanto para assegurar a renda aos/às trabalhadores/as rurais, dinamizando a comercialização dos produtos que acabam estocando pela pouca viabilidade nas vendas, quanto para garantir a segurança alimentar e nutricional das famílias com crianças nas escolas públicas.

Outra ação emergencial que o Fundo Dema vem realizando tem sido a distribuição de medicamentos homeopáticos a populações tradicionais. De acordo com Graça Costa, presidenta do Comitê Gestor do Fundo Dema, “a decisão do Fundo está baseada nas informações oficiais que dão conta que o vírus já está presente em 62% do total de municípios do país. Essas cidades abrigam 91,75% da população. Isso equivale a 192,8 milhões de brasileiros. No Pará, essa situação se repete, onde já se nota a combinação de doença e fome, que podem aumentar o número de mortes nesta crise. Muitas famílias estão lutando para poder alimentar seus filhos e as organizações comunitárias têm realizado sucessivas campanhas e ações para arrecadar recursos no sentido da ajuda às pessoas mais vulneráveis, fornecendo comida e auxílios em materiais de higiene e limpeza a quem mais precisa, principalmente sabão”.

Membro da Associação Brasileira de Homeopatia Popular e representante da Diocese de Altamira/Xingu no Comitê Gestor do Fundo Dema, Ir. Marialva Vieira tem dedicado toda sua atenção à campanha de solidariedade. Ela tem acompanhado bem de perto a distribuição de máscaras, alimentos e também dos preparados homeopáticos para a prevenção de doenças e para o resguardo da saúde das populações tradicionais nas regiões de atuação do Fundo. “Estamos enviando uma caixa de medicamentos que vai para todas as famílias da Malungu², também em Abaetetuba e Barcarena [Nordeste Paraense/BaixoTocantins]. Ainda esta semana enviaremos medicamentos para as comunidades quilombolas em Gurupá, para o fortalecimento da imunidade. Já estamos organizando máscaras e álcool em gel para enviar junto. Lá, o grupo responsável vai mobilizar as mulheres, as benzedeiras, fazendeiras de banho para o cuidado com as pessoas. Já no Baixo Amazonas, contamos com a atuação do Frei Amarildo, que está bastante envolvido com todas as comunidades indígenas”, explica.

Entre os grupos beneficiários da ação emergencial estão as aldeias indígenas localizadas na região do Baixo Amazonas, acompanhadas pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), totalizando um quantitativo de 632 famílias, 2.800 pessoas, 7 aldeias e 3 comunidades não indígenas, sendo 25 famílias de agricultores familiares no município de Monte Alegre. Entre as comunidades quilombolas estão sendo beneficiadas 635 famílias em Gurupá, sendo 2.320 pessoas; na região do Baixo Tocantins serão distribuídos medicamentos homeopáticos a 500 famílias quilombolas e mil máscaras de proteção. E na região da Transamazônica 15 famílias já foram beneficiadas no município de Medicilância e outras 41 famílias de agricultores e agricultoras familiares no município de Uruará.

[1] Jornalista do Fundo Dema.

[2] Coordenação das Associações da Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará, organização que integra o Comitê Gestor do Fundo Dema.