12/09/2006 10:34
Nos últimos dias 6 e 7 de setembro, índios Tupinikim e Guarani das aldeias de Aracruz, no Espírito Santo, derrubaram cerca de 10 hectares de eucaliptos na área que lhes pertence tradicionalmente, invadida e explorada pela empresa Aracruz desde os anos 60. O objetivo desta ação das comunidades indígenas é cobrar da FUNAI e do Ministério da Justiça o máximo de agilidade na edição da portaria de demarcação de 11.009 hectares, encerrando a disputa pela terra com a Aracruz que já dura mais de 35 anos.
A presidência da FUNAI, através do chefe-de-gabinete Raimundo José de Souza Lopes, se comprometeu a encaminhar hoje, 11 de setembro, o processo da terra Tupinikim/Guarani, inclusive o parecer da FUNAI sobre a contestação da Aracruz, para o Ministério da Justiça e para que o Ministro Márcio Thomaz Bastos emita, sem mais demora, a portaria de demarcação. O prazo para a FUNAI fazer este encaminhamento já venceu desde o dia 20 de agosto.
Os Tupinikim e Guarani decidiram manter as ações hoje, 11 de setembro, a limpeza da área dos 11.009 hectares dos eucaliptos que tanto causaram problemas, danos ambientais e sociais e culturas às comunidades indígenas. Eles vão apenas derrubar as arvores de eucaliptos, não retira-las do local, reafirmando assim que a luta é pela terra, para que ela seja reflorestada, e novamente possa servir para o bem-estar das comunidades. E prometem manter estas ações de protesto até que a portaria de demarcação seja publicada.
A Aracruz Celulose reagiu publicamente às ações, afirmando como sempre que tem certeza de que as terras são de sua propriedade. E usou mais um argumento que surpreendeu a todos(as): afirmou na televisão (Jornal Capixaba, 06/09/2006) através do seu porta-voz Gessé Marques que “os índios não são índios”, ou seja, se não são índios, não têm direitos a ocupar e reivindicar uma terra indígena. A empresa, na contestação apresentada no dia 20 de julho à FUNAI, sugere que a área em questão nunca foi habitada pelos Tupinikim, ou seja, os índios a quem a FUNAI se refere nos seus quatro estudos sobre as terras não serem índios. A empresa afirma que os “supostos” Tupinikim seriam já muito aculturados tendo, por exemplo, título eleitoral e não mais falando sua língua original. E os adornos usados e tradições mantidas tampouco seriam deles. Em relação aos Guaranis, a Aracruz afirma que eles simplesmente não seriam da região, jogando fora toda uma mitologia e modo de vida Guarani secular que levou o grupo a caminhar até a região do município de Aracruz, ainda antes da invasão da empresa em 1967, quando ficaram encantados com a quantidade de mata nativa ainda presente, antes da devastação empresarial.
A FUNAI, no seu parecer antropológico sobre a contestação da Aracruz, rebate as afirmações, no mínimo desrespeitosas, da empresa. O órgão oficial do Governo Federal escreve que “não são traços externos isolados entre si que permitem caracterizar um grupo como indígena”. E mais, “tradição não é peça congelador, e as populações indígenas de que estamos tratando aqui tiveram que empreender grande esforço adaptivo para persistir como grupos indígenas ao mesmo tempo em que se viam incorporados nos contextos locais e regionais”. Aliás, “quem não se adaptou foi aniquilado”. Quando Aracruz quer submeter os Tupinikim a uma visão “romântica” daquilo que seria ‘índio’, ela “nega a possibilidade de os índios brasileiros serem tratados como cidadãos, respeitadas as especificidades de suas formas de organização social e política”. Em outras palavras, estamos tratando aqui de uma empresa que demonstra uma total falta de compromisso com uma sociedade pluri-étnica, multi-cultural, onde direitos de populações indígenas, e outros grupos tradicionais, sejam plenamente respeitados, este sendo inclusive o espírito da Constituição Brasileira de 1988.
É importante que todos(as) divulguem (inter-)nacionalmente mais este desrespeito da Aracruz Celulose, uma visão desta multinacional, somada a todo o poder político-financeiro que possui, que está sendo divulgando amplamente entre seus trabalhadores e na opinião pública regional, buscando mais uma vez manipular o imaginário da população regional para que esta se (re)volte contra os Tupinikim e Guarani e contra sua justa luta. Ao mesmo tempo, trata-se de um ato de desespero de uma empresa que já fez reuniões no passado e até assinou acordos com a Comissão Tupinikim e Guarani e com a Associação Indígena Tupinikim e Guarani. Como então esta empresa vem afirmar agora que “os índios não são índios”?