16/08/2008 17:49

Errata (setembro de 2014):

Esse texto contém um erro. São José dos Buriti fica em Minas Gerais e não no Espírito Santo, como consta na matéria. A empresa em questão, a PLANTAR, atua nos dois estados, e isso pode ter provocado a confusão à época. Pedimos desculpas e esclarecemos que os créditos de carbono em destaque no filme ‘The Carbon Conection’ são de uma transação entre Minas Gerais e Escócia.

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Fausto Oliveira

 As verdades já inegáveis do aquecimento global trouxeram uma preocupação geral, porém com reações peculiares. Já sabemos que há dióxido de carbono demais na atmosfera, o que faz subir a temperatura do planeta, e os desequilíbrios climáticos conseqüentes estão aos olhos de todos. É, portanto, forçoso admitir que o mundo precisa emitir menos dióxido de carbono na atmosfera. A forma do poder econômico abordar o problema beira o humor: propõem um mercado de carbono, pelo qual quem plantar alguma espécie vegetal num lugar, está autorizado a poluir em outro. O esquema teórico já é frágil; a realidade dele é desastrosa. Um vídeo promovido por uma organização internacional com apoio da Fase Espírito Santo mostra como o mercado de carbono é uma mistificação grosseira.

Duas comunidades foram registradas em vídeo, uma no município de São João do Buriti, no Espírito Santo, e outra na cidade de Grangemouth, na Escócia. O que elas têm em comum? O fato de que ambas estão vivendo gravíssimos problemas ambientais relacionados a empresas. E o pior e mais surpreendente: estas empresas usam uma a outra para limpar suas reputações, por meio do chamado “mecanismo de desenvolvimento limpo” que promove o mercado de carbono.

Aos fatos. Em São João do Buriti, a empresa Plantar é dona de mais da metade da área do município, que é rural. A Plantar usa o território para cultivar a monocultura do eucalipto, parte da qual vira carvão vegetal e o resto é vendido à fabricante de celulose Aracruz. No vídeo, a população local conta que seus córregos e riachos se foram, sugados pelas raízes de dezenas de milhares de eucaliptos (a árvore consome água subterrânea demais e é exótica nos biomas da América do Sul).

Enquanto isso, Grangemouth está completamente contaminada por uma unidade de produção da British Petroleum (BP). Bem no meio da cidade, a BP espalha muita fumaça, barulho, mau cheiro e uma monstruosa paisagem. A vida em Grangemouth, como dizem os moradores, é muito ruim. O que os dois lados vieram a descobrir fazendo o vídeo é que a BP de Granegmouth ganha do Banco Mundial créditos de carbono porque financia as plantações de eucalipto em São João de Buriti. Eucaliptos são árvores, sim, mas cultivadas da forma como é feito no Espírito Santo, é uma falácia dizer que elas compensam os danos feitos pela BP na cidade escocesa. Mas é exatamente isso o que se dá. A BP ganha dinheiro, consciência tranqüila e reputação ilibada porque leva famílias brasileiras a perder suas fontes de água. Na verdade, por ser certificada com o selo verde do Forest Stewardship Council (FSC), a BP ganha com isso o direito de poluir.

Esta é apenas uma das facetas reais do mercado de carbono, cujo maior controlador e mediador de compras e vendas atualmente é o Banco Mundial. Com os créditos de carbono obtidos com a Plantar, a BP pode vendê-los a outras empresas poluidoras, ou usar sua autorização para poluir mais em Grangemouth. Este caso é exemplar porque, mesmo que de um lado se possa argumentar que os eucaliptos capturam carbono da atmosfera, também é verdade que capturam água do subsolo, tiram espaços da vida animal e arrebentam as condições de produzir alimentos de maneira sustentável em São João do Buriti. É de esperar, afinal monoculturas de eucalipto não são florestas, são plantações de árvores com destinação produtiva. São tratadas à base de fertilizantes (e em breve com transgênicos) e as contaminações apenas mudam de feitio, mas continuam sendo o que sempre foram: contaminações do meio ambiente.

A farsa do mercado de carbono é uma das mais bem pregadas mentiras da história recente. Ela é o resultado maior do tão incensado Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 por 156 países. Kyoto definiu metas de redução das emissões de dióxido de carbono, mas alguns governos (Estados Unidos à frente) exigiram a criação de um mecanismo de mercado para participar do esforço. Assim nasceu o infame mercado de carbono, expressão embelezada para o que deveria ser chamado de comércio de poluições, uma vez que a permissão para emitir carbono pode ser comprada e vendida pelas empresas.

O vídeo feito pela organização européia Transnational Institute em parceria com a Fase Espírito Santo foi feito como uma troca de correspondências. Primeiro, os capixabas gravaram depoimentos sobre sua situação, que foram exibidos aos escoceses de Grangemouth. O mesmo foi feito pelos britânicos, e mostrado aos capixabas. A documentação deste processo, adicionada às imagens dos próprios depoimentos de cada comunidade, é a essência do vídeo, cujo título é A Conexão Carbono (The Carbon Connection, em inglês) e tem poucas cópias disponíveis para organizações interessadas em usá-lo como instrumento de educação popular e ambiental. As cópias têm opção de legenda em português e podem ser requisitadas à Fase Espírito Santo.