03/03/2016 14:48

‘A massa que multiplica’. Esse é o slogan que as mulheres de São Francisco da Volta Grande, comunidade do município de Belterra, no Pará, escolheram para a padaria Mão na Massa, um empreendimento coletivo, idealizado, construído e gerido por um grupo de mulheres que acreditou na força da união, multiplicando esperança em um novo tempo, com melhor qualidade de vida.

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Dia da inauguração da padaria comunitária “Mão na Massa”. (Foto: Fundo Dema)

Essa conquista foi celebrada em meio a fogos de artifício, música e discursos entusiasmados. A Padaria Mão na Massa foi inaugurada¹ a menos de um mês, no dia 19 de fevereiro, marcando a realização de um sonho cujas vantagens não são apenas financeiras, mas, sobretudo, na autoestima das mulheres.

Elas demonstram total capacidade e contribuem para o aumento da confiança em administrar a padaria. Integrante do grupo, Neguinha, como gosta de ser chamada Maria Ivanilda Norato, fala com orgulho sobre o empreendimento que visa o benefício direto às mulheres envolvidas a partir da renda gerada, e indireta à comunidade, com contribuição à segurança alimentar das 200 famílias da localidade. “Este foi um meio de organizar as mulheres e incentivar para o trabalho coletivo, tirando muitas delas da situação de violência doméstica. A comunidade não tinha padaria e esta é a primeira. Nós iniciamos com 300 pães. No segundo dia, foram 400. E hoje já produzimos 500”, comemora.

MÃO NA MASSA (1)De acordo com Neguinha, as 13 mulheres que integram a Mão na Massa se dividem em três grupos. Cada dia um deles fica responsável pelas fornadas, iniciadas às 5h da manhã. Com experiência acumulada ao longo de oito anos, por meio de capacitações apoiadas por diversas instituições parceiras, além dos pães convencionais, as mulheres investem em criatividade: produzem pães de açaí e de pupunha, dois frutos nativos da região amazônica. E ainda fabricam bolo de milho, de macaxeira, de arroz e de banana. A iniciativa é uma lição de economia solidária, uma vez que os custos e os rendimentos do projeto são equitativamente distribuídos entre elas, fazendo que assumam coletivamente os bônus e os riscos da atividade.

Mulheres de luta

Contando com a parceria de seus companheiros e filhos, os quais se ocupam de assar e vender os produtos da padaria, as mulheres de São Francisco da Volta Grande se fazem maioria na comunidade, tanto em número quanto em presença política. Desde a formação do lugarejo, elas sempre estiveram à frente do processo organizativo. Fundaram a Associação dos Moradores Agrícolas da Comunidade de São Francisco da Volta Grande, por exemplo, e continuam na dianteira de ações de melhorias para a comunidade.

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Iniciativa começou a ser articulada há pelo menos oito anos. (Foto: Fundo Dema)

Localizada em uma região ameaçada pelo monocultivo da soja, São Francisco da Volta Grande sofre com as consequências do agronegócio. O êxodo rural, a redução de áreas florestais e o aumento de pragas nas lavouras de famílias agricultoras são alguns dos problemas enfrentados pela população local. Com limitações nas condições para o cultivo e a criação de pequenos animais, a abertura de outras atividades econômicas tornou-se fundamental para a garantia da subsistência coletiva.  Para os próximos anos, as mulheres visam acessar políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Fundo Autônomo de Mulheres

Inicialmente apoiada pelo programa da FASE na Amazônia e pela ActionAid as mulheres já tinham conquistado a construção da sede.  Bingosingos e outras atividades garantiram a multiplicação dos investimentos. A partir de meados  de 2015, com o apoio do Fundo Autônomo de Mulheres Rurais da Amazônia Luzia Dorothy do Espírito Santo, o grupo conseguiu comprar equipamentos que faltavam para dar início à produção, como o forno e a bancada para os pães.

Sempre com a "Mão na Massa": da construção à produção do pão. (Foto: Fundo Dema)

Sempre com a “Mão na Massa”: da construção à produção do pão. (Foto: Fundo Dema)

Voltado ao apoio a ações coletivas de mulheres que atuam na região do Baixo Amazonas, o Fundo Autônomo de Mulheres integra o Fundo Dema. Seu objetivo se pauta na organização das mulheres com o propósito de avançar numa perspectiva emancipatória.“Essa iniciativa já vinha sendo feita pelas mulheres. Começou com um projeto pequeno, mas elas foram muito persistentes. Com o Fundo Autônomo de Mulheres, elas se juntaram ao processo de mobilização e sempre contribuíram com a vontade de concretizar seus sonhos. As mulheres buscam sempre, de forma coletiva, a autonomia, não só econômica, mas também no sentido de serem donas de sua existência e de suas decisões”, analisa Graça Costa,  integrante da FASE na Amazônia e do Comitê Gestor do Fundo Autônomo de Mulheres

Para ela, por meio deste fundo específico, as mulheres têm a capacidade de gerar um  empreendimento solidário que poderá agregar mais integrantes no futuro. “Ali também circulam outras informações. Elas dialogam sobre a superação das dificuldades, sobre os desafios de serem mães, lideranças comunitárias e, até mesmo, sobre suas atuações na esfera religiosa. A maior importância é a autonomia, a cidadania e a coletividade conquistada pelas mulheres”, conclui.

[1] Texto de Élida Galvão, do Fundo Dema, e Sara Pereira, da FASE na Amazônia.