22/03/2016 12:07
Evanildo Barbosa da Silva¹
Estamos na semana do Dia Mundial da Água. O marco é o dia é 22, oficialmente criado em 1992 pela Organização das Nações Unidas (ONU) com objetivo de chamar a atenção da população para sua preservação. Em 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou, através da Resolução A/RES/64/292, que a água limpa e segura e o saneamento básico são direitos humanos. Sendo assim, a passaram a ser um direito garantido por lei.
Desde cedo ajudamos a elaborar conceitos como o de saneamento integrado, saneamento ambiental, saneamento básico para se afirmar e integrar seus quatro componentes essenciais (água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos). Mas, eles mal se realizam separadamente e o “ajuste” na economia realizado ano passado, pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, deu a cacetada final nas expectativas de financiamento público das metas democraticamente aprovadas para a política nacional de saneamento básico, desintegrando na prática o que apenas estava desabrochando como política pública.
Em paralelo, nos últimos anos, na contramão dos esforços realizados por organizações como a FASE, no Comitê de Saneamento do Conselho Nacional das Cidades, vimos agravar, no Brasil, a crise hídrica em grandes aglomerados urbanos e proliferarem doenças hídrico-sanitárias como dengue, zika, chikungunya agora associadas aos problemas de microcefalia. A ONU alertou que, para combater o vírus Zika, é necessário que os países melhorem o saneamento básico já que, por exemplo, na América Latina, 100 milhões de pessoas vivem atualmente sem acesso a sistemas adequados de saneamento e 70 milhões não têm água encanada.
E mesmo assim, comemora-se o Dia Mundial da Água. Mas, há mesmo o que comemorar?
Se hipoteticamente estivermos “celebrando” desde as periferias a resposta será não! É lá que se manifesta a síntese do racismo ambiental de um novo tipo, dado que nenhum dos componentes do saneamento integrado se realiza sequer razoavelmente, pois se não há coleta do lixo não tem como salvar os cursos d`água; se não drenar as águas fluviais o lixo embarreira rios e córregos e logo temos novos criadouros para a reprodução de mosquitos; se não tiver habitação adequada e se ainda sobreviverem como “moradias” os cortiços, as palafitas e as áreas de mananciais que sustentam alguma água não haverá drenagem urbana e nem esgotamento sanitário plausíveis, reforçando-se para todos e todas, no geral, o perverso ciclo do não ter o que comemorar, no particular, para as periferias.
Abra a torneira e veja a cor da água. É transparente? Tem cheiro? Em muitas casas não há torneira. Em outras há, mas nem sempre tem água. Quando tem, ninguém garante que a água sempre será transparente e sem cheiro. No Brasil, menos de 60% da população tem acesso à rede de esgoto².
Além da escassez de água em algumas regiões do planeta, enfrentamos a poluição. Estima-se que 20% da população mundial não tenha acesso à água limpa e, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), cerca de 1.400 crianças com menos que cinco anos de idade morrem todos os dias em decorrência da falta de água potável, saneamento básico e higiene.
Um estudo recente feito pela Trata Brasil³ analisou o saneamento em 100 cidades brasileiras, apenas 36 investem mais de 30% do arrecadado com água e esgoto. A cidade com o pior índice de perdas de faturamento é Manaus, com 75%. É preocupante ver que pouco tem sido aplicado na melhoria dos serviços. Maceió tem um dos menores índices de saneamento do Brasil.
Bem, apesar do imenso déficit no acesso água e dos muitos problemas sociais e de saúde que isso produz, mesmo assim temos um Dia Mundial da Água! Só não temos mesmo é o que comemorar, ainda.
[1] Diretor da FASE, historiador e doutor em desenvolvimento urbano (UFPE/MDU).
[3] O Trata Brasil utiliza os dados mais recentes do Ministério das Cidades sobre saneamento no Brasil, que são de 2014.