31/05/2016 16:14

Élida Galvão¹

Projetado para aumentar a produção de energia elétrica no Brasil, o megaprojeto intitulado Complexo Hidrelétrico do Tapajós, que vem sendo planejado pelo Governo Federal desde 2008, prevê a construção de 43 barragens na Bacia do rio Tapajós e os afluentes Teles Pires, Juruena e Jamanxim, cuja dimensão soma mais de 700mil km² e inclui os municípios de Santarém, Belterra, Itaituba, Trairão, Novo Progresso, Aveiro, Juruti, Rurópolis e Jacareacanga, no Pará, além do município de Maués no estado do Amazonas, territórios por onde transcorre o Rio Tapajós com cerca de 2mil km de extensão.

Foto: Matheus Ortelo

Foto: Matheus Ortteloo / FASE

Com o planejamento sendo feito sem consulta pública, o projeto virou alvo de questionamentos de moradores, povos e comunidades tradicionais possivelmente afetadas com o empreendimento. Para debater os impactos com construção de barragens na Bacia do Tapajós, o Ministério Público Federal (MPF), com o apoio de diversas organizações, entre elas o Fundo Dema, realizou, no mês de maio, o seminário “Impactos, desafios e perspectivas dos grandes projetos na Bacia do Tapajós”, em Itaituba (PA). O evento reuniu representantes de órgãos públicos, ambientalistas, cientistas, povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais preocupados com as graves consequências socioambientais, o que possibilitou ouvir diferentes vozes diretamente impactadas, caso o projeto seja autorizado. Mesmo tendo sido convidados, representantes da Eletrobrás e do Ministério de Minas e Energia, não compareceram ao encontro.

Durante o seminário, diversas denuncias de violações de direitos humanos foram levantadas inclusive o aumento da violência contra a mulher e da exploração sexual de adolescentes em Belo Monte. A Cacica Nicéia Munduruku (como se autodenomina) do Alto Tapajós, falou na sua língua nativa e convocou a unificação da luta em defesa do rio ameaçado pelo desenvolvimentismo. “Não queremos ver nosso rio, os peixes e os povos doentes. A nossa luta é única pelo nosso rio Tapajós. Queremos que o governo respeite a nossa cultura, o nosso modo de viver”, disse ela em discurso traduzido por uma familiar.

De acordo com Sara Pereira, educadora do programa da FASE na Amazônia, o seminário foi muito importante porque conseguiu levantar informações atualizadas acerca dos grandes projetos de infraestrutura que estão sendo pensados para a bacia do Tapajós. “Os projetos não ocorrem de maneira isolada. Tanto hidrelétricas, portos, mineração, extração madeireira, de alguma forma estão relacionados entre si e um acaba existindo em função do outro. Esses projetos traduzem um modelo de desenvolvimento baseada na exploração dos recursos naturais para exportação, no uso da terra de forma desordenada. Porém, para as comunidades locais, como ribeirinhos, beiradeiros, indígenas, quilombolas e populações urbanas dessas cidades o que fica são apenas os impactos negativos socioambientais”, avalia.

Crítica à suspensão

Após o termino do seminário, o MPF convocou audiência pública para debater os impactos das barragens projetadas para a Bacia do Tapajós. Além de povos e comunidades afetadas, estiveram presentes cientistas, ambientalistas, representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

Foto: Matheus Otterloo

Foto: Matheus Otterloo / FASE

Questionado sobre o impasse do licenciamento da obra durante a audiência pública realizada, o superintendente do Ibama, Hugo Américo, afirmou que atualmente este licenciamento da barragem está suspenso. Sua fala gerou muitas indagações principalmente de indígenas e ribeirinhos, que consideram que por ser inconstitucional, a obra deve ser cancelada e não suspensa. A suspensão do licenciamento foi determinada em abril deste ano pelo órgão ambiental devido a sua inviabilidade constitucional. Isso porque a construção da barragem da usina prevê o alagamento do território indígena Munduruku e o consequente remanejamento deste povo, o que é constitucionalmente proibido.

De acordo com o MPF, em abril, após reunião com a Funai, o Ibama suspendeu oficialmente o licenciamento da usina São Luiz do Tapajós depois de ter recebido pareceres técnicos que apresentavam impedimentos constitucionais para a continuidade do processo. Considerando que a Constituição brasileira (reforçada pela Convenção 169 da OIT a qual o Brasil é signatário) veda a remoção de povos indígenas de suas terras originárias. Vale lembrar que em dezembro de 2014, o povo Munduruku aprovou um protocolo de consulta prévia que diz como quer ser ouvido diante da proposta de construção de hidrelétricas em seu território Sawré Muybu, finalmente reconhecido pela Funai após forte pressão dos movimentos sociais e que será alagado caso a obra se concretize. “O governo não pode nos consultar apenas quando já tiver tomado uma decisão. A consulta deve ser antes e todas as reuniões devem ser em nosso território”, diz um dos trechos do Protocolo Munduruku. A elaboração do documento conto com assessoria do MPF no Pará, do programa da FASE na Amazônia e outras organizações integrantes do Projeto Convenção 169.

Segurança da sociedade e a proteção do meio ambiente sob ameaça

"Essas barragens são lavagem de dinheiro". (Foto: Matheus Ortteloo)

“Essas barragens são lavagem de dinheiro”. (Foto: Matheus Ortteloo)

A discussão sobre os grandes projetos ganha destaque no momento em que efervesce uma mobilização social em torno das ameaças que tramitam no Congresso Nacional contra o licenciamento ambiental. Com a intenção de driblar o controle público e facilitar o avanço de empreendimentos, inclusive os que podem causar grandes impactos socioambientais, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2012 dispensa o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) como condição de segurança para a continuidade de obras públicas.

Ampliando o debate à sociedade, o MPF vem proporcionando debates em diversos municípios. Durante a discussão realizada em Santarém, o órgão lançou uma carta aberta à população brasileira com o objetivo de alertar sobre as ameaças que estão por trás da PEC. Além deste documento, uma Nota Técnica contrária à proposta também foi lançada. Depois de Santarém, a discussão será pautada em outras dez cidades com datas já marcadas.

[1] Jornalista do Fundo Dema, do qual a FASE é parte, com informações do MPF e do Movimentos dos Atingidos por Barragem (MAB).