16/06/2016 12:09
Rosilene Miliotti¹
Produzir imagens para debater as desigualdades das cidades e analisar os conflitos e violações urbanas foram alguns dos objetivos do curso² “Tensões Urbanas na Composição Fotográfica³”. Em entrevista, Aercio de Oliveira, coordenador do programa da FASE no Rio de Janeiro, faz um balanço da iniciativa, que teve sua primeira edição realizada em novembro de 2015, e avalia a importância da produção de imagens para construção de um imaginário de cidade.
Como a fotografia pode combater as violações de direitos?
Está claro que uma foto em si não é o bastante para esse tipo de combate. Fotógrafos e fotógrafas como Luiz Baltar, Rachel Gepe e tantas e tantos outros anônimos, apresentam e registram o cotidiano da perspectiva dos conflitos. Atuam no meio da tensão provocada por interesses antagônicos, inconciliáveis. É um trabalho militante que ajuda na construção de outro imaginário e na luta contra as violações.
Uma foto, além de servir objetivamente para denunciar, faz parte dos autos como prova contra determinada violação de direitos, também pode causar indignação, gestos de solidariedade e mobilização política. A imagem, ao mesmo tempo em que contribui para banalizar ou naturalizar fatos e fenômenos sociais, também tem a força de mexer com a nossa capacidade de projetar, construir padrões, emocionar e indignar. A indignação, as emoções, podem se transformar em uma ação de pressão política, de revolta contra o que está estabelecido. E hoje, as novas tecnologias facilitam a produção e a difusão de imagens. Claro que tem predominado a estupidez, o conservadorismo, etc. Mas não dá mais para ignorar a capacidade desses meios em problematizar inúmeros tipos de violações e, inclusive, auxiliar que uma violação seja reparada.
Qual a importância da imagem na criação de um imaginário da cidade?
Produzir imagem é uma das maneiras de nos comunicarmos no mundo. A imagem é parte da nossa linguagem. Quando olhamos para trás, encontramos as pinturas rupestres nas cavernas produzidas por nossos ancestrais, que nos ajudam a entender em parte como eram os hábitos, as crenças, o modo de sociabilidade daquele período. Mas a imagem, além de expressar a maneira como vivemos e nos sentimos no mundo, também influencia na forma como elaboramos nossas crenças e nossos juízos. Ou seja, damos forma às imagens e, ao mesmo tempo, somos impactados subjetivamente e intersubjetivamente pelas imagens produzidas.
O que acontece no Rio de Janeiro, desde que a cidade foi escolhida para sediar a Copa do Mundo, em 2014 e as Olimpíadas, em 2016, é um exemplo do poder da imagem para conformar um imaginário coletivo a partir da perspectiva que facilite a consumação das ideias e dos interesses dos agentes privados que atuam na cidade, com o absoluto apoio dos governos, para fazer negócios, em detrimento dos interesses públicos.
As belezas naturais do Rio, por exemplo, são ressaltadas neste mundo imagético, e, ao mesmo tempo, as desigualdades, o nosso inferno urbano ficam fora do “enquadramento”. Ao privilegiar só uma perspectiva das cidades, se limita a capacidade das pessoas avaliarem criticamente o que está em curso. Com isso, se constrói um distanciamento cada vez maior entre as pessoas e ideias envolvidas em situações espacialmente tão próximas. Com tanta seletividade e sedução, a maioria das pessoas passa, involuntariamente, a crer que a parte evidenciada é o todo.
Quando e por que surgiu esse projeto?
O curso parte de algumas ideias bem triviais. A de que o ato fotográfico tem cada vez mais se popularizado; de que os defensores de direitos humanos e militantes passam a registrar muitas fotos durante as lutas; de que os equipamentos que fazem fotografia são cada vez mais automatizados e sofisticados, bastando apenas enquadrar a cena e clicar; os conflitos urbanos são mais agudos, frequentes e complexos. Diante dessas constatações, avaliamos, com a participação ativa do Laboratório de Imagem do Instituto do Serviço Social da UERJ, representada pela professora Ziza Dourado, que deveríamos combinar a análise de determinados conflitos urbanos com a importância de conhecer técnicas básicas de composição fotográfica, como uma maneira de produzir imagens que possam colaborar na luta contra as violações. Pois se considerarmos o nível de automação dos equipamentos, basicamente, resta a quem for fotografar realizar uma composição “desalienada”. É no enquadramento que determinado fato poderá prender a atenção nesse oceano de imagens que estamos metidos. Além disso, a outra ideia se liga à continuidade da produção da cartografia social, pensando na fotografia como mais uma camada desta cartografia.
Ter fotógrafos (as) mais conscientes dessas violações faz diferença?
Saber o que está acontecendo, o que está em jogo naquele determinado conflito é muito importante para obter uma boa fotografia. Claro que isso não deve ser considerada uma regra universal. Temos vários exemplos de fotos produzidas por pessoas que pouco sabiam do que estava ocorrendo e foram úteis e importantes para a denúncia na dinâmica de combate às violações de direitos. Mas se a pessoa quer produzir um ensaio, quer entrar mais nas questões e retratar uma situação, é preciso conhecimento, investigação, proximidade, familiaridade mínima com a questão e o tempo. Não é fácil explicar isso muito bem, pois há componentes subjetivos em questão, mas existe uma diferença na qualidade, na densidade dos resultados de quem entra mais na questão e fotografa e quem apenas passa e clica.
Vale ressaltar que o interesse pelo curso foi muito grande e demonstra que as pessoas que trabalham com imagem fotográfica, profissionalmente ou não, desejam conhecer de maneira mais abrangente os diferentes tipos de violações e conflitos urbanos que acontecem na região metropolitana do Rio de Janeiro. Aliás, a questão territorial foi importante, pois estiveram pessoas de diferentes cidades da região metropolitana, que estão envolvidas diretamente em conflitos. O curso⁴ mostrou que precisamos ajustar melhor os temas e trabalhar alguns por mais tempo e com certa profundidade.
[1] Jornalista da FASE.
[2] Uma iniciativa promovida pelo programa da FASE no Rio de Janeiro e pelo Laboratório de Imagem da Faculdade de Serviço Social da UERJ.
[3] As fotos que ilustram essa entrevista foram produzidas pelos (as) participantes do curso.
[4] A nova edição do curso ainda não tem data definida, mas será no segundo semestre deste ano. Para participar, os interessados (as) devem ser militantes que usam a fotografia, que morem na região metropolitana do Rio de Janeiro e que tenha qualquer equipamento fotográfico (celular, câmera compacta ou profissionais, digital ou analógica).