01/12/2016 18:24
Coletivo de Comunicação do Encontro¹
O segundo dia de atividades do 7° Encontro Estadual de Agroecologia no Mato Grosso começou ao ritmo das bancas de alimentos agroecológicos sendo abastecidas e ao som de uma música do violeiro Zé Pinto, ‘Caminhos Alternativos’: “Amar o campo, ao fazer a plantação, não envenenar o campo é purificar o pão. Amar a terra, e nela plantar semente, a gente cultiva ela, e ela cultiva a gente”. Pouco a pouco, os participantes foram chegando e se instalando em frente ao palco onde aconteceria a primeira mesa de debates, cujo tema foi ‘Análise de Conjuntura – Avanço do Capital e os Impactos sobre a Agricultura Familiar e Camponesa’.
Os palestrantes, vindos de todas as regiões do estado e integrantes de organizações e movimentos sociais variados, evocaram preocupações em comum, todas ligadas ao sistema produtivo imposto pelo agronegócio. Entre as fazendas de pecuária, as grandes obras de infraestrutura, as monoculturas, como as de cana para etanol ou as de soja, afirmaram que os direitos dos trabalhadores rurais estão seriamente ameaçados.
Miguelina Campos, moradora da comunidade de São Manoel do Parí e membro da Associação do mesmo nome, denunciou que, além de serem envenenados pelas monoculturas que utilizam agrotóxicos em abundância, os agricultores familiares da região foram totalmente abandonados pelo governo. “Os governos atuais, estadual e federal, não dão subsídios para a organização e produção da agricultura familiar, mas eles sempre têm altos investimentos para o agronegócio”, disse. A agricultora da Baixada Cuiabana agregou que não há fomento para a educação no campo e que a juventude e as mulheres são as principais impactadas. Como se não bastasse, lembrou que os recursos destinados às políticas públicas essenciais como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Plano de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) estão sendo drasticamente reduzidos pelo governo ilegítimo de Michel Temer.
Domingos Sávio, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), de Cáceres, abordou justamente o contexto de golpe “cuja vítima é o Brasil”. Na opinião dele, durante os últimos 12 anos, a população os movimentos sociais tinham conseguido conquistar direitos, além de estabelecerem algum diálogo com o governo federal. No entanto, após tantos retrocessos, destacou que as conquistas que ainda não foram destruídas se encontram ameaçadas.
“O exemplo mais flagrante disso é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, mais conhecida como ‘PEC da morte’”, apontou Vitória Maria Ramos, militante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). “É uma proposta totalmente inconstitucional, pois foi decidida unilateralmente e fere profundamente os interesses do povo”, lamentou. Tanto os palestrantes quanto os participantes concordaram que a união e organização entre movimentos sociais, associações da agricultura familiar e da população em geral é necessária para defender e lutar por direitos, pensar outro tipo de sociedade e enfrentar “um sistema insustentável e um governo golpista e corrupto”.
Comida de Verdade no Campo e na Cidade
Na parte da tarde, a segunda mesa de debates abordou o tema ‘comida de verdade no campo e na cidade’ com base em experiências agroecológicas. Laura Ferreira, da Associação da Comunidade Negra Rural do Quilombo Ribeirão da Mutuca (Acorquirim), declarou que “comida de verdade” é aquela tradicional, como era cultivada e consumida pelos ancestrais, sem venenos ou transgênicos. “Temos que valorizar a agricultura familiar camponesa que dá uma alimentação saudável. Mas, para isso, precisamos de terra e de políticas publicas que nos apoiem”, disse.
No mesmo sentido, Nério Gomes de Souza, da Associação Regional de Produtores Agroecológicos (Arpa), explicou que o sistema agroecológico é possível. O agricultor afirma isso por experiência própria, já que faz parte das 104 famílias do assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Roseli Nunes que produzem roças de forma agroecológica. Após utilizar o necessário para a subsistência das famílias, elas comercializam alimentos para escolas, que atendem 8 mil estudantes, e 150 famílias da região, através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Contudo, o agricultor também lamentou que conquistas como essa estão sendo eliminadas.
Irmã Vera Maria Lobo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), explicou que a agroecologia foca também na conservação e divulgação das sementes crioulas, portadoras de conhecimentos e histórias tradicionais. Ela relacionou o tema à saúde, ressaltando a utilização de plantas medicinais. “Temos que lutar com unhas e dentes pela agroecologia. O nosso remédio deve ser o nosso alimento, e o nosso alimento deve ser o nosso remédio”, ressaltou lembrando um dito popular. Mas, para que tudo isso seja possível, segundo ela, é preciso seguir lutando por direitos e pelo reconhecimento dessa maneira de cultivar alimentos saudáveis. “A agroecologia contribui com a valorização do conhecimento dos agricultores e agricultoras”, concluiu.
Gias e o Encontro de Agroecologia
A necessidade de organização e colaboração para garantir os direitos também foi ressaltada por Fran Paula de Castro, educadora da FASE no Mato Grosso. Ela explicou que o encontro realizado pelo Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias)² é, justamente, um espaço planejado para esse tipo de debates, cujo objetivo é tomar decisões e elaborar encaminhamentos concretos para garantir o fortalecimento do sistema agroecológico no estado.
O Gias, ao qual pertencem cerca de 5o organizações, luta para demonstrar que a agroecologia é uma alternativa viável e justa dos pontos de vista social, ambiental, político e econômico. A articulação destaca que a agroecologia visa garantir a segurança e a soberania alimentar, proteger o meio ambiente, promover populações e povos tradicionais, empoderar mulheres, jovens e agricultores familiares, valorizando o intercâmbio de conhecimentos, tanto recentes como ancestrais.
Ainda durante a programação, foram realizados lançamentos de publicações e iniciativas relacionadas ao tema do evento. A Campanha “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida” foi apresentada por Isolete Wichinieski, também da CPT. “Defendemos que o Cerrado seja considerado patrimônio nacional, assim como outros biomas no país”, resumiu. Já o livro “Cadeira Industrial da Carne“, editado pelas organizações FASE, Rede de Integração dos Povos (REBRIP), Fundação Heinrich Boll Brasil e Institute For Agriculture e Trade Policy (IATP), foi lançado pelo pesquisador Sergio Schlesinger, um dos autores. Ele destacou que a indústria da carne brasileira domina mercados em outros países da América Latina. “E essas empresas do agronegócio ainda recebem subsídios públicos mesmo concentrando riqueza”, completou. O dia de atividades terminou com a apresentação musical de Gê Lacerda e Taba Silva, artistas e militantes da capital mato-grossense Cuiabá.
[1] Gilka Resende, da FASE, Andrés Pasquis, do Gias, e Elvis Marques, da CPT, com a colaboração de Wellington Douglas, também da CPT.