10/04/2017 11:56
Andres Pasquis¹
Vestidas com camisas na cor fúcsia, com pintura do artista mineiro Gildásio Jardim, durante três dias, mulheres circularam pela “Princesinha do Pantanal”, como é conhecida a cidade de Cáceres, Mato Grosso, para participar do Encontro Estadual Mulheres e Agroecologia. O evento foi organizado pelo Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias)² e mobilizou mulheres e homens de todo o estado, reunindo cerca de 400 mulheres de povos e comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, agricultoras familiares e campesinas com o objetivo de debater a participação da mulher na luta pela agroecologia, a organização e mobilização no contexto de perda de direitos e retrocessos no qual o país está passando.
Fran de Paula, educadora do programa da FASE no MT, destacou a diversidade de mulheres no Encontro. “Reunir mulheres do campo, da floresta e das águas, de diferentes regiões, foi enriquecedor tanto para nós que estávamos organizando, quanto para as participantes. Houve muita troca e os resultados são os desdobramentos na articulação, na rede dos Gias e o estabelecimento de parcerias”, avalia.
Para a abertura e recepção dos participantes, uma noite cultural foi organizada e as apresentações ficaram por conta de grupos tradicionais da região, como o Grupo Tradição. Durante todo o encontro, as mulheres contaram com pessoas dedicadas a tomar conta de seus filhos e filhas, e a cuidar da saúde delas através de técnicas como a bioenergética, reiki e shiatsu. Para elas, essa atenção fez toda a diferença.
Denúncias e reflexão sobre os retrocessos
O segundo dia de atividades contou com mesas de debates sobre experiências em agroecologia e a luta das mulheres, principalmente, sobre a conjuntura sociopolítica após o golpe no Brasil e como isso impacta diretamente às mulheres do campo e da cidade. Lucineia Freitas, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), disse que uma das principais e eternas desculpas utilizadas pelo governo de Michel Temer, para justificar o golpe e os incontáveis retrocessos que estão sendo cometidos, é a crise econômica. Para ela, se existe alguma crise, ela não é da população brasileira, e sim das empresas e lobbys que brincam com o dinheiro do país. “Essa crise pertence aos ‘grandes’, às empresas, aos que lucram. E como eles continuam lucrando, mas não tanto quanto antes, influenciam a tomada de medidas para a extinção e os cortes de direitos sociais, que impactam diretamente o povo. E as primeiras a sofrerem as consequências somos nós, mulheres”, denunciou.
A consultora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Gloria Maria Grande Muñoz listou vários dos retrocessos denunciados pelas participantes, Propostas de Emenda Constitucionais (PEC) e projetos de lei anunciados como “reformas” necessárias para lutar contra a “crise”. Entre eles, a PEC da Previdência (287/2016), que tem mobilizado o país nas últimas semanas, e que estabelece 65 anos como a idade mínima para a aposentadoria de mulheres e homens. Como se não bastasse o significativo aumento de contribuição da trabalhadora e do trabalhador brasileiro, a proposta não considera as diferenças entre o trabalho rural e urbano. “A PEC ignora totalmente o fato de que as mulheres, com a dupla jornada, trabalham bem mais do que os homens, quase sempre em piores condições de emprego e salário”, critica.
Glória denunciou ainda o Projeto de Lei para a Reforma Trabalhista. As mulheres, que já eram as mais desvalorizadas no âmbito profissional, são novamente as primeiras impactadas, já que são mais discriminadas e ocupam os empregos mais precários e instáveis. “Em todos os retrocessos muito graves para a população brasileira, as mulheres são ainda mais punidas. É uma violação no âmbito profissional, político, social, e até do próprio corpo da mulher, que não lhe pertence mais”, lamenta.
Após muita reflexão, as participantes concluíram o dia ao organizar a Feira Feminista e Agroecológica de Roças e Quintais, na praça Barão do Rio Branco, às margens do Rio Paraguai. A Feira ofereceu aos cacerenses a possibilidade de se deliciarem com produtos agroecológicos, cultivados e preparados por agricultoras e agricultores familiares de todo o estado, entre frutas, verduras, farinhas, pães, doces, sucos, licores e muito mais. Artistas também animaram a noite com apresentações de cururu, siriri, capoeira e rap.
Em marcha contra perda de direitos
No último dia do evento, as participantes fizeram uma avaliação sobre os direitos e as condições de vida em todo o estado e, assim, elaboraram propostas de ação. Conscientes de que a situação é muito grave, todas concordaram que é imprescindível a união, organização e luta. Entre muitas intervenções, Alexandra Mendes Leite, representante da etnia indígena dos Chiquitanos e da Associação Produtiva Indígena Chiquitano (Apic), disse que se as mulheres não se unirem, não irão vencer. “Os que estão no poder são homens, machistas e racistas, que vão acabar conosco. Por isso, nós, mulheres indígenas, também estamos nessa luta. Estamos todas na mesma luta”, afirmou.
Houve ainda troca de sementes e mudas, a finalização da Carta Política do Encontro e a marcha em protesto ao atual governo machista e os retrocessos por ele cometidos. As manifestantes pediram a garantia dos direitos historicamente conquistados e o fim da violência física, moral, social e institucional contra a mulher, condenando a cultura do estupro. Além disso, exigiram a implementação de uma política nacional e estadual de agroecologia através de redes e programas, como o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (Pronera).
Cidinha Moura, coordenadora do programa da FASE no Mato Grosso, avaliou que o encontro superou as expectativas. “Essa é a primeira vez que conseguimos juntar esse número de mulheres para discutir feminismo, agroecologia e o atual contexto político. O próximo passo é a preparação do 4º Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) em 2018”, comemora.
[1] Edição da matéria produzida pelo comunicador do Gias.
[2] Grupo do qual a FASE é parte junto com outras 40 instituições.