24/08/2017 17:43

Élida Galvão¹

Pressionado pela população que se fez presente na Audiência Pública sobre o projeto da Ferrovia Paraense S.A. (Fepasa) realizada em Belém, no Pará, Adnan Demachki, titular da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) encerrou a reunião sem respeitar os processos jurídicos para uma consulta plural e democrática e a súplica dos povos e comunidades tradicionais para a descontinuidade do projeto sem antes ouvi-los.

Parecendo não ter conhecimento sobre a diferença entre Audiência Pública e Consulta Prévia, Livre e Informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Adnan explicou aos presentes toda a trajetória da ferrovia e as milhões de toneladas de minério que o Estado pretende exportar. Tudo isso foi apresentado com base nos estudos prévios do empreendimento, feitos sem a participação dos povos indígenas, comunidades quilombolas e demais comunidades tradicionais. Porém, conforme prevê o tratado internacional, especificamente os artigos 6º e 7º, que apontam para a obrigatoriedade de participação destes povos “na formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente”, o que não ocorreu.

Representantes dos movimentos sociais estiveram mobilizados durante audiência pública ocorrida em Belém. (Foto: Elida Falcão/Fundo Dema)

“Consulta Prévia, Livre e Informada não é uma reunião onde as pessoas falam aleatoriamente. É um processo. As comunidades que têm que se reunir para decidir o que elas querem”, disse Jaqueline Felipe, educadora do programa da FASE na Amazônia, a Adnan que tentava marcar uma consulta prévia de forma indiscriminada, sem atentar para os procedimentos jurídicos necessários para isso.

Povos e comunidades ignoradas

Mesmo sem a participação da população atingida, já há um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) pronto e apresentado pela SEMEDE. Essa é uma tentativa de mostrar os benefícios econômicos. A secretaria produziu ainda um vídeo que enaltece o empreendimento. Além de ser exibido durante a reunião, a “propaganda” tem circulado nas redes socais. 

Para os povos indígenas e comunidades tracionais, o processo já está tão avançado ao ponto de se realizar Audiências Públicas, as quais deveriam acontecer somente após a Consulta prevista na OIT. “As reuniões técnicas ocorreram em agosto. Em setembro, vamos começar a receber contribuições para o Edital. Em outubro, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) deve fazer, em todos os municípios, audiências públicas, inclusive na região de Barcarena, em especial nas comunidades quilombolas que a Fundação Palmares autorizar. Não há nenhuma possibilidade de tocarmos o assunto adiante se não tiver as audiências públicas com as comunidades por onde o projeto vai passar. Em novembro teremos a publicação do Edital e, se tudo der certo, em fevereiro receberemos a documentação e finalizamos o processo em junho do ano que vem”, anunciou Adnan.

Frente à exposição do titular da Sedeme, Aurélio Borges, representante da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), questionou a ignorância dada pelo projeto às populações de comunidades reconhecidas em nível estadual pelo Instituto de Terras do Pará. “Nós quilombolas levantamos uma preocupação muito grande. Quando se diz que a Fundação Palmares está sendo convocada para dizer pra nós sermos consultados é um absurdo porque o estado do Pará tem jurisdição nacional e estadual. O estudo diz que o projeto vai respeitar áreas indígenas e quilombolas, mas ele considera apenas as áreas que estão tituladas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). E como ficam as comunidades quilombolas tituladas pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa)?”, perguntou Aurélio.

Audiência em Barcarena

Os moradores de comunidades tradicionais de Barcarena cobraram explicações sobre a falta de aviso público e a não realização da audiência na comunidade. Adnan tentou justificar dizendo que a Sedeme estava cumprindo um pedido judicial do defensor público Johny Giffoni, que acompanha o caso e por isso a audiência não aconteceu. No entanto, de forma contraditória, as redes sociais oficiais da Secretaria informam que a audiência em Barcarena não foi cancelada, mas adiada.

De acordo com Giffoni, já na primeira fase do projeto que envolve o estudo técnico de viabilidade econômica e financeira, houve violação dos direitos destas populações. Em razão disso, por meio da mobilização dos movimentos sociais, a Defensoria Pública encaminhou uma petição à justiça solicitando o cancelamento das audiências para que ocorram apenas após a Consulta Prévia Livre e Informada que,  segundo ele, deve ser feita de forma clara, concisa e explicativa aos povos e comunidades afetadas pelo empreendimento. 

“O que deve ficar claro é que a Sedeme não necessita de autorização da Fundação Palmares para realizar a Consulta Prévia com as populações que estão na abrangência da ferrovia. A Sedeme precisaria, antes de fazer o estudo de impacto, realizar a consulta, o que não foi feito. Essa seria a primeira fase. A segunda fase, das audiências públicas, é para dar transparência, nortear o processo de licitação, de leilão, contratação da empresa que vai fazer o empreendimento, por isso que ela deve ser precedida da consulta prévia, livre e informada”, destaca o defensor.

Barcarena é um dos municípios impactados pela Ferrovia e deverá ser projetado como o polo de recebimento ao escoamento de todo o minério conduzido pelo trajeto de 1.2312 km do empreendimento que passará por outros 23 municípios, de norte a sul do estado, e que pretende exportar cerca de 170 milhões de toneladas por ano para China, Japão, Estados Unidos e Europa.

[1] Comunicadora do Fundo Dema, onde o texto foi publicado originalmente.