16/02/2023 15:23

*Paula Schitine

Defender seus territórios é uma missão cada vez mais difícl para mulheres agricultoras da Amazônia, no oeste do Pará. Com a instalação do porto da Cargill em Santarém e as oerações de produção e exportação da soja, os modos de vida da região foram alterados e os terriórios isolados.

Sileuza Barreto do Nascimento. Foto: Paula Schitine

A presidente da Associação de Mulheres Produtoras Rurais de Mojuí dos Campos, Sileuza Barreto do Nascimento, explica que desde 2000 elas lançaram a campanha “não venda a sua terra”. “Quando os agricultores se mantêm na sua terra, o agronegócio não consegue se expandir, então a gente vem fazendo essa luta”, explica. “Mas infelizmente nos últimos quatro anos tivemos um aumento muito grande da venda de terras e, com isso, houve não só a expansão do agronegócio, do uso dos agrotóxicos, que é muito desenfreado, mas também alguns agricultores passaram a usar esses venenos”, lamenta.

Ela explica que a associação de mulheres foi criado em 2017 justamente para fortalecer a luta em defesa da agroecologia. Flores do Campo é um desses grupos que produz alimentos que são vendidos em feiras da região. Uma das fundadoras do grupo Rosilda Antônia, Mesquita de Araújo, mais conhecida como Rosinha, conta que a comunidade onde vive, o assentamento Comunidade estrada 01, no Município de Belterra, que chegou a ter 1.600,00 habitantes, hoje foi reduzido pela metade por conta da especulação imobiliária. “Muitas pessoas que vieram de fora tinham um acesso facilitado para empréstimo bancário e começaram a comprar terras. Algum empresário pequeno fazia um empréstimo bancário, comprava um pedaço de terra, daí vinha um maior  já comprava pelo dobro e foi dominando a região”, analisa. Além da questão do uso de agrotóxicos, o local ficou isolado, dificultando a vida de quem pernaneceu. “Não temos mais linhas de ônibus para a cidade”, diz Rosinha.

Grupo Amabela. Foto: Paula Schitine

Amabela é outro grupo de agricultoras do planalto santareno, no Pará. Formado hoje por cerca de 25 mulheres, elas sobrevivem da produção de seus quintais produtivos e contam com assistência da FASE e do Fundo Dema. “Antes eu não tinha o conhecimento que tenho hoje. Sou voltada para a agricultur e para o artesanato. A gente tem carro próprio, uma kombi que usamos bastante. A Amabela é tudo de bom. As frutas que a gente tem no nosso quintal são todas naturais, sem uso de agrotóxicos. Tem taperebá, cajazeira, açaí, pupunha, murici, abacate, bacaba”, orgulha-se a agricultora Márcia Cristina Slva Dias,

Doenças e ameaças ao meio ambiente

Irlanda (dir.) e companheira do grupo Amabela. Foto: Paula Schitine

Dona Irlanda de Almeida, uma das fundadoras da Amabela conta que a proximidade de alguns terrenos com as plantações de soja traz prejuízos incontáveis à saúde das pessoas e do meio ambiente. Produtores rurais da região relatam o aparecimento de diversos tipos de doenças. “Eles reclamam de enjoo, náusea, dor no estômago e outras queixas até mais graves como casos de câncer de tireoide”, relata.

Igarapé contaminado na Terra Preta dos Lúcios. Foto: Samis Vieira.

Além da saúde das pessoas, o solo e as águas dos igarapés da região conhecida como Terra Preta dos Lúcios estão contaminadas. “Já foram feitos testes e os resultados indicam que estão impróprias para consumo e para qualquer coisa”, lembra Sileuza. “Essas águas eram para pesca, para banho e consumo e hoje não podemos mais usar por conta da soja. As águas descem cheias de lama porque a nascente assoriou, acabou”, conclui o produtor rural Antônio Oliveira Lima.

Agricultora do grupo Flores do Campo. Foto: Samis Vieira

Os grupos de produtoras rurais mostram grande resiliência e, quando pergunto como mantém os quintais produtivos, as hortas e pomares, mesmo com tantas adversidades, elas respondem. “Isso é por causa da terra preta”, fazendo alusão ao tipo de solo cultivável com abudos naturais, legado de ancestrais indígenas.

 

 

 

 

Visita da Frente contra o Acordo UE-Mercosul

Agricultoras do grupo Flores do Campo assistem a vídeo sobre a soja. Foto: Paula Schitine

Representantes da Frente contra o Acordo UE-Mercosul, junto com organizações sociais, jornalistas e observadores internacionais ralizaram rodas de conversas com os dois grupos de produtoras rurais para alertar sobre os perigos deste acordo, que pode agravar ainda mais a situação em que vivem.

“A gente teme pela questão do Acordo porque já estamos vivemos uma situação difícil no contexto de meio ambiente, saúde, alimentação e não tem um olhar pra questão da agricultura familiar. E esse Acordo só vem para desestruturar cada vez mais a agricultura familiar, o movimento da agroecologia e até a produção orgânica da região”, teme Sileuza .

“O texto do acordo como está sendo discutido não corresponde aos parâmetros de direitos humanos e de defesa do meio ambiente, que nós consideramos importante”, denuncia Madalena Ramos, representante da ONG alemã, Misereor. “Muita coisa aconteceu nesses vinte anos de negociações e é preciso reformular as propostas e envolver a sociedade civil, principalmente as pessoas que arcariam com os custos. É preciso ir aos territórios afetados pela mineração, pelo agronegócio, e fazer estudos de impacto para saber quais serão as consquências para as pessoas”, enfatiza.

*Paula Schitine é jornalista da comunicação da FASE e viajou a convite da Frente Brasileira contra o Acordo UE-Mercosul.

A Frente Brasileira Contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul tem coordenação executiva composta por: FASE, Amigos da Terra, INESC, Jubileu Sul, Contraf Brasil e conta com apoios de Misereor e Heks.