Rebecka Santos
01/03/2024 15:16

Cerca de 45 mulheres reuniram-se nos dias 27 e 28 de fevereiro para compartilhar suas perspectivas sobre Direito à Cidade e Justiça Socioambiental no curso: “Feminismos, Raça e Direito à Cidade”, conduzido pela FASE Pernambuco com apoio da Misereor. Moradoras de periferias e ocupações urbanas  em diversas localidades da Região Metropolitana do Recife, mulheres, de várias idades, uniram-se para identificar as injustiças socioambientais presentes em seus cotidianos através da partilha das experiências com serviços e infraestruturas em seus territórios.

Foto: Rebecka Santos

Além dos debates teóricos, o grupo foi provocado a explorar uma região do bairro da Madalena, na Zona Norte da capital pernambucana, para comparar os aspectos naturais, infraestrutura, mobilidade, moradia e segurança com os locais onde residem. Questões como o Direito à Moradia e ao Lazer, garantidos para os moradores daquela área, chamaram a atenção das participantes.

Conectando essas experiências às suas realidades, as mulheres destacaram a Regularização Fundiária e os conflitos com os grandes empreendimentos imobiliários que resultam em despejos forçados dos seus locais de moradia. Luciene Maria, moradora da Ilha de Deus, compartilhou a preocupação com a falta de título de posse de sua casa, bem como a proximidade de um grande empreendimento comercial que ameaça sua comunidade.

André Araripe, educador da FASE Pernambuco, enfatizou: “Habitar com segurança fundiária e qualidade; ter acesso integral às infraestruturas como saneamento; ocupar os espaços públicos para passear, comercializar, exercitar;, desfrutar da natureza e das suas riquezas; e a população ter a capacidade de governar. Quando isso é dado para todo mundo, nós vivemos em uma situação de justiça socioambiental”. A partir desses pontos, outras ausências como saneamento básico, transporte, equipamentos de lazer, escolas e creches foram apontadas pelas mulheres para exemplificar a falta de políticas públicas que garantam o bem-viver e a dignidade da população periférica.

Na pesquisa “Parques urbanos e (in)justiças socioespaciais na Cidade do Recife: um estudo comparativo entre os parques da Jaqueira e da Macaxeira”, Maria A. L. Silva et. al comprova uma concentração maior de parques na RPA 3 (que contempla a população classe média alta e alta do Recife), enquanto que na RPA 2 (onde estão situados os morros da Zona Norte do Recife) e 5 (os bairros suburbanos e periféricos da Zona Oeste) não há nenhum parque urbano presente. Nesse sentido, o trabalho evidencia uma lacuna na presença de parques urbanos em áreas caracterizadas por índices mais baixos de renda da população.

“Hoje é um dia de chuva, na Madalena a gente viu que a água escoou rápido. Se eu chegar na minha comunidade agora, eu sei que o bairro de Afogados vai estar alagado”, uma constatação feita por Jéssica Talia, da Comunidade das Flores, observando a disparidade socioambiental entre as áreas periféricas e os bairros de classe média alta.

Outra observação constatada por elas foram as construções em cima do mangue pelas gestões municipais, a exemplo do Parque das Graças, ou muito próximo como os prédios. Essa ocupação irregular já foi denunciada em reportagem pela Marco Zero Conteúdo, destacando o descumprimento do projeto original do parque no que se refere à preservação do mangue. Em paralelo, famílias em situação de vulnerabilidade enfrentam a repressão por ocuparem as margens dos rios da cidade em busca de uma moradia.

O curso também serviu para elucidar algumas leis que salvaguardam os direitos de quem mora em periferias, como a Lei do PREZEIS (Plano de Regularização de Zonas Especiais de Interesse Social¹), uma conquista do movimento popular e da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife na década de 80. O instrumento assegura a regularização da terra, protege da especulação imobiliária e garante que os assentamentos habitacionais populares tenham acesso à terra e à urbanização.

 

¹ A FASE integrou a coordenação do PREZEIS nos anos 2000 e o Coletivo de ONGS do PREZEIS, composto por cinco organizações, para discutir as questões que seriam levadas ao Fórum do PREZEIS.

*Comunicadora FASE Pernambuco