Helio Uchôa com informações de Pedro Martins
12/03/2024 16:22

Foto: Yuri Rodrigues

No último dia 4, o TribunaPopular organizado pela APIB, COIAB, Associação Pariri, Instituto Kabu, Movimento Tapajós Vivo, Comissão Pastoral da Terra, GT Infra, Amazon Watch, Inesc, FASE e Stand Earth em Santarém, determinou o cancelamento de todo o projeto Ferrogrão e as empresas responsáveis pela manutenção e descaso com a natureza e os povos originários destas localidades.  O evento, que reuniu diferentes povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações e movimentos sociais, aconteceu no mesmo mês em que o juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deve voltar a decidir sobre as possibilidades de desenvolvimento da ferrovia no contexto da Ação Direta de Inconstitucionalidade que conquistou a suspensão liminar do projeto

“Por fim, considerando os graves vícios no planejamento da Ferrogrão, as violações dos direitos da natureza e dos povos e comunidades tradicionais da região, bem como a necessidade de resguardar os biomas brasileiros e o futuro do planeta dos interesses de empresas transnacionais multibilionárias, este Tribunal Popular determina o cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão por parte do Governo Federal e a devida responsabilização da ADM, Bunge, Cargill, Amaggi e Louis Dreyfus pelos dados incorridos contra a natureza e os habitantes da região do Tapajós e do Xingu”, pede o documento final do encontro. 

Nos últimos 10 anos, a expansão da monocultura da soja e milho no Cerrado e na Amazônia, para atender a empreendimentos ligados à exportações de commodities, provocou o aumento do número de vetores de violações a direitos étnicos e territoriais. O crescimento das taxas de desmatamento e a contínua apropriação ilegal de terras se avolumam com os impactos negativos por parte de obras de infraestrutura e logística (a exemplo de portos, estacionamentos de carretas e pátios de triagem) voltadas para o escoamento de grãos e fertilizantes. Mas para além dessas ações e obras, uma ameaça nada silenciosa já tem causado grande impacto: a Ferrogrão.

Mesmo sem ainda ter saído do papel, essa é uma ferrovia para transporte de commodities agrícolas que apresenta danos à vida de quem está no seu trajeto e raio de impacto. O impacto negativo da ameaça da ferrovia é de difícil mensuração, porém é evidente dadas as manifestações públicas de povos indígenas. Seu planejamento segue o modelo expropriatório de desenvolvimento pensado para a Amazônia e cumpre com demandas globais capitalistas que destoam dos modos de vida locais.

Ferrogrão nos tribunais

Foto: Yuri Rodrigues

A Estrada de Ferro 170, projetada desde antes da pandemia para conectar por trilhos Sinop no Mato Grosso a Itaituba no Pará, conhecida como Ferrogrão, encontra-se nesse momento em discussão no Ministério dos Transportes. A importância da Ferrogrão é alta para o setor do agronegócio, pois se insere geográfica e politicamente no Arco Norte, eixo de expansão não só dos cultivos, mas, de maneira combinada, também das estruturas de exportação da soja. Em dossiê, Diana Aguiar retrata como tem sido planejada a rota da soja: “Como resultado dessas transformações [aumento do consumo de soja], foi se constituindo um processo de redesenho das rotas de escoamento da soja a partir das principais fronteiras agrícolas até o novo destino prioritário, a China”.

O projeto está sub judice no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6553 promovida pelo Partido Socialismo e Liberdade. A ação na Corte Constitucional questiona a redução de uma Unidade de Conservação para viabilizar a EF 170 no trajeto inicialmente desenhado. Enquanto Executivo e Judiciário tratam do projeto ferroviário e sua viabilidade econômica, povos indígenas, comunidades tradicionais e movimentos sociais da região da BR-163 e Bacia do Rio Tapajós cobram participação no planejamento, e mais, a garantia do direito à consulta prévia”.

Protocolos de consulta e consentimento na fase de planejamento

A Bacia do Tapajós é território pluriétnico com experiências avançadas na resistência por direitos territoriais e uso dos chamados protocolos de consulta. Do Alto ao Baixo Tapajós existem mais de seis protocolos de comunidades tradicionais e povos indígenas: Protocolo Munduruku, Protocolo dos Pescadores e Pescadoras de Itaituba, Protocolo de Montanha e Mangabal, Protocolo dos Panará, Protocolo do Parque do Xingu, Protocolos dos Kayapó das TIs Baú e Menkragnoti Protocolo de Pimental e São Francisco, Protocolo Kumaruara, Protocolo Tupinambá, Protocolo dos Munduruku de Taquara, Protocolo Munduruku e Apiaká do Planalto, Protocolo da TI Cobra Grande, Protocolos dos Pescadores e pescadoras da Z20, Protocolo dos Quilombolas de Santarém.

Foto: Yuri Rodrigues

No Brasil, os protocolos de consulta são as formas territorializadas de regulamentar a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT. A consulta, tal como previsto na mencionada Convenção não seria alcançada com procedimentos como reuniões e audiências, mas deve seguir as diretrizes estabelecidas nos Protocolos de consulta. De acordo com a publicação “Protocolos de Consulta e Consentimento prévio: ideias para a elaboração de protocolos de consulta prévia, livre informada e de consentimento”, o protocolo é “um conjunto de regras aprovadas pela comunidade para facilitar o passo-a-passo às autoridades públicas no processo de consulta. Ele busca garantir vários direitos, especialmente o direito à livre determinação de condução dos processos pela comunidade, como também garantir o direito de consentir”.

O projeto da EF-170 já foi objeto de audiências públicas em municípios do Pará e Mato Grosso, mas até o momento nenhum procedimento de consulta foi realizado. Em 2021, o Ministério Público Federal apresentou subsídios técnicos ao MP junto ao Tribunal de Contas da União – TCU indicando o dever de consulta na fase de planejamento da ferrovia, ou seja, em momento anterior ao licenciamento ambiental.

*Estagiário sob supervisão de Paula Schitine