13/04/2015 13:15
Nas regiões baianas do Vale do Jiquiriça e do Baixo Sul, agricultoras têm conquistado avanços para relações de gênero mais equilibradas, assim como têm sido as protagonistas de cultivos de alimentos saudáveis. “Conseguimos avançar bastante. Dificilmente você vai ouvir de alguma mulher falar que ainda precisa usar agrotóxico”, comemora Joelma Cunha, referindo-se aos 14 grupos de mulheres apoiados pela FASE no estado, pontos de contato com cerca de 150 famílias agricultoras. A recente aprovação do projeto “Fortalecimento da capacidade de geração de renda e da integração socioeconômica de agricultores familiares”, pela União Europeia¹, possibilitará a continuidade dessa intervenção educativa da FASE.
Além de promover a participação política das mulheres em diretorias de associações e sindicatos de agricultores, e fortalecer o acesso à autonomia financeira, a luta das mulheres vem sendo associada à construção da agroecologia. ”Buscamos fortalecer os agricultores familiares como sujeitos de direitos, atores políticos na disputa por alternativas de desenvolvimento e no controle social sobre as políticas públicas. O trabalho com mulheres sempre existiu, porque, no nosso entendimento, é impossível fazer isso sem ter um olhar e uma atenção específica que tentem responder às condições peculiares delas no contexto da agricultura familiar”, destaca Paulo Demeter, coordenador da FASE na Bahia.
Articulação e controle de políticas públicas
Neste primeiro momento de atuação do projeto, a FASE esteve envolvida em diversas atividades. Entre elas, as relacionadas à qualificação da participação popular em espaços de gestão compartilhada de políticas públicas. Em março, houve um encontro de formação junto ao Grupo de Mulheres Construindo História, do município baiano de Laje. Na reunião, os participantes tiveram a oportunidade de trocar sobre a experiência do Conselho Municipal de Direitos das Mulheres (CMDM), uma novidade conquistada em dezembro do ano passado. A ideia foi debater como fortalecer a atuação das representantes da sociedade civil neste espaço.
Nos últimos anos, o regional Bahia e o Fundo SAAP passaram a apostar em ações visando formar e fortalecer grupos produtivos de mulheres. Agora, nessa nova etapa, a intenção é promover a articulação desses coletivos em redes. “Com a articulação dos grupos, queremos ampliar a promoção a troca de conhecimentos”, completa Joelma. Nesse sentido, foi realizada no município de Mutuípe uma oficina para dar o pontapé para a formação de um Fundo Rotativo Solidário (FRS), linha de ação voltada para grupos organizados em trabalhos associativos.
O evento, também realizado em março, reuniu 35 mulheres representantes dos grupos, que estão em processo de formação da Rede de Mulheres do Baixo Sul e da Rede de Mulheres do Vale do Jiquiriça. Na ocasião, um material didático foi produzido e poderá ser utilizado nas futuras atividades relacionadas ao tema. De acordo com Joelma, o Fundo poderá criar novas dinâmicas econômicas , ampliando a já atual comercialização de legumes e hortaliças in natura, além de bolos, geleias, polpas de frutas, etc.
“Vamos imaginar que um grupo receba uma demanda de 100 bolos, mas não tenha capital de giro para aceitar a encomenda. Então, o recurso do Fundo possibilita que as mulheres viabilizem a produção e, quando receberem o pagamento, devolvam o valor para o Fundo. Isso cria independência e uma renda melhor”, expõe Joelma sobre a estratégia, que possibilita que os envolvidos escapem da lógica predatória de bancos e juros altos. Ela acrescenta que a articulação em rede poderá facilitar o intercâmbio de alimentos produzidos pelos próprios grupos.
Semeando feminismo
A articulação entre as mulheres visa ainda avançar na conquista de direitos. “São agricultoras que, em sua maioria, sofrem violações de direitos. A gente já tinha muitas ações específicas com mulheres, mas muito voltadas para questões econômicas. Não necessariamente a gente discutia a questão da saúde, da sexualidade, da violência doméstica. Essa demanda começou a ser introduzida após a articulação com o Fundo SAAP”, relatou Joelma.
A partir de 2012, mutirões de saúde foram organizados. Segundo Joelma, mulheres que nunca tinham ido ao ginecologista passaram a ir. A troca de informações também as alertou sobre o domínio de seus corpos e vidas. “Começou um despertar! Foi um reboliço no sentido da valorização das mulheres. Elas ficaram com mais autoestima, ficaram todas arretadas”, brincou. Ainda de acordo com Joelma, tanto no Baixo Sul como no Vale do Jiquiriça, as mudanças podem ser percebidas nos cultivos dos quintais e na qualidade da alimentação nos pratos das famílias agricultoras, mas também na reação à violação de direitos.
“Ainda tem, é claro, muitas desigualdades nas relações. Mas tinha mulheres que nem saiam de casa, porque os maridos não deixavam. Hoje, elas só comunicam que vão participar dos eventos. Elas contam também que, quando não estão com vontade de fazer sexo, já conseguem dizer não aos maridos. Houve um movimento de mulheres voltando a estudar. Algumas mulheres que apanhavam em casa tomaram coragem de denunciar. Esses são pequenos avanços que significaram muito na vida de cada uma das mulheres”, analisou.
[1] O conteúdo deste artigo é de responsabilidade exclusiva da FASE, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da União Europeia.