16/10/2018 12:04

Por Samis Vieira¹

A instalação de grandes empreendimentos econômicos e o avanço na expansão do capital globalizado vem causando uma série de conflitos socioambientais na Amazônia, impactando diretamente os modos de vida de comunidades e povos indígenas. Isso evidencia a necessidade de reflexão sobre as formas tradicionais de uso da terra com perspectivas que combinem tanto a preservação dos recursos naturais, quanto a defesa dos territórios. Assim, o fortalecimento da agroecologia surge como estratégia de resistência e reprodução social de famílias que lutam pela garantia da soberania alimentar frente às injustiças socioambientais, que violam os direitos humanos e o conhecimento popular.

Com o principal objetivo de potencializar o debate sobre as ações agroecológicas e sua contribuição na formação de multiplicadores para o manejo de Sistemas Agroflorestais na Região Amazônica, no período de 10 a 14 de setembro, a parceria entre a o programada da FASE na Amazônia e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), possibilitou a realização do ‘Curso de Multiplicação de Conhecimentos em Sistemas Agroflorestais’, na cidade de Tefé (AM).

A atividade se transformou em um rico momento de debates, troca de saberes, reunindo técnicos extensionistas e lideranças comunitárias que atuam com práticas de manejo agroflorestal e/ou experiência com a implantação de roça e sítios diversificados, com ou sem o uso do fogo, tanto em Unidades de Conservação quanto em outros territórios. O trabalho com Sistemas Agroflorestais na Amazônia é associado a princípios que guiam o trabalho com sistemas alternativos de produção que valorize as particularidades territoriais, estimulem a diversificação produtiva, o uso sustentável do solo e, sobretudo o aumento da segurança alimentar com autonomia das famílias proporcionando a geração de trabalho, renda e qualidade de vida.

Troca de conhecimento sobre a agroecologia. Foto: Instituto Mamirauá

A metodologia do curso esteve voltada aos conhecimentos coletivos a partir da cultura e da vivencia dos agricultores considerando as particularidades locais e os saberes das famílias. O processo de manejo para o estabelecimento das áreas foi realizado com aulas práticas, visita a áreas de manejo e mutirões para implantação das áreas.

Implantação e manejo de sistemas agroflorestais em áreas de capoeiras

A técnica utilizada no manejo e na implantação do Sistema Agroflorestal esteve focada nas áreas de capoeira provenientes da regeneração natural da floresta e nas práticas tradicionais das famílias, com técnicas diferenciadas de manejo agroflorestal partindo da realidade dos agricultores que plantam diversas espécies agrícolas em uma mesma área, como mandioca, banana, abacaxi, cupuaçu, açaí, abacate, além de andiroba, castanha, jatobá. Essa diversificação é considerada importante por garantir o uso sustentável do solo por meio da ciclagem de nutrientes, considerando a oferta de produtos o ano todo a curto, médio e longo prazo.

Outra prática abordada foi a produção agroecológica de hortaliças, com a implantação de a partir do tronco da banana nos canteiros de cultivos, buscando enfatizar a importância da relação solo-planta nos sistemas produtivos, uma vez que a bananeira é uma espécie porosa rica em água e que contribui para manutenção da umidade do solo por mais tempo. Durante o curso, cada canteiro foi enriquecido com sulcos de matéria orgânica para melhoria da qualidade do solo. Após a primeira produção no sistema, este solo enriquecido estará apto a receber um segundo ciclo de produção.

Produção de adubos orgânicos líquidos

Caule da bananeira usado para fortalecer o solo. Foto: Instituto Mamirauá.

Por fim, foram realizadas receitas de adubos e inseticidas orgânicos, os chamados “biofertilizantes e bioinseticidas liquido”, a partir da mistura de materiais naturais com esterco, plantas e cinzas disponíveis na própria comunidade, estimulando o manejo agroecológico, o afastamento de pragas e doenças, bem como a produção de alimentos saudáveis sem o uso de agrotóxicos. A importância de sistemas produção sem a dependência de insumos externos, que desvaloriza a agricultura familiar e não constrói autonomia e/ou empoderamento das famílias foi um dos assuntos mais destacados durante a atividade.

Segundo Rafael Nobre, estudante da Casa Familiar Rural (CFR) do Projeto de Assentamento Agroextrativista PAE Lago Grande, em Santarém (PA), as informações obtidas expandiram sua visão sobre a agroecologia. “As práticas utilizadas durante o curso vieram ampliar meu conhecimento e melhorar as nossas práticas tradicionais. Quero multiplicar esse conhecimento com a minha comunidade para nos unirmos cada vez mais na luta pela defesa do nosso território”.

O curso contou com a participação de 20 lideranças comunitárias, representantes de 16 organizações da região Norte e um representante do Sudeste, entre estas organizações estiveram: Povo Indígena Andirá Marau, Rede Maniva de Agroecologia (REMA), Museu Agroflorestal da Amazônia (MUSA), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), FASE, Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras de Santarém (STTR-STM), Associação de Moradores e Usuários da Reserva Mamirauá (AMURMAM), Cooperativa de Produção de Plantas Medicinais (COOPLANTAS), Casa do Rio (CR), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto de Desenvolvimento Agropecuário Florestal e Sustentável do Amazonas (IDAM), Secretaria de Meio Ambiente (SEMA – Roraima), Secretária Municipal de Agricultura (Amaturá – AM), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), Repartição de Benefícios do Médio Juruá (ASPROC), Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Fonte Boa (IDS FONTE BOA) e Preta Terra.

[1] Educador do programa da FASE na Amazônia. Texto publicado originalmente no site do Fundo Dema.