31/01/2018 15:18
Gilka Resende¹
A política, que há muito está fervendo no país, também tem espaço nas ruas durante o carnaval. Diversos blocos e escolas de samba por todo o Brasil têm apresentado críticas contundentes e levantado, além de confetes e serpentinas, muitas reflexões. É o caso do Bloco “Terra à Vista”, que vai sair novamente pelas ruas do Recife com toda animação de quem luta por uma cidade para todas e todos. Nesse ano, o tema do bloco, que desfila no dia 9 de fevereiro, será “Daqui não saio! Daqui ninguém me tira!”, um enredo em solidariedade às famílias em risco de despejo. Na capital pernambucana, onde as estatísticas oficiais apontam que o déficit habitacional ultrapassa 60 mil unidades, a iniciativa fortalece uma luta central: a defesa do direito à moradia.
Tudo começou há seis anos. A cada carnaval, mais organizações e movimentos sociais foram chegando e trazendo para a construção do bloco novas ideias e temas, assim como cores, adereços, danças e músicas. A FASE se somou à iniciativa e estará, mais uma vez, defendendo o direito à cidade por meio da folia. Isso ao lado de entidades parceiras, como o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), o Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH), a Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, a ActionAid e a própria Habitat para a Humanidade Brasil, que é a organização fundadora do “Terra à vista – O Bloco da Reforma Urbana”.
Em 2018, outros dois blocos participarão do cortejo: o Troça Carnavalesca Empatando Tua Vista, que critica a verticalização excessiva da cidade, ou seja, a construção dos conhecidos arranha-céus a serviço da especulação imobiliária, e o Pisa Ligeiro, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de Pernambuco. Outra novidade: camisas com o atual tema do “Terra à Vista” estão sendo vendidas por R$20, o que dá direito a comer feijoada na concentração do bloco. “Trataremos de modo lúdico, de forma mais leve, olhares para os desmandos que a cidade tem vivido em relação à habitação e à regularização fundiária. É uma brincadeira, mas não só: também é um momento oportuno de fazer, de maneira irreverente, nossa denúncia”, expõe Leo Machado, educador da FASE em Pernambuco.
Confira a entrevista completa:
Qual é a realidade no Recife e em sua região metropolitana em relação à questão do direito à moradia?
Há 25 anos Recife está entre as cidades líderes nos índices de desigualdade no país. Sobre um estudo liderado pelo Ipea [ Instituto de Pesquisa Econômica Aplicado], os jornais locais deram conta de que a região metropolitana do Recife é a pior região metropolitana do Brasil para se viver quando levamos em consideração a infraestrutura urbana, o capital humano, a renda e o trabalho. Hoje, Recife tem um déficit habitacional de mais de 60 mil moradias.
Qual é a importância de levar esse e outros temas críticos para o carnaval?
É trazer de modo lúdico, de forma mais leve, olhares para os desmandos que a cidade tem vivido em relação à habitação e à regularização fundiária das áreas Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social], tanto do Recife como nas comunidades de sua região metropolitana. Levar isso para o conhecimento das pessoas também no carnaval. É uma brincadeira, mas não só: também é um momento oportuno de fazer, de maneira irreverente, nossa denúncia.
O fato do bloco ocupar as ruas já fortalece o direito à cidade, não é?
Sim. E o fortalecimento do direito à cidade se dá de duas maneiras: por meio da reivindicação política e social por direitos, que nesse ano, em especifico, fala da habitação e da regularização fundiária; e o bloco é em si um elemento do direito à cidade, já que a gente entende essa defesa como fazer da cidade também um espaço de difusão e de produção cultural. Aqui, estamos trazendo o elemento da cultura para comunicar uma crítica política. Para além de desfrutar dos artifícios já colocados para as cidades, sejam eles legais, jurídicos ou políticos, trazemos um outro viés do debate do direito à cidade: o que envolve a cultura como instrumento político.
Como se dá a articulação e a construção do Terra à Vista?
Um conjunto de organizações, movimentos sociais, entidades de comunidades de diferentes territórios da cidade participa de um processo extenso de construção do bloco. Tanto as organizações e movimentos que estão mais ligados ao campo do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) como outros sujeitos políticos que surgiram, com mais força, de 2013 para cá, num cenário de incertezas políticas, com a ampliação, inclusive, da pauta do direito à cidade para além da pauta mais clássica, que é a da reforma urbana. Existe uma diversidade geracional entre as pessoas envolvidas no debate e na construção do bloco. Todos esses atores fazem uma série de ações para a conseguir recursos: aí entram rifas, passagem de sacolinhas, doações, ou seja, é um processo participativo e horizontal de construção. Em todos os anos foi assim. Todos esses grupos que participam da construção do bloco também estão envolvidos em outras atividades durante o restante do ano, como a revisão do Plano Diretor do Recife. Temos reivindicado ao poder público mais atenção em relação a esse tema.
Já são seis edições do bloco. Poderia falar sobre essa história?
A primeira edição foi uma provocação puxada pelo Habitat e Humanidade Brasil. Com o passar do tempo, foram se incorporando outras organizações e movimentos sociais. Estaremos mais uma vez nas ruas com o bloco! Teremos orquestra de frevo, outras apresentações culturais, alegorias e feijoada. A gente monta placas e outros adereços para chamar atenção para o tema. É um bloco que sai na sexta-feira de carnaval, 9 de fevereiro, e já está na agenda cultural no Recife.
[1] Jornalista da FASE. Com informações do bloco “Terra à Vista”. Acesse o evento no Facebook.