01/10/2010 13:54

No fim de setembro, no Mato Grosso, realizou-se um importante evento de debate: o “Congresso Nacional Agrotóxicos, Saúde e Meio Ambiente – Direito à Informação”. O tema é totalmente atual e imprescindível, já que o Brasil é hoje o maior consumidor mundial de agrotóxicos, e no Mato Grosso o uso destes produtos químicos é intenso e perigoso. Não por acaso, já que se trata de um dos estados brasileiros onde o agronegócio (novo nome para a velha elite rural) é mais forte. Agrotóxicos são um tema envolto em polêmica: representantes do agronegócio defendem seu uso de forma ameaçadora, dizendo que sem eles não se produz alimentos em quantidade suficiente para alimentar a todos; enquanto a realidade mostra um lado mais cruel desta suposta verdade.

Segundo Franciléia de Castro, engenheira agrônoma da Fase Mato Grosso que participou do evento, foram dados exemplos de como o abuso de agrotóxicos traz prejuízos à saúde humana. O caso do município de Lucas do Rio Verde é um destes exemplos. Situada numa área de cultivo de soja, a população deste lugar foi pulverizada por agrotóxicos em 2006, porque um pequeno avião de aspersão jogou químicos demais e de forma imprudente. O vento se encarregou de levar as gotículas do veneno para as casas das pessoas, caixas d’água, mananciais, plantas e solo. Não demorou para que pessoas começassem a aparecer com sintomas de contaminação, às vezes graves. Quase quatro anos depois, o professor Vanderlei Pignati pesquisou, em parceria com a Fiocruz, este mesmo caso. E descobriu que a contaminação continua: os venenos estão presentes na urina e no sangue dos moradores, na água de poços artesianos, em amostras do ar e da água de chuva. Lucas do Rio Verde é um município contaminado pelos agrotóxicos. Franciléia diz que em Mato Grosso há um dito popular recente que afirma: “se for a Lucas do Rio Verde, não tome banho nem beba água”.

É verdade que em 2006 a Fase Mato Grosso e outras entidades já haviam alertado a Superintendência Federal de Agricultura do Mato Grosso, mas de nada adiantou. O poder do agronegócio e suas alianças geralmente bloqueiam ações sociais contra seus interesses, mesmo quando estes trazem prejuízos coletivos. Por isso, foi essencial que este congresso tenha sido pautado pela idéia do direito à informação. “Foi muito bem pensado o tema do direito à informação sobre agrotóxicos, é essa nossa luta agora”, diz Franciléia. “A sociedade precisa saber do mal que os agrotóxicos representam para nossa vida, e de como todos os dias somos contaminados, seja pelo ar e pela água ou pelos alimentos que consumimos. Essa tomada de consciência deve fortalecer o controle social sobre o uso de agrotóxicos”.

Controle social. Palavras que causam arrepios no agronegócio. Um exemplo do próprio debate dos agrotóxicos explica o porquê. De mais ou menos um ano para cá, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária decidiu que iria rever a permissão de uso de certos produtos químicos para agricultura. O motivo: novos estudos comprovavam que eles eram muito mais tóxicos do que se pensava, e além do mais, os produtos haviam sido proibidos em diversos outros países. Associações do agronegócio, avessas a qualquer tipo de controle que prime pelos interesses da população, vêm usando de seu poder político para impedir a ANVISA de fazer seu trabalho. E por enquanto, a sociedade brasileira ainda tem que ingerir químicos altamente tóxicos, proibidos em seus próprios países de origem, e em quantidades geralmente muito maiores do que o limite.

Outro problema que aponta para a questão do direito à informação é a relação entre agrotóxicos e transgênicos. As empresas que vendem sementes transgênicas costumavam dizer ao público que suas plantas geneticamente modificadas dispensavam o uso de agrotóxicos. Mentira deslavada. “A introdução da soja transgênica elevou a aplicação de agrotóxicos no país. O aumento se deu pelo maior uso de herbicidas à base de glifosato, um princípio ativo recomendado para a soja transgênica Roundup Ready, da multinacional Monsanto. Segundo o Ibama, no Mato Grosso, que é o maior produtor nacional de soja, a utilização dos 15 principais herbicidas usados no grão cresceu 67% no período de 2000 a 2004, e a de glifosato, 93%. Nesses quatro anos, a área plantada registrou salto de 95%, para 6,1 milhões de hectares. Isso em relação à soja, mas também vemos no estado o avanço nos cultivos transgênicos de milho e algodão, que contribuem ainda mais para os consumos dos agrotóxicos”, diz a engenheira agrônoma. Franciléia também nota que, pouco a pouco, a informação sobre a relação entre agrotóxicos e transgênicos vai se difundindo. “Pesquisas recentes mostram que o glifosato provoca malformação e defeitos de nascimento em animais de laboratório, mesmo em dosagens muito inferiores às usadas na pulverização agrícola”.

Informação difundida é mais defesa para a população contra as liberdades empresariais que comprometem a saúde pública. Facilita e estimula a organização cidadã para resistir às tentativas de reduzir o direito à alimentação adequada a nada. Somente com mais organização social e práticas políticas ativas pode-se abordar a questão dos agrotóxicos para além do banimento de produtos químicos prejudiciais à saúde. Trata-se, afinal, de questionar um modelo de produção agrícola que é concentrador de terra e riquezas, e que também deixa um rastro de contaminações e prejuízos tanto para os trabalhadores rurais como para todos aqueles que consomem os alimentos cheios de agrotóxicos.

Cresce no Brasil a organização de pessoas em associações, movimentos, ONGs e outros tipos de grupo que estão preocupados em mudar o modelo de produção de alimentos. O congresso realizado no Mato Grosso, puxado pelo Fórum Nacional de Combate ao Uso de Agrotóxicos, já deu sua contribuição para termos mais organização política no campo. Foi criado o Fórum Estadual para a mesma finalidade. Em pleno Mato Grosso, no coração do agronegócio brasileiro. Mais um passo de volta a uma agricultura saudável, limpa e que privilegie o alimento para consumo das pessoas.