Maria Rita Schmitt Silva
20/12/2024 11:34
O ano de 2024 terminou com a esperança ativa da juventude rural do Mato Grosso. No fim de novembro, jovens de diferentes regiões do estado se encontraram para a realização de mais um “Muxirum Jovem”, projeto formulado pelo coletivo do Muxirum durante o Encontro da Juventude Rural, que ocorreu na Chapada dos Guimarães (MT), e nos módulos da formação “Agroecologia Pé no Chão”, ambos promovidos pela FASE Mato Grosso, que continua como apoiadora da ação e faz parte do grupo de coordenação do coletivo.
As atividades aconteceram na comunidade quilombola Nossa Senhora Aparecida do Chumbo e reuniram aproximadamente 30 jovens vindos de assentamentos rurais, comunidades quilombolas, comunidades tradicionais, aldeias indígenas, comunidades ribeirinhas e também aqueles que moram nas cidades, aliados da luta pela agroecologia e pela permanência da juventude no campo. “Muxirum” significa mutirão, e para os jovens presentes significou muito mais: uma oportunidade de obter novos conhecimentos e de compartilharem aqueles que trazem junto de suas vivências, cada qual com sua incrível particularidade que se soma e se transforma em coletividade potente. Afinal, “quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro”. O projeto foi aprovado pela chamada no Fundo Casa Socioambiental “Fortalecendo juventudes no enfrentamento ao racismo ambiental – Apoio a soluções climáticas justas lideradas por juventudes periféricas e de Comunidades Tradicionais”, e foi construído a partir da perspectiva de aumento da resiliência socioecológica no campo a partir da agroecologia e da permanência da juventude, dentro do contexto da crise climática no Mato Grosso, que assola o estado com consequências como grandes incêndios florestais, altas temperaturas, escassez hídrica, degradação do solo e dificuldade na produção de alimentos.
O encontro teve duração de dois dias, nos quais os jovens receberam e compartilharam informações sobre o enfrentamento à crise climática e ao racismo ambiental, construindo coletivamente o conhecimento baseado nas especificidades do território, que hoje em dia é palco de uma luta de forças entre o modelo do agro-hidro-minério-tóxico-negócio e a resistência pela agricultura familiar, reforma agrária, bem viver e agroecologia. Os estudos tiveram início quando a cineasta, arte educadora e comunicadora, Juliana Segóvia – integrante do Aquilombamento Audiovisual Quariterê – transmitiu seu conhecimento a partir da oficina “Comunicação para Defesa dos Territórios”, na qual os jovens puderam entrar em contato com noções básicas de filmagem e fotografia, contextualizadas na necessidade de uso desses recursos para divulgação das ações, anúncios e denúncias nas comunidades.
Um bom exemplo de como a juventude pode se articular para registrar e espalhar as boas novas de seus territórios acontece na própria comunidade do Chumbo, no formato do podcast Café com Experiências, apresentado por Fernando Lima e Sofia Mirela, integrantes da coordenação do coletivo do Muxirum Jovem e coordenadores do Movimento Jovem Chumbo, que objetiva ajudar jovens a descobrir e cultivar seus interesses único a partir da facilitação de discussões e fornecimento de recursos para promoção de um ambiente onde os jovens podem se envolver com diversas perspectivas e desenvolver habilidades de pensamento crítico, de acordo com sua página no Instagram @movimentojovemch. No podcast, Fernando e Sofia entrevistam moradores importantes da comunidade, precursores das festas de santo e saberes tradicionais, convidando-os a compartilharem suas experiências e resgatando a história e o modo de vida tradicional daquele local.
O Muxirum também contou com a presença dessas figuras ilustres; na Roda de Conversa com os mais velhos, um lindo momento ao redor da fogueira onde a juventude reunida se concentra para aprender sobre a história da comunidade e das pessoas que a vivenciam. Dessa vez, o senhor José Atanásio de Lima e a senhora Maria Campos puderam relembrar a chegada, criação e desenvolvimento da comunidade quilombola Nossa Senhora do Chumbo, contando sobre as dificuldades passadas – muitas delas relacionadas ao racismo e à dificuldade de acesso à terra e educação – e atuais, como o rápido estabelecimento de mineradoras e a pulverização aérea de agrotóxicos no entorno.

O segundo dia iniciou-se com o desenvolvimento de dinâmicas para construção de confiança e proximidade entre os jovens participantes, que muitas vezes deixam de compartilhar suas opiniões por conta da timidez: a partir de atividades divertidas, puderam desenvolver e fortalecer a noção de coletividade e de ação conjunta. Em comemoração ao Dia dos Direitos Humanos, a juventude rural e urbana participou do desafio do Fundo Casa Socioambiental na produção de um vídeo sobre o direito de liberdade de expressão, já colocando em prática os conhecimentos obtidos no dia anterior. A atividade foi facilitada pela coordenadora do projeto Muxirum Jovem e do grupo “Jovens em Rede” Beatriz Silva, militante do MST, do Levante Popular da Juventude e colaboradora da Associação Regional de Produtores Agroecológicos (ARPA). O vídeo pode ser encontrado na página do instagram do @jovens.emrede

Após o almoço, foi iniciada a roda de conversa sobre “Juventude e Política”, facilitada pelo militante do PT de Cuiabá e suplente de vereador Leonardo Rondon, que trouxe contribuições únicas sobre a importância da juventude se organizar politicamente para garantir o acesso a espaços de decisão, defendendo os direitos da categoria e dos projetos de vida associados à agroecologia. A mensagem foi clara: política é coisa de jovem sim, e a mobilização dos movimentos nesse âmbito deve ser fortalecida a partir da construção do conhecimento na base. A conversa foi encerrada com um delicioso lanche comemorativo, e em seguida os jovens se dirigiram para a casa da senhora Ana Luiza de Almeida, moradora da comunidade, grande mestra e conhecedora do uso medicinal das plantas. Dona Ana
compartilhou seus saberes sobre o uso tradicional das plantas medicinais e ensinou, na prática e ao vivo, duas receitas de garrafadas para dor de cabeça e dor de estômago, que mais tarde foram sorteadas entre os participantes do Muxirum. O dia foi encerrado com a incrível apresentação do grupo de siriri AFRORIR, também da própria comunidade, que culminou num momento especial de interação entre os jovens em torno da dança e música tradicionais, símbolos de resistência e alegria.
O último dia do encontro foi fechado com chave de ouro com a roda de conversa acerca dos Sistemas Agrícolas Tradicionais (SATs), facilitada por Laura Silva, advogada, liderança quilombola da comunidade Mutuca e coordenadora executiva da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas em defesa dos Direitos Quilombolas e do acesso pleno ao Território) em Mato Grosso. Os SATs podem ser definidos como um conjunto de saberes, mitos, formas de organização social, práticas outras manifestações que compõem sistemas culturais manejados por povos e comunidades tradicionais. As dinâmicas de produção e reprodução dos vários domínios da vida social que ocorrem nesses sistemas, por meio das vivências e experiências históricas,
orientam também processos de construção de identidades e contribuem para a conservação da biodiversidade.
Podem, assim, ser reconhecidas como patrimônio cultural imaterial brasileiro” (BNDES, 2018). Os SATs também são tidos como os mais resilientes à crise climática, principalmente por conta da diversidade de serviços ecossistêmicos fornecidos por essas práticas. A oficina foi encerrada com uma atividade na qual os jovens desenharam e apresentaram (inclusive incluindo estratégias de comercialização e logística de escoamento da produção) o planejamento de sistemas agrícolas sustentáveis, altamente diversos e pensados a partir de elementos presentes no território.
Fernando Lima, um dos jovens anfitriões da comunidade do chumbo, expressou o que o Muxirum no seu território representou: “Gostaria de expressar a minha profunda gratidão por terem vindo à nossa comunidade, Chumbo, para compartilhar conhecimentos e experiências tão valiosas. As oficinas agroecológicas, as falas sobre política e comunicação que realizaram foram de grande aprendizado para todos nós, e foi inspirador poder mostrar um pouco da nossa cultura e dos saberes que cultivamos aqui. A presença de vocês nos mostrou que, juntos, podemos construir caminhos mais sustentáveis e fortalecer nossas raízes!”. A jovem Maria Heloísa, do assentamento Sadia (Cáceres – MT), também finalizou o encontro compartilhando seus pensamentos em formato de poema abaixo:
Muxirum Jovem
O Muxirum é uma linda juventude,
repleta de inteligência e cheia de atitude.
São simples encontros, com várias ideais reluzentes,
são momentos únicos e transparentes.
As lutas contra as crises climáticas são tensas e recorrentes,
mas se tratando do Muxirum Jovem,
a solução já está na mente.

*Colaboradora FASE-MT