Suzana Devulsky
16/05/2024 13:30
Em mais uma ação do projeto “Água para quê e para quem”, em parceria com a rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, a FASE Rio realizou atividade para discutir com moradores da Chatuba, bairro localizado em Mesquita, na Baixada Fluminense, questões ligadas ao acesso à água e esgotamento sanitário. Há décadas, a população da região, que é rica em mananciais de água, sofre com a falta de acesso a esse recurso natural devido ao descaso sucessivo do poder público. Ao longo do encontro, moradores compartilharam suas visões acerca do tema e expuseram os desafios que enfrentam no cotidiano.
Uma moradora, que preferiu não se identificar, relatou que há ainda lugares que recebem água de tubulações antigas, construídas antes mesmo da criação da CEDAE. Ao passo que nesses lugares não é comum faltar água, as casas que dependem apenas da água entregue pela Águas do Rio sofrem constantemente com a ausência do serviço. Há relatos de pessoas que ficaram até duas semanas sem receber água. Outro ponto trazido por ela foi a instalação de hidrômetros e cobrança de contas de moradores que consomem água diretamente das diversas nascentes que existem na área. “Lá na minha rua não tem nenhum [hidrômetro] até agora. Tem água, como eu disse, que não é da Águas do Rio, então colocar um hidrômetro lá não faz sentido. Vai cobrar água? Ou vai deixar a gente sem água?”, questionou.
Essa não foi a única manifestação de indignação diante das cobranças por serviços não prestados, das tarifas altas e da precariedade da rede de saneamento. Maria Antônia, mais conhecida como Toninha, moradora da Chatuba, disse que, desde a privatização, a única mudança sentida foi no aumento do valor da conta. “A gente se sente muito prejudicada. E a Águas do Rio cobra muito caro para um bairro que é um bairro de periferia, onde tem trabalhadores, pessoas sem condições, sem um salário digno, pagarem. Eu acho que se fizesse uma taxa razoável a todos, eles receberiam melhor. Porque a gente sabe que tem muitas pessoas que não pagam, mas a gente atribui isso aos grandes valores que são cobrados.”
Ela, que tem 75 anos e mora no bairro desde os 8, contou que o problema da água na região data ainda dos anos 80. Nessa época, a água, que vinha direto da nascente, começou a ficar escassa à medida que o bairro foi crescendo e a população aumentando. Foi então que, nos anos 90, a população já se organizou criando uma associação de moradores e passaram a atuar frente ao governo. “Alugamos ônibus, já associamos todos os moradores, conscientizamos que era importante pedirmos água da CEDAE”, relembrou Toninha, que participa da associação desde seu início.
Nessa época, a demanda da população foi atendida e uma rede de abastecimento de água foi instalada. Desde então, o sistema não melhorou mais e os problemas se agravaram, visto que a população aumentou sem que a rede acompanhasse esse crescimento. Atualmente, só cai água uma vez por semana, e com pouca pressão. Além disso, há muitos problemas de vazamento em canos nas ruas, o que só piora a situação.
Seu China, 67 anos, também expôs o agravamento do problema de água em sua casa desde que a Águas do Rio assumiu os serviços de saneamento básico. Ele explicou que as obras realizadas pela empresa melhoraram a situação de algumas localidades, mas pioraram em outras: “Desde quando a Águas do Rio assumiu, ela vem fazendo intervenções, jogando, tirando a água de quem tinha, jogando pra quem não tinha, mas tirando de um lado e jogando pro outro”.
China chegou a gravar um vídeo mostrando a falta de pressão da torneira de sua casa, que só pinga, e mostrou para representantes da Águas do Rio, mas nenhuma providência foi tomada a esse respeito. Além das muitas horas necessárias para encher a caixa d’água, ele também reclama de cobranças indevidas, como no caso das contas que chegam na casa de seu falecido sogro, onde a rede de água está desativada.
Sobre a falta de pressão na água, citada por diversos moradores, Dila, também moradora do bairro, chamou atenção para o fato de que esse problema acaba acarretando em outro: o aumento na conta de luz em razão da necessidade de uso da bomba d’água por longos períodos de tempo. O peso dessas questões na renda familiar não pode ser ignorado, especialmente em um município onde a renda familiar é uma das mais baixas do estado e em um contexto no qual o aumento dos critérios para a tarifa social torna cada dia mais difícil acessar esse direito.
Ao longo da manhã, os presentes também conversaram sobre a importância da luta coletiva para buscarem e defenderem seus direitos e debateram a falta de transparência do governo municipal em relação à destinação dos mais de R$ 115 milhões oriundos do leilão da CEDAE.
Este evento foi possível graças ao apoio recebido da Fundação Tinker.
*Comunicadora da FASE