20/09/2016 12:11

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Oficina na Casa Familiar Rural. (Foto: Fundo Dema)

Localizado em uma região diretamente afetada pela construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, às margens do Rio Amazonas e próximo à foz do Rio Xingu, o município de Gurupá, no Pará, reúne um importante histórico de luta e resistência territorial. Integrando esta trajetória, desde 2005 o Fundo Dema¹ vem apoiando nas iniciativas coletivas no município. Ao todo, já se somam 20 projetos comunitários voltados ao fortalecimento da agricultura familiar e à garantia de justiça socioambiental na região. De forma a mapear e avaliar as ações estratégicas de resistência e luta no território, entre 17 e 23 de agosto o Fundo Dema esteve em Gurupá para realizar oficina de sistematização e visita a projetos finalizados e em andamento.

Durante os dois primeiros dias de atividade, representantes de organizações de comunidades apoiadas participaram da oficina ‘Fundo Dema em Gurupá: experiências de iniciativas apoiadas na perspectiva da Justiça Socioambiental e dos Bens Comuns’, realizada na sede da Casa Familiar Rural de Gurupá, com o principal objetivo de sistematizar as experiências para posteriormente compartilhamento à sociedade.

A atividade possibilitou ainda resgatar a atuação do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Gurupá que, em parceria com a FASE, lutou pela regularização fundiária que garantiu a consolidação da propriedade rural aos diversos grupos sociais que vivem da terra e dos recursos naturais para viver, democratizando, assim, o uso da terra e garantindo a proteção ao meio ambiente. “No final da década de 70, cerca de 10 famílias detinham todas as terras do município de Gurupá.

As outras famílias eram subordinadas àquelas que mandava e decidiam o que fazer e quanto tempo elas ficariam lá e saiam sem direito a nada. Os conflitos gerados a partir disso exigiram que estudássemos sobre os direitos que tínhamos em relação à terra. Passamos a lutar para que nossos direitos fossem reconhecidos e, com isso, conseguimos reconquistar o Sindicato. Em 1987, a partir de uma ação da FASE, criamos um modelo de regularização fundiária”, salienta Pedro Vieira sobre a importância da participação da FASE neste processo democratização da terra.

Ações coletivas pelo bem comum

Em Gurupá, o Fundo Dema já apoiou 17 projetos pelo fundo fiduciário e três iniciativas em parceria com o Fundo Amazônia, envolvendo mais de 90 comunidades e beneficiando diretamente mais de 4 mil pessoas. Estas experiências estão localizadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Itatupã-Baquiá, em territórios de comunidades quilombolas e no assentamento agroextrativista do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) intitulado ‘Ilha Grande de Gurupá’, regiões marcadas, tanto na sua criação quanto no seu desenvolvimento, pelo impulso dos movimentos sociais que até hoje fortalece a dinâmica de vida das comunidades e de gestão das associações.

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Casa de farinha fortalece economia familiar. (Foto: Fundo Dema)

Morador da RDS Itatupã-Baquiá, Josinaldo Moreira destaca a importância do apoio do Fundo Dema diante das dificuldades de acesso a políticas públicas. De acordo com o integrante da Associação dos Trabalhadores Rurais Agroextrativistas do Itatupã Baquiá (Atraieb), o apoio tem fortalecido a economia familiar e a valorização dos produtores extrativistas da região. “Inicialmente, o projeto objetivava o aproveitamento das sementes nativas, porém em meio aos diálogos proporcionados nas oficinas do Fundo Dema, a comunidade percebeu a necessidade de fazer mudanças positivas. Podemos dizer que a política do Fundo Dema tem sido extremamente favorável para a nossa organização”, avalia Josinaldo.

Após a oficina, a equipe do Fundo Dema partiu para a visita em diversas comunidades de forma a acompanhar o desenvolvimento das iniciativas apoiadas. Entre as experiências, destacam-se os fornos ecológicos desenvolvidos por comunidades quilombolas para a produção de farinha. Contemplados em 2011 em chamada realizada pelo Fundo Dema em parceria com a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), por meio do apoio do Fundo Amazônia –, os projetos ‘Casa e Forno Ecológico Eficiente de Farinha’ e ‘Forno de Farinha Ecológico e Eficiente’, respectivamente desenvolvidos pela Associação das Comunidades dos Remanescentes de Quilombos do Município de Gurupá (ARQMG) e pela Associação dos Remanescentes de Quilombo Jocojó (ARQJO), concluíram um experimento de redução de impactos ambientais e melhoria de vida das famílias. “Isso nos ajudou a ter uma casa de farinha mais organizada, coberta. O forno que era tradicional maltratava muito a vista da gente por causa da fumaça. Como este tem a descarga da lenha [chaminé], a fumaça sai toda para cima, sem prejudicar a vista da gente. Além disso, o gasto de lenha diminuiu uns 50%, fora a ampliação do espaço que contribui para o asseio da produção”, comemora seu Domingos, que integra o núcleo familiar da casa de farinha.

Comunicação em rede

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Comunicadores fortalecem campanha contra agrotóxicos. (Foto: Fundo Dema)

Considerando as ameaças do desenvolvimento predatório do agronegócio, dos grandes projetos de mineração e hidrelétricas, mercados de carbono, pagamentos por serviços ambientais, entre outras formas de mercantilização da natureza sobre os territórios de atuação do Fundo Dema, a ‘Oficina de Comunicação em Rede: Fortalecendo a Justiça Socioambiental’, ocorrida nos dias 14 e 15 de junho, possibilitou a produção de um planejamento midiático para programas informativos que serão compartilhados entre diversas rádios comunitárias, como forma de democratizar o acesso à informação.

Ao debater o papel político da comunicação, os participantes expuseram suas experiências de diálogo com as comunidades por meio do rádio. “Temos que aproximar as rádios comunitárias, das comunidades. Temos acúmulo na luta popular, já fizemos mobilização que fechou o rio. Em Gurupá 60% das terras estavam sendo leiloadas por uma madeireira. E ainda, entre Gurupá e Porto de Moz a agricultura familiar está sendo substituída pela extração ilegal de madeira. Quem faz todo o trabalho de mobilização frente a esse conflito é a rádio comunitária, não podemos nos omitir”, disse um dos participantes da oficina.

De acordo com Graça Costa, educadora do Fundo Dema, a luta pelo fortalecimento da comunicação popular vem sendo desenvolvida por meio do apoio a uma grande diversidade de organizações sociais. “Nos mais de 12 anos de sua atuação, o Fundo vem apoiando a criação e o fortalecimento de diversas rádios comunitárias e, neste momento, quer que esse apoio possa se traduzir num trabalho mais articulado e fortalecido, numa perspectiva de rede”, explica. Ao fim do encontro, os participantes elaboraram conjuntamente algumas propostas de atuação, entre elas a formação de uma rede de comunicação e a produção de programas de rádio pautando questões voltadas à justiça ambiental, para socializar entre diversas rádios comunitárias.

[1] Matéria publicada pelo Fundo Dema, do qual a FASE é parte.