11/12/2015 17:26
Rosilene Miliotti¹
O programa da FASE no Rio de Janeiro, com apoio da Fundação Heinrich Böll e em parceria com cerca de 30 mulheres moradoras das comunidades de Manguinhos e do Caju, desenvolveu a ação “Desenvolvimento urbano e violência institucional: os impactos da militarização da cidade na vida das mulheres”, que resultou na Cartografia Social Urbana. A publicação construída por elas será lançada no dia 16 de dezembro, às 18h, na Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Rachel Barros, educadora do programa da FASE no Rio de Janeiro, explica que a cartografia é um olhar dessas mulheres sobre o seu próprio território e os variados tipos de violência que elas vivenciam cotidianamente. “O processo de construção foi feito através de oficinas, reflexões e construção de mapas em várias escalas. A cartografia que será lançada é um material muito rico de dados e traduz essa experiência”, explica.
Caju e Manguinhos são comunidades muito próximas geograficamente e contam com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), mas uma não conhece a realidade da outra. Para Rachel, essa foi uma experiência intensa e rica. Durante os encontros, foi construído um espaço de partilha e reflexões sobre o que significa ter um espaço de favela militarizado na vida das mulheres. “Foi importante entender as realidades e as dificuldades de mulheres que, em geral, têm uma renda muito baixa, mas que são protagonistas dos principais processos de lutas nesses espaços”.
Clarisse Werneck, do Coletivo Carcará (Comunidades Articuladas do Caju Por Reforma e Ação), participou do mapeamento no Caju e diz que o processo foi muito interessante porque a cartografia social evidencia vários problemas do bairro. “Caju é um bairro com 13 comunidades, onde uma comunidade é muito diferente da outra. Entretanto, as mulheres do Caju que participaram da construção do documento não tinham nenhum problema com a UPP ou de violência policial. E isso foi bom porque fez um contraponto com a realidade de Manguinhos, por exemplo. Mas essa não é uma realidade de todo o Caju. Os problemas expostos por nós estavam muito ligados à questão da habitação, saúde e educação”, explica.
Para Darcília Alves, moradora de Manguinhos, o trabalho da FASE foi importante para dar visibilidade às violências que os moradores passam todos os dias. “Hoje nós podemos nos reunir, participar de movimentos e gritar. No passado, nós não podíamos falar sobre determinados assuntos. Moro em Manguinhos desde que nasci, há 57 anos, e aquele é um território degradado, que o governo abandonou e onde nós vivemos violências de diversas formas”, declara. Darcília, que só teve seu registro de nascimento aos 18 anos, diz que é violento nascer sem casa e não ter direito ao nome. “Em Manguinhos, muitas mães tiveram seus filhos vitimados pela política de segurança, mas posso dizer que sou felizarda por nunca ter sofrido fisicamente violência por parte da polícia”.
Ato público no Largo da Carioca
Antes do lançamento da cartografia, as mulheres realizaram um ato público no Largo da Carioca¹, região central do Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro. Rachel explica que as participantes perceberam a importância de um ato público para dar visibilidade ao que elas estavam construindo e acumulando ao longo de dois anos. Boa parte do grupo tem suas lutas individuais, muitas vezes pela perda de seus filhos. “Essa foi a possibilidade delas apresentarem seus relatos de forma pública. Também produzimos um material informativo para ser distribuído durante o evento. Assim, as pessoas teriam informações sobre esse processo”, comenta Rachel.
Vale ressaltar que o processo para este ato foi baseado na metodologia de Promotoras Legais Populares, que é um uma formação voltada para as lutas e as questões em que elas atuam, a partir do que elas elencaram como violações principais. De acordo com Rachel, temas como habitação e violência policial são muito importantes para essas mulheres. Por isso, durante o ano de 2015 foram realizadas oficinas com pessoas que trabalham com estes assuntos, refletindo sobre a experiência de atuação e trazendo aportes para a militância delas. “Além desses dois temas, também discutimos sobre racismo e questões de gênero, temas transversais”, ressalta.
Ao final do ato, a emoção tomava conta de todos. “As emoções apareceram diversas vezes ao longo do processo. As oficinas acabam sendo espaços em que elas conseguiam se reunir para refletir sobre suas próprias vivências. E tinham tempo para pensar e trazer seus relatos, momentos de escuta e de partilha. No ato, por mais que tenha sido um momento de bastante emoção, foi o momento em que nós já estávamos em sintonia. Além disso, outras pessoas que participaram, eram mulheres militantes que atuam na área de direitos humanos, negras, oriundas ou atuantes em favelas. Acredito que essas histórias, vivências e militâncias diversas geraram uma grande sinergia. Foi um momento em que elas tomaram aquele espaço como um lugar de protagonismo, compartilhando com quem estava passando. Às vezes, a frustração que dá é a impossibilidade de tornar a sua experiência de luta em algo que realmente faça a diferença pra outras pessoas”, conclui.
[1] Jornalista da FASE.