13/12/2016 17:56
No final de novembro, a Campanha “Nem Um Poço a Mais!”¹ promoveu um seminário sobre os impactos e violações da expansão petroleira sobre territórios ribeirinhos, de pesca artesanal, quilombolas, campesinos, indígenas, bem como nos distritos industriais, como em Barra do Riacho, em Aracruz e na Região Metropolitana de Vitória. A atividade se iniciou com um giro por alguns territórios em conflito petroleiro. O evento reuniu representantes de povos tradicionais e de organizações nacionais e internacionais.
Ativistas do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, Paraná, São Paulo e Argentina contaram, ao longo do encontro e de diferentes formas, como e o quanto têm lutado para manter o modo de vida e a cultura local. A ideia de que a modernidade vendida pela indústria do petróleo é, na realidade, responsável por enormes violações de direitos humanos, que eliminam a diversidade das relações sociais, exploram os recursos naturais e se apropriam do conhecimento coletivo em prol de interesses privados se repetia nas falas.
Segundo o economista Sérgio Schlesinger, o governo de Michel Temer (PMDB), seguindo nesse aspecto os mesmo passos de Lula e Dilma (PT), por meio do Plano de Investimentos da Petrobras, prevê que 60,6% dos futuros investimentos sejam destinados para novas explorações. “Áreas que hoje são livres de petróleo serão atingidas por este desenvolvimento predatório e violento. Estes números seguem o histórico do país cuja representação da indústria petrolífera no Produto Interno Bruto (PIB) passou de 3 para 13% entre 2013 e 2016”, destaca.
Para alterar a lógica instalada, a necessidade de se ocupar os espaços públicos, democratizar os Conselhos, disputar as políticas de Estado, denunciar os leilões, fiscalizar e monitorar as violações foram debatidas como alternativas de resistência. Marcelo Calazans, coordenador do programa da FASE no Espírito Santo², alerta que empresas como a Petrobras, a Shell, a Chevron, a Statoil, Total, Jurong, Nutripetro, bem como as terceirizadas e associadas, contaminam não apenas a natureza, mas também as relações comunitárias, invadindo espaços de disputas e influenciando diretamente na política pública e social dos territórios. “Durante o evento, ouvimos diversas vezes falas que evidenciaram que o que é ‘vendido’ como a redenção de uma região é, na verdade, a promessa infundada e vazia de desenvolvimento local, haja vista a imensidão de impactos e violações sociais, econômicos e ambientais gerados nos territórios explorados e nas cidades”, explica.
O pescador Pedro Costa, da Associação de Pescadores e Extrativistas de Degredo, do município capixaba de Linhares, diz que as empresas se instalam nesses territórios com a justificativa de levar o desenvolvimento, mas que não conhecem as comunidades que exploram. “Colocam um ‘vidro blindado’ na gente para não nos ouvir e nos obrigam a procurar emprego como se já não tivéssemos um. Tenho dois filhos que tiveram que buscar emprego em outros estados porque aqui já não tem. A empresa de sísmica, por exemplo, se instalou na região em 1952. Desmataram a margem dos rios explodindo a terra e destruíram a camada de arenito que retinha a água. Foram 16.776 perfurações de seis metros detonadas com seis quilos de projétil. Se fosse um furo do lado do outro, tinham aberto um rio”, denunciou.
Haroldo Júnior Miranda da Conceição, da Ilha de Marajó, no Pará, relata que novos poços serão perfurados e a pesca será proibida num raio de cinco quilômetros. “O rio não é largo e não vai sobrar nada para a pesca. Em Salva Terra, na mesma região, os técnicos da empresa Total e do Instituto do Maio Ambiente (Ibama) afirmaram que o empreendimento não traria impacto negativo para a população, mas aqui no Espírito Santo estou vendo que o que estão falando lá é mentira”, disse. Os participantes denunciavam ainda que indústria petroleira deveria estar rotulada como venenosa tamanha a incidência de câncer nas regiões exploradas. Leila Salles, do Grupo de Mulheres do Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía de Guanabara (RJ), conta que há cerca de 80% de aumento nos casos de câncer na região. “São diversos casos de câncer de pele, intestino, pâncreas, reto e muitos outros. Estamos na luta e continuaremos. Não queremos nem um poço a mais, nem em Duque de Caxias e nem em lugar nenhum”, declarou.
Giro pelos territórios
As cidades de Cacimbas, Degredo e Regência, municípios de Linhares e Barra do Riacho, em Aracruz, fizeram parte do roteiro do giro pelos territórios. Essas regiões, no norte do Espírito Santo, foram escolhidas por concentrarem um diverso e significativo volume de operações e projetos petroleiros, assim como os principais conflitos sociais, ambientais e econômicos. Os participantes conheceram a luta e a resistência de pessoas como a pescadora e ribeirinha Kátia dos Santos, que possui as terras de sua família ocupadas por mais de 38 poços. Impedida de morar nas terras em que nasceu, ela luta contra o monopólio petroleiro instituído e faz parte do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MBL), que ocupa uma área com 450 famílias, em Regência, chamada de Ocupação Caboclo Bernardo. “Não temos lugar para os nossos filhos. Aqui temos Petrobras, temos Ibama, temos lama da Samarco e não temos pra onde ir”, denuncia.
Em Zacarias, região apelidada de Cacimbas após a implantação da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas (UTGC), as condições para a subsistência da população são precárias. Sem acesso à água, os moradores convivem com a constante emissão de gás e sem qualquer acompanhamento médico, com as promessas vazias de emprego e desenvolvimento para a região. Pedro relata que a situação não é diferente na região de Degredo, povoado no litoral de Linhares onde as famílias vivem entrecortadas por dutos, somando graves impactos sociais e ao meio ambiente. “Das 250 famílias que viviam na região, resistem apenas 34, e apesar dos mais de 50 anos de exploração petrolífera na região que levaram a morte do rio Ipiranga e a uma ‘secura’ constante da terra, é lá que a empresa Mlog (antiga Manabi) quer instalar o seu porto, limitando ainda mais a área de pesca e o bem viver desta comunidade”, explica.
Já em Barra do Riacho, no município de Aracruz, foi possível ver as mais diversas formas da cadeia petrolífera representadas pela ação das empresas Nutripetro, o Terminal Aquaviário da Barra do Riacho da Petrobras, o Portocel da Fibria, o estaleiro Jurong, Conexus e o Terminal Industrial Imetame. Entre as graves denúncias, destaca-se o fato da região ter sido descaracterizada após a chegada de milhares de trabalhadores para atender a demanda dos empreendimentos, gerando um colapso dos equipamentos sociais e urbanos e do tecido socioambiental. “Ancorados sobre a promessa de desenvolvimento, este modelo transformou a região em uma verdadeira zona de sacrifício e alta violência contra as mulheres”, destaca Calazans.
Durante todo o giro, não houve dúvidas de que setor petroleiro impacta a vida da sociedade seja na cidade, no campo ou no litoral por meio da contaminação, da exclusão ou pelo incentivo de formas de consumo poluidoras. Leia e assine a Declaração da Campanha Nem Um Poço a Mais.
[1] Edição do texto publicado no blog da Campanha “Nem Um Poço a Mais“.
[2] O conteúdo deste artigo é de nossa responsabilidade exclusiva, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da UE.